quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
A li(cita)ção - situação do Ensino Superior
PERSONAGENS:
Leiloeir@
Paulo Teixeira Pinto
Francisco Murteira Nabo
João Picoito
Charles Buchanan Jr
Alun@
Assistente d@ leiloeir@
Leiloeir@ – Boa tarde! Estamos hoje aqui, a pedido do Engenheiro José Sócrates, para leiloar a tão estimada Universidade de Lisboa, devido à falta de financiamento por parte do governo. A partir do próximo ano, a U.L. vai ter um défice de 6 milhões de euros, tornando impossível a gestão pública desta instituição. Estão abertas desde já as licitações. Agradeço que os licitadores não só proponham um valor para a compra, como também se apresentem, especificando por que razão seriam os melhores gestores desta Universidade. O senhor aí, por favor.
Paulo Teixeira Pinto – Então muito boa tarde, o meu nome é Paulo Teixeira Pinto e, como o resto das personalidades aqui presentes, foi-me reconhecido o mérito para estar presente na Assembleia Estatutária que decidirá os destinos desta instituição. Como devem saber, recebi ainda há pouco tempo uma reforma choruda do banco que geria, o BCP, como reconhecimento do meu esforçado trabalho durante vários anos…
Charles Buchanan – (com pronúncia inglesada) Boa tarde, eu sou o Charles Buchanan Jr e sou o Presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, cargo para o qual fui directamente nomeado pela excelentíssima Administração Norte-Americana, presidida pelo senhor George W. Bush. Ofereço 6 milhões de euros e uma ligação privilegiada às grandes multinacionais norte-americanas, na condição de explorarmos todas as patentes produzidas na universidade. Posso não ter tanto currículo, mas sem dúvida tenho muito mais power!
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Eduarda Dionísio sobre João Martins Pereira
2. É verdade que JMP sempre acreditou mais em si como homem de saber (preciso), de pensamento (claro) e de escrita (concisa) do que como «actor» de sessões públicas, ecrãs e microfones. E de cargos. A passagem por uma Secretaria de Estado foi uma grande e curta excepção. Aguardo, ansiosa, que alguém se ponha a estudar a sua agenda de trabalho, que ele depositou no CD 25 de Abril.
JMP é um caso raro. Arrisco: o único intelectual de esquerda do pós-guerra, nesta terra, sem qualquer sedução pelo «estrelato», o reverso da vedeta. Um homem das economias, formado nas engenharias, para quem as artes existiam – literatura, evidentemente; cinema, muito; teatro, algum; pintura também.
3. Lembro-me bem da sua caligrafia miúda e da paginação do que escrevia à mão, com margem certa, mais rigoroso do ninguém, entregue sempre a horas, para publicação (no Combate de uma certa altura, nos Cadernos do Elefante, edições mais «marginais» do que outra coisa) ou para ajudar os outros (uma fui eu) a escrever sobre assuntos de que ele sabia mais – disponibilidade sem medida.
4. Sem ele, nunca teria tido uma relativa segurança quando me meti em «aventuras».
É difícil de descrever e avaliar a sua invisível participação na 1ª campanha das Europeias do PSR, em 1987, quando se tratava de dizer que a Europa não era aquela, com vários independentes, entre os quais ele: a sua atenção e rigor limparam e enriqueceram (factos, parênteses, números, ideias) os textos inicialmente escritos a duas mãos, pelo Jorge Silva Melo e por mim.
Nunca os 10 anos da Abril em Maio teriam sido aqueles que foram, se não tivesse sido ele a escrever a convocatória para os dois fins-de-semana de festa onde a Abril em Maio nasceu.
5. Escrevi muitos papéis, anónimos, colectivos, quando ele não estava ou já não estava ali, a pensar «como é que o JMP escreveria isto?» ou «o que é o JMP pensará disto?»
Por isso, não sei como é possível andar-se pelas esquerdas sem nunca ter lido O Reino dos Falsos Avestruzes ou como se JMP não o tivesse escrito.
JMP (que não acreditava em frentes com inimigos de raiz tornados amigos de superfície) foi e continuará a ser para mim uma referência que não morre. Sou quase incapaz de escrever sem citar umas frases suas que dizem o que não sei dizer de outra maneira: que os dois anos do chamado PREC foram os únicos em que milhões de pessoas viveram no verdadeiro sentido da palavra; que não é possível confundir «empenhados» e «alistados».
Aprendi com ele que o «não me apetece» é o maior critério para as recusas – o apetite e o não apetite têm política dentro.
6. De há um tempo para cá, tenho tido saudades do JMP e agora vou ter mais ainda. A sua morte abre um grande buraco, que se acrescenta a outros. Gostava de ter pelos menos 50 páginas à disposição para poder falar dele.
Eduarda Dionísio
14-11-08
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
terça-feira, 21 de outubro de 2008
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
a menina pires diz que há uma hipótese
fazendo uma mise
ultrapassar os espanhóis
no consumo de caracóis
escrever cem vezes numa folha
as leis da rolha
combater o desemprego
com mais polícia
acabar com o emprego
com mais perícia
dar à crise financeira
uma vaca leiteira
e quando faltar dinheiro
pagar o jantar ao banqueiro
sermos mais tolerantes
como éramos dantes
pôr na televisão fado
e revivalismo furtado
avançar com o despedimento
para viver o momento
sair da cauda da europa
e ir para os dentes da europa
o país desaparece
e com ele o iérreésse
e por fim descansados
no monitor sentados
acender virtualmente a lareira
pôr a manta e a joelheira
clicar no progresso
e chorar o último impresso
domingo, 5 de outubro de 2008
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Rita Canário
a cabeça que atirava para o lado
a voz rouca o riso contido
uns “não é?” no fim das frases
vi-a também a chorar
e também com muito muito álcool
uns “não é?” muito doces às vezes
com a voz a ficar mais grave e sincera
muito computador e números
e sei lá mais o que estou para aqui a dizer
o que estou para aqui a dizer
sem dizer em voz alta
dantes naquela altura
eu fazia uns jogos que podiam dar por exemplo:
«A Rita dança ao sol com o Olímpio no planeta Asteróide B612 e diz “porquê?”»
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Por isso é que o caminho não é sempre em frente
a rocha grande, o atalho,
a grande plantação de malmequeres,
o alcatrão demasiado liso,
um farol a apontar para trás
Por isso é que o caminho não é sempre em frente
o lixo, a pergunta, a esquizofrenia,
a polissemia das ideias,
o regato fresco em horas de sol,
a cancela e o cartaz a dizer:
«detido pelos detentores»
Por isso é que o caminho não é sempre em frente
o ar, os aviões, as nuvens
as cavernas de estalactites
até ao coração quente da terra
e buracos negros
sábado, 16 de agosto de 2008
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
C. C.
Venha calçado.
Tape várias partes do corpo.
Traga dinheiro ou um cartão bancário.
Apague o seu cigarro e entre.
Deixe o cão na rua.
Se não tiver telemóvel traga trocos para as cabines.
Ande.
De trás para a frente, de um lado para o outro.
Não se sente nas escadas.
Não corra nos corredores.
Coma e compre.
Beba e babe-se.
Saia e acenda o seu cigarro.
Revolução
É o melhor para o amor
É o melhor para a alegria
Veja isto por favor
Tem abertura fácil
Tão prática e barata
Tem muitas cores
Toda a gente quer
Mas tem receio de experimentar
É útil, excitante, indispensável
É urgente, importante, homem e mulher
Toda a gente quer
Mas tem receio de experimentar
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
terça-feira, 29 de julho de 2008
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Falta de amnésia
o presente é um muro
duro
É preciso esquecer para
lembrar o que vai
acontecer
Abre-se a reminiscência
o parto luminoso
aprender
Não existe o espírito eterno
é só brilho ideal e parte
da ignorância
Não podes reencarnar
mas podes convidar filósofos
para jantar
E assim uma mentira grega
pode ajudar a esquecer
a esquecer a verdade
segunda-feira, 21 de julho de 2008
O sextos da Kylakäncra
I
tu numa carcaça vermelha
semi-recheada de estruturas
com bases anti-raio de ligação ao mundo
juntas as pestanas em ralenti
acalmas o tambor do peito
abres os canais e eles quase latejam
queres a estrela só reflexo
articulando a asa está frio
acendes depois de tudo um cigarro
tu numa carcaça vermelha
ela de olhos fechados
ela a dormir e tu não consegues
não és uma máquina
não tens motor
o vermelho grito afinal é teu
II
quatro luzes na ribalta
a luz dos que gritam
a luz dos que sorriem
a luz dos normais
a dos amigos dos animais
a força vem da primeira
a dúvida vem da segunda
o rangedor é na terceira
o veneno vem da última de todas
III
se grande se escreve
com letra pequena
e pequena
se escreve com letra pequena
temos duas pequenas:
uma pequena e outra grande
IIII
o papel mas
no outro sentido
no outro sentido
as letras no mesmo
quando já se virou o sentido
do papel
também se podia virar
o sentido das letras
é tão raro
IIIII
páginas aos sextos mal vincadas
os tímpanos quase furados
um subproduto humano a ajudar
para quê descrever o quadro?
e se um grão de terra do chão
se começar a mexer?
um som a crescer?
de repente
voltaram os tímpanos
seria para durar?
dormir
dor-mir é que era bom
IIIIII
sempre que aquele cão se aproxima
o outro rosna.
é preciso que se afaste um cão do outro!
devem chamar-se muitos cães
e aumentar a confusão;
que a matilha seja um labirinto
para o cão que se aproxima
e para o cão que rosna!
é preciso apaziguá-los
domá-los
catequizá-los!
E que ninguém rosne neste país!
IIIIIII
ouve
quero sair daqui
quero ir-me embora, partir, sumir
fugir
deixa-me fugir contigo
e para onde formos que seja longe
longe mas quente
e as minhas têmporas aí amolecerão
contigo e mar a brilhar em frente
ou então por todos os poros
o mar
quinta-feira, 17 de julho de 2008
elefante
sexta-feira, 11 de julho de 2008
mais uma lição de francês
sombra de dúvida
formada pela ausência parcial da luz,
chanson de la pierre
j'aime bien le révolu
j'aime bien si tu es bête
j'aime le pion et le fou
j'aime la tempête
j'aime l'amèr
j'aime la pierre
de la rue
j'aime mal la douceur
j'aime mal l'amour
j'aime mal la peur
et l'épée de la peur
j'aime la tempête
j'aime la trotinette
j'aime la pierre et le chien
de la rue
(a menina pires dá erros em francês)
terça-feira, 8 de julho de 2008
quarta-feira, 2 de julho de 2008
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Último ano do Curso de Teatro do Conservatório Nacional
1º ano do Curso de Teatro do Conservatório Nacional
a) É dizer de forma que todos compreendam o sentido do trecho que se está dizendo.
b) Como se aprende a dizer bem?
b) Pronunciando com todas as clarezas e com as inflexões indispensáveis a cada palavra articular muito bem, fazendo as devidas pausas e fazendo bem a acentuação etc.
c) A Arte de Representar é indispensável na Arte (digo sem efeito)
c) A Arte de Dizer é indispensável na Arte de Representar e porquê?
c) Porque para ser um bom actor é indispensável ter uma boa dicção para assim ser compreendido pelo os espectadores.
d) O que se entende por Arte de Representar?
d) É encarnar o personagem de qualquer peça.
e) A quem pode interesar a não ser aos artistas de teatro o dizer bem?
e) Aos advogados aos conferentes e a todos os que falam em público.
f) Como é que a Arte de Dizer e a Arte de Representar se conciliam e completam reciprocamente?
f) Porque sem uma ser feita a outra não pode ser.
g)Como se deve fazer a análise de um trecho seja êle prosa ou verso?
g) Compenetrarmo-nos das ideias dos outros e do género e sendo poesias da métrica do verso.
h) Dum modo geral para lêr expressivamente um trecho em prosa ou recitar qualquer trecho em verso a que trabalho preliminar se deve proceder para fazer uma leitura expressiva e uma recitação artística?
h) Compreender bem o trecho e dar-lhe o colorido próprio a cada frase.
i) Como efeito teatral o que se dve procurar dentro de qualquer trecho?
i) A palavra de valor.
domingo, 29 de junho de 2008
citação e colagem
quinta-feira, 26 de junho de 2008
O Maio no Junho
rasteira
tira isso da frente
deixa ver
os pontinhos quadradinhos
... está bem
mas deixa ver
o que está escondido
por trás disso
está escondido
o olho que viu o melro
o melro que viu o bico
o bico que tocou orelha
A orelha é feia
tão feia como o dedo grande do pé
orelha baixa
orelha rasteira
vou para casa
- Vou para casa cortar o cabelo
- Vou para casa mentir às janelas
- Vou para casa e antes às compras
quarta-feira, 25 de junho de 2008
terça-feira, 17 de junho de 2008
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Marquês de Sade, A filosofia na alcova
sexta-feira, 30 de maio de 2008
Da capital
terça-feira, 27 de maio de 2008
Teatros e Cinemas
segunda-feira, 26 de maio de 2008
A estrada do Outão continua a avançar para o mar
sábado, 24 de maio de 2008
terça-feira, 20 de maio de 2008
a trama
essa trama ficou com as dores nas voltas e entroncamentos da linha
a trama da vida de hoje, tramada, a trama das estradas, das ruas, dos caminhos de sinais de trânsito, luzes, pontes e loopings, das redes virtuais e das redes de pesca que cada vez mais apanham peixes petroleados
a trama dos sons, das notas que não se escrevem, dos ruídos, das frases e palavras que se misturam umas com as outras e se ligam e desligam enquanto andamos pela cidade
a trama da nossa cabeça
a nossa cabeça urde e desurde pensamentos, tece e destece ideias e ainda as remenda e ainda as rasga, e tem também nós tremendos lá dentro, alguns tão difíceis de desatar...
e ainda quando nos tramam, todos os dias a todos os minutos
quando eles nos tramam
e ainda da possibilidade que temos de tramá-los a eles
a trama cantaremos se a tanto nos ajudar o engenho e arte
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Mary Pires
Doris Lessing, A erva canta
The way the wind blows (no sentido em que sopra o vento)
the way the wind blows.
They are sitting
but they will go.
The wind blows
the way the wind blows.
They're the dull class
the beggars' shadows
and they sit
and they go.
They will go
the way the wind blows.
O vento sopra
no sentido em que sopra o vento.
Eles estão sentados
mas hão-de partir.
O vento sopra
no sentido em que sopra o vento.
São a chata classe
sombras de mendigos
e sentam-se
e vão.
Eles hão-de partir
no sentido em que sopra o vento.
(anónimo século XVII, tradução menina pires)
terça-feira, 13 de maio de 2008
No quintal
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Tão longe, a guerra
infância1985
As grandes cabeças em vôos com dores mandam lavar as patas.
randori dois
ele olha para o lago
e vê um espelho
ele olha para um espelho
e vê que lhe falta um pêlo
ele olha para o pêlo
e vê a perda
ele olha para a perda
e vê a pedra
ele olha para a pedra
e atira ao lago
e parte-se o espelho
e cresce-lhe um pêlo
e olha para a mão
e já não tem a pedra
Grupo de sócios e amigos do Grémio Lisbonense apresenta queixa à IGAI relativamente à carga policial de dia 8 de Fevereiro
Juntamo-nos como um grupo de cidadãos independentes com interesse em que seja apurada a verdade e a responsabilidade sobre os incidentes desse dia. Alguns dos pontos principais da nossa queixa baseiam-se em:
1- uso injustificado da força na recepção aos manifestantes: alguns dos simpatizantes do Grémio foram agredidos com bastonadas ao aproximar-se da entrada da instituição, sem que alguma vez tivesse sido dada ordem de dispersão ou dito que os presentes estariam a incorrer em algum tipo de infracção; nenhum dos amigos e sócios do Grémio Lisbonense se encontrava armado ou constituía ameaça à integridade física dos agentes de autoridade presentes;
2- muitos dos agentes no local não se encontravam identificados e recusaram mesmo identificar-se quando, na sequência das agressões, tal lhes foi solicitado pelos presentes;
3- a actuação da polícia caracterizou-se por um inqualificável abuso da força e autoridade, tendo sido permanentemente preferido o recurso à força física e à violência perante cidadãos que, mesmo após as agressões por parte dos agentes, mantinham uma atitude apaziguadora, apelando sucessivamente à calma;
4- a carga policial foi feita sem pré-aviso, com muitos dos presentes ainda sentados nas escadas. A movimentação dos agentes colocou em causa a integridade física de todos os manifestantes que se encontravam no local. A sua acção foi pautada pela agressão gratuita, visto ter sido em muitos casos dirigida a manifestantes encurralados e aos quais era impedido pela própria polícia abandonar o local.
5- na sequência da acção polícial, vários dos manifestantes ficaram feridos, recorrendo a tratamento hospitalar.
Ao entregarmos formalmente a queixa à Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI), colocámos à disposição desta provas físicas em defesa dos pontos anteriores, bem como vários testemunhos recolhidos nessa noite.
Esperamos que as averiguações ajudem a apurar a verdade sobre os factos, e mesmo a esclarecer algumas das afirmações contraditórias que têm vindo a ser publicitadas. Acreditamos que a acção policial foi desapropriada e perigosa para todos os que se encontravam no local, para além de ter sido pautada por um abuso de força que, infelizmente, tem vindo a ser imagem de marca das nossas forças policiais nos últimos anos, como vários relatórios comprovam.
Ignorar os factos ocorridos no dia 8 de Fevereiro pode apenas contribuir para um agravar da situação, dando aval à arbitrariedade e ao abuso da violência por parte das forças de segurança. A Administração Interna deve assumir as suas responsabilidades, evitando que Portugal continue na lista negra dos direitos humanos em vários relatórios internacionais.
terça-feira, 6 de maio de 2008
sábado, 3 de maio de 2008
Mulheres de Atenas
as músicas por coisas
inventam-se as coisas
as músicas depois passam
a sê-las
ficam saladas
e há a ordem das saladas
mas escrevem-se
listas e títulos
como se pudesse organizar-se
ouvem-se
na festa imaginada
que grita
por não ser marcada
não puxa
todos estes passos
e as músicas depois passam
para outros discos
só na cabeça
já não estávamos em Itália
eram horas de ser horas
de cantar
mas sozinho não se canta
sem guitarra sim
mas sozinho não
e entretanto
havia impaciência miudinha
de gentes carentes de net
de telemóveis
de tabaco
e que iam estragar a voz
assim
entretanto
já não estávamos em Itália
entretanto
tínhamos voltado
e queríamos sorrir para o lado
e acabávamos
a sorrir de lado
memórias do eixo norte/sul 2
na cidade acordava ao fim da manhã, mas no campo acordei muito cedo, saí da cama e sentei-me no meio do bosque.
e pronto. lá me deixei estar um bocadinho e fiquei muito espantada, como já sabia que as pessoas da cidade ficavam quando iam ao campo.
os pássaros faziam uma chinfrineira. cada um era diferente do outro. tudo misturado. diferentes ritmos e timbres. uns mais abaixo e outros mais acima.
e, por entre os quadrados de uma cerca que lá havia, uma aranha trabalhava meticulosamente na sua teia. eu, que era da cidade, consegui ficar minutos sem fim a olhar para ela. a ver cada nova linha, cada vez mais no centro.
quanto tempo vivia uma aranha? pensei que nem as pessoas do campo sabem isso. as aranhas estão sempre lá.
quanto tempo vivem os pássaros que migram? passam mais tempo na terra em que nascem ou naquela para onde vão? passam mais tempo a viajar? chegam a voltar à terra em que nasceram? os ninhos das andorinhas - que vejo na cidade - são ocupados pelas mesmas andorinhas no ano seguinte? ou são outras as andorinhas?
terça-feira, 29 de abril de 2008
A precariedade revela-se!
Ora dá cá um
e depois dá outro
Dá cá três patrões
que só dois é pouco
Ai, eu gosto tanto
de fazer biscates
Pôr o meu corpinho
nos escaparates
Ora dá cá um
e depois dá outro
Passa três recibos
que só dois é pouco
Ai, eu gosto tanto
de trabalhar
e de não ter tempo
para descansar
Ora faz lá um
e depois faz outro
É melhor três estágios
que só dois é pouco
Ai, eu gosto tanto
da minha empresa
Trabalho à borla
com delicadeza
Ora dá cá uma
e depois dá outra
Dá três horas extra
não abras a boca
Ai, eu gosto tanto
de ser explorado
De dar o couro
e ter quarto alugado
segunda-feira, 28 de abril de 2008
segunda-feira, 21 de abril de 2008
a escrita
de uma uinrvesriddae ignlsea,
não ipomtra em qaul odrem as
Lteras de uma plravaa etãso,
a úncia csioa iprotmatne é que
a piremria e útmlia Lteras etejasm
no lgaur crteo. O rseto pdoe ser
uma bçguana ttaol, que vcoê
anida pdoe ler sem pobrlmea.
Itso é poqrue nós não lmeos
cdaa Ltera isladoa, mas a plravaa
cmoo um tdoo.
35T3 P3QU3N0 T3XTO 53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R COMO NO554 C4B3Ç4CONS3GU3 F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35! R3P4R3 N155O! NO COM3ÇO 35T4V4M310 COMPL1C4DO, M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GOQU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO? POD3 F1C4RB3M ORGULHO5O D155O! SU4 C4P4C1D4D3 M3R3C3! P4R4BÉN5!
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Segunda Audiência do Tribunal do Iraque
(Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque)
Lisboa, 18 Abril, 21:30h, na Casa do Alentejo
Entrada livre
Assinalando os cinco anos da invasão do Iraque vai realizar-se uma nova Audiência do Tribunal-Iraque (Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque).
Tal como na 1.ª Audiência realizada em Lisboa em Março 2005, o objectivo é proceder a uma avaliação dos cinco anos de ocupação no duplo aspecto,
(i) das responsabilidades dos autores da agressão (os EUA e o Reino Unido) e
(ii) da cumplicidade das autoridades portuguesas.
Esta avaliação terá a forma de uma Acusação, cuja formulação está a cargo do Dr Eduardo Maia Costa, juiz do Supremo Tribunal de Justiça. De novo, pretende reunir-se o grupo de Jurados que integrou a 1.ª Audiência ao qual será apresentada esta Acusação e uma proposta de resolução. A Acusação, cuja versão definitiva será divulgada na sessão, debruça-se sobre as violações do direito, os crimes cometidos pelos ocupantes, a onda de restrição das garantias individuais que irradia dos EUA a pretexto da luta «antiterrorista», as prisões secretas e os voos da CIA, a resistência iraquiana.
A Audiência, com entrada livre, terá lugar em Lisboa, na Casa do Alentejo, no dia 18 de Abril, entre as 21h30 e as 24h, com a seguinte sequência de trabalhos:
. Apresentação da Acusação pelo Dr Eduardo Maia Costa;
. Testemunho da iraquiana Dra Eman Khamas, refugiada em Espanha, sobre a situação no Iraque;
. Testemunho do Dr Carlos Varea, coordenador do CEOSI – Campanha de Estado contra a Ocupação e pela Soberania do Iraque, Espanha, sobre as necessidades de apoio humanitário e as iniciativas da CEOSI;
. Testemunho do Tribunal-Iraque sobre a cumplicidade das autoridades portuguesas;
. Deliberação dos Jurados.
Contamos com a sua presença e o seu apoio.
A Comissão Organizadora do Tribunal-Iraque
Amílcar Sequeira, António Alves, Berta Macias, Cristina Meneses, Eduardo Maia Costa, Guadalupe Margarido, Helena Nascimento, João Mário Mascarenhas, José Mário Branco, Júlio Moreira, Manuel Monteiro, Manuel Raposo, Mário Tomé, Paulo Esperança.
terça-feira, 15 de abril de 2008
memórias do eixo norte/sul
nasceu ao lado do mar
nasceu criança e neta dalguém
com o rebentar das ondas
a marulhar-lhe nos ouvidos
sempre
o contínuo ruído efeverscente
das águas que repetem
e encharcam rochas e areia
chamuscadas pelo sol
e no inverno e outono e primavera
o mar sempre lá ao lado
sempre nos ouvidos
sem ser preciso búzio
sempre esse murmúrio
e quando essa terra acabou
e a avó veio para a nossa casa
à beira da circunvalação
louca, dizia:
o que vale é que continuo
a ouvir o mar
segunda-feira, 14 de abril de 2008
cinco e dezasseis
Podia ter ido por ali mas foi por aqui.
E então agora também pode ir por ali ou por aqui
Depende.
Depende de quê?
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Sala
um lápis
um grito
fechei a porta
tem de ser duma maneira
diferente
a grade
as estalactites
os miúdos
autoridade
não é força
força não é
colapso
colapso é
violência
o estrado
o teorema
para a rua
um grito
fechei a porta
a grade aberta
- a rua
zig e zig e zag
nas teias de aranha
dançam os esqueletos
cantam os morcegos
abrem os caixões
ninguém os apanha
desprendem-se os dedos
quebram-se as ossadas
dançam os esqueletos
dançam na penumbra
riem-se os escárnios
rolam as cabeças
se não têm sangue
rasgam as cortinas
se não têm par
partem candelabros
há véus há dores
há voos há coisas no ar
há tumbas mortalhas
há pó pás há panos rasgados
há sombras de
sombras de
sombras de sombras
há pedras frias
e quentes infernos
esqueletos antigos
esqueletos modernos
segunda-feira, 24 de março de 2008
standby
polícia, hospitais, tribunais: as séries de TV gostam de humanizar os cárceres
domingo, 23 de março de 2008
quarta-feira, 19 de março de 2008
terça-feira, 18 de março de 2008
Étranges étrangers
hommes des pays loin
cobayes des colonies
Doux petits musiciens
soleils adolescents de la porte d’Italie
Boumians de la porte de Saint-Ouen
Apatrides d’Aubervilliers
brûleurs des grandes ordures de la ville de Paris
ébouillanteurs des bêtes trouvées mortes sur pied
au beau milieu des rues
Tunisiens de Grenelle
embauchés débauchés
manœuvres désœuvrés
Polacks du Marais du Temple des Rosiers
Cordonniers de Cordoue soutiers de Barcelone
pêcheurs des Baléares ou bien du Finisterre
rescapés de Franco
et déportés de France et de Navarre
pour avoir défendu en souvenir de la vôtre
la liberté des autres
Esclaves noirs de Fréjus
tiraillés et parqués
au bord d’une petite mer
où peu vous vous baignez
Esclaves noirs de Fréjus
qui évoquez chaque soir
dans les locaux disciplinaire
savec une vieille boîte à cigares
et quelques bouts de fil de fer
tous les échos de vos villages
tous les oiseaux de vos forêts
et ne venez dans la capitale
que pour fêter au pas cadencé
la prise de la Bastille le quatorze juillet
Enfants du Sénégal
dépatriés expatriés et naturalisés
Enfants indochinois
jongleurs aux innocents couteaux
qui vendiez autrefois aux terrasses des cafés
de jolis dragons d’or faits de papier plié
Enfants trop tôt grandis et si vite en allés
qui dormez aujourd’hui de retour au pays
le visage dans la terre
et des bombes incendiaires labourant vos rizières
On vous a renvoyé
la monnaie de vos papiers dorés
on vous a retourné
vos petits couteaux dans le dos
Étranges étrangers
Vous êtes de la ville
vous êtes de sa vie
même si mal en vivez
même si vous en mourez.
Jacques PRÉVERT
Grand bal du printemps
(La Guilde du Livre,1951 ; Éditions Gallimard,1976 )
segunda-feira, 17 de março de 2008
sábado, 15 de março de 2008
Mais uma associação desterrada, agora para a Igreja
Lisboa, 13 de Março de 2008
Exmo. Sr. ou Sr.ª:
A Associação Cultural Palco Oriental, entidade artística sem fins lucrativos, foi liquidada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O acórdão do STJ, decidiu atribuir o nosso edifício à Igreja de S. Bartolomeu do Beato.
Assim se faz Justiça!
Desde 16 de Abril de 2001, que o processo movido contra nós se encontrava nos tribunais.
O Tribunal de 1ª Instância deu-nos razão ao nos atribuir o edifício, a Relação sentenciou que a “coisa” não estava ganha, e o Supremo, de forma justiceira acabou com um projecto cultural e artístico que resistia desde há mais de duas décadas.
A Igreja recebe de bandeja um edifício onde nunca esteve nem aplicou um cêntimo.
Nós custeamos obras, de largas dezenas de milhares de euros.
O edifício é doado à Igreja em 1999. O seu doador foi a fantasma Associação de Serviço Social, que abandonou as instalações, logo após o 25 de Abril de 1974.
A este fantasma, não se lhe conhece qualquer actividade realizada após a revolução, nem nunca nos contactou a reivindicar a devolução do imóvel.
Assim se faz justiça!
Dezenas de pessoas são assim privadas de dar continuidade aos seus projectos artísticos e à livre expressão das suas vontades e ideais.
Dezenas de pessoas que militantemente se dedicaram e investiram humana e materialmente durante tantos anos neste espaço para dotar culturalmente as populações da Zona Oriental de Lisboa, são assim despejadas.
Desde sempre que este foi um espaço de acolhimento para centenas de artistas, das mais variadas formas de expressão: do teatro, da música, da dança, das artes plásticas, do áudio visual, e da simples partilha de experiências de vida.
Assim está bem a justiça em Portugal!
E tudo está bem, quando acaba…!
Bem hajam os doutos fiéis da balança.
Você que acabou de ler este comunicado se acha que pode ou quer fazer alguma coisa… então comece por reencaminhar esta mensagem.
Os nossos agradecimentos e apareça no Palco Oriental, para bebermos um café e soltarmos a língua.
O Presidente da Associação Cultural Palco Oriental
João Jorge Duarte Loureiro (Meirim)
Palco Oriental
Calçada do Duque de Lafões, 78
1950-102 Lisboa
Tel: + 210 191 957/ 91 944 38 01
palcooriental@clix.pt
http://poriental.planetaclix.pt/cenas.html
domingo, 9 de março de 2008
menina pires lê o jornal no dia 9 de Março
sexta-feira, 7 de março de 2008
menina pires vai ao teatro
Repartição é um texto de Miguel Castro Caldas e uma encenação de Bruno Bravo com os Primeiros Sintomas. Foi apresentada neste início de Março de 2008 na Culturgest
1 - fim da repartição
- fim do “estado social” - o que é isso? Estado - aparelho de repressão de uma classe, etc/ Social - diz-se do Estado que garante algumas regalias, defende “bens comuns”, permite acesso a serviços públicos considerados (socialmemente) como essenciais;
- fim da repartição da riqueza (tributar/descontar para quê se estão a atacar aquilo para que descontamos, os serviços públicos e, enfim, a paz, o pão, habitação, saúde, educação -, para quê se estão a destruir algumas conquistas das lutas?); e os ricos, a burguesia, descontam o quê do que exploram e do que ganham “por fora” (das suas finanças)?
2- uma contradição
- esta peça (contradição?) faz-se na Culturgest - CGD, uma verdadeira repartição de finanças; produção de arte, sensibilidades, cultura ligadas a um banco, símbolo da cultura da acumulação (o contrário da “repartição”);
3 - boas perguntas
- pôr em causa (colectivamente) a “ne-ces-si-da-de” (os sapatos, as peúgas). Necessidade de distribuição - o que e como se distribui; de consumo - do que e como se consome; de produção - do que e como se produz. A questão da necessidade é central;
- a ana é uma mulher (vende o corpo - a força de trabalho; prostituição como paradigma do trabalho) - a condição das mulheres ultrapassa a questão do trabalho;
- as vozes (o coro) já são (início de) resposta - é uma partição (partitura, partition), e obriga a uma produção colectiva de um modo a que o teatro (e a música!) dominante habitualmente foge;
4 - o comunismo acamado
- um velho doente (a montanha, a religião, o peso da história, a resistência à morte mas incapacidade de se mover - ausência de movimento; o espectro do comunismo paira sobre a ana)
- um velho doente perante a ana (as palavras finais “sou eu meu senhor, a ana” e, no texto, o “estar descalça”, não ter portanto os tais sapatos mas - talvez - poder caminhar)
5- a emoção vs a distância
precisamos (na arte) da emoção para pensar e da distância para sentir
Escólio A
A peça é antagonista - também, em parte, em relação ao teatro; a peça acaba onde a luta cá fora, o trabalho árduo da emancipação, começa ou pode começar - nesse sentido a peça, o texto e a encenação e o trabalho dos actores móveis/imóveis tem a modéstia de não querer por si só mudar o mundo mas exigir de nós que o façamos.
Escólio B
Lembra-me uma frase do Che Guevara sobre repartir o pouco (que põe a justiça acima de tudo). Mas a questão ética não implica necessariamente capacidade de resposta política (no sentido de transformar as relações entre os homens, acabar com a exploração, etc). Esta depende de outras coisas. Seremos capazes dessas outras coisas? Seremos capazes de tomar nas nossas mãos as (novas e contraditórias) necessidades, seremos capazes de manejar as ferramentas (antigas e modernas) ao nosso dispor, seremos capazes de, com a ana, transformar a sociedade (as relações sociais, o poder), o mundo (o pensamento, o conhecimento, a sensibilidade, a sexualidade, os sonhos, a produção, todos os mundos que o mundo tem) e a vida (a forma de estar no mundo, o quotidiano, os dias e as noites, o tempo “pequeno”, o tempo da nossa própria vida, o amor)?
O sapato
O sapato serve de exemplo - é necessidade que tem de ser interrogada, pode ser ferramenta e talvez o início de um (longo) caminho. Se (re)partirmos descalços (para a luta) arriscamo-nos a ficar com feridas nos pés. Mas isso depende do caminho.
“pois a areia cresceu e a gente em vão requer curvada
o que de fronte erguida já lhe pertencia”
(Ruy Belo, citado no livrinho onde se pode ler o texto de Repartição)
quinta-feira, 6 de março de 2008
dois amigos
vigias
podia ser fácil escrever
quando os olhos roçam as costas
quando o nariz se incomoda
quando
os ouvidos muito invadidos
não conseguem pensar no desenho
segunda-feira, 3 de março de 2008
domingo, 2 de março de 2008
um de março
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
A silhueta andava a ler João Guimarães Rosa...
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
trovoada
que foi mesmo cá mesmo lá onde eu estava
contava-se desde o clarão um ou dois e bastava
e rimbãobão rimbombão a terra tremia
e a chorar a chorar eu não dormia
a pensar nas árvores que caíam - como o ideiafix
e a filmar grandes mortes tuas e dele e dela
grandes aventuras de sufoco e agarrava-me à almofada
e também tu em sobressalto te assustavas
e coisa curiosa notei a esticar as pernas:
o sono quieto e esfíngico do oboé.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
Pintemos as paredes!
que parece que temos mais oportunidade
para fazer coisas destas:
http://bigblogis.blogspot.com/2006/09/agoramania-iii_26.html
sábado, 9 de fevereiro de 2008
A menina Pires foi ontem ao despejo do Grémio e tem o olho inchado
Muita gente se deslocou ao local ontem para defender o Grémio, a sua dinâmica cultural e do seu valor histórico.
No texto em anexo (e em baixo) conta-se o que lá se passou. A polícia teve uma atitude inqualificável de irresponsabilidade, incompetência e violência. Reprimiu um protesto pacífico à bastonada, batendo e ameaçando inclusivamente vários jornalistas.
E depois: um rapaz detido foi espancado e ameaçado violentamente na esquadra por um dos polícias que estava presente na operação do Grémio.
Vamos continuar a defender o Grémio Lisbonense, instituição de utilidade pública, valor histórico e intervenção social insubstituível, aberta a todos. Vamos continuar a defender a dinâmica cultural da Baixa de Lisboa. Contra a Lisboa desocupada, das casas emparedadas, da especulação imobiliária e dos negócios de luxo.
Acabemos também com a violência policial e a impunidade, na rua e nas esquadras.
Estas histórias têm de ser contadas.
O que aconteceu no Grémio Lisbonense e depois.
O grémio recebeu ontem uma ordem de despejo.
A partir de meio da tarde (cerca das 16h) começaram a juntar-se mais pessoas à porta. Passada uma hora eram cerca de 50 sócios e amigos e alguns jornalistas e fotógrafos (Lusa, jornal Público, Jornal de Notícias, etc). Às 19h eram mais de 100 pessoas de todas as idades.
Dois polícias à porta permanentemente. Os sócios eram impedidos de entrar, tirando alguns membros da direcção e aqueles que tinham de tirar de lá alguns objectos. Uma carrinha de mudanças foi sendo carregada com alguns haveres que não pertencem ao Grémio (instrumentos, coisas do bar, etc). No entanto todo o espólio do Grémio ficou lá. Uma cadeira de barbeiro saíu e houve assobios dos presentes. A cadeira não é propriedade da Associação, mas foi vista por alguns dos presentes como um símbolo deste despejo precipitado. Alguns dos proprietários estiveram no local. Cumpria-se a ordem do tribunal. Fez-se um inventário dos bens.
Cerca das 19h as pessoas que se juntaram para defender o espaço começaram a discutir o que fazer, a questionar a legalidade do despejo e a necessidade de o fazer, uma vez que estava já marcada uma reunião na Câmara Municipal de Lisboa para quarta-feira próxima, com a presença da direcção do Grémio e dos proprietários para negociar uma solução que permitisse a continuidade das actividades culturais da Associação, a preservação do edifício histórico. Houve várias ideias para não permitir o despejo, informar a comunicação social, fazer pressão para que o Grémio não fosse despejado. Fez-se uma assembleia improvisada no átrio da entrada, no rés do chão. Houve esclarecimentos de um membro da direcção que reafirmou a possibilidade de se encontrar uma solução. Um membro do gabinete da câmara do vereador José Sá Fernandes também falou da negociação de quarta-feira, explicando as diligências que podem ser feitas na Câmara.
A advogada do Grémio esteve presente no local, falou muito brevemente da possibilidade de uma negociação e anunciou uma conferência de imprensa pelas 19h30 no seu escritório, longe dali.
Os presentes não saíram do local. Continuaram a discutir. Alguns sócios queriam entrar no Grémio. Discutiu-se a possibilidade de reunir lá dentro e decidir com calma o que fazer. Numa segunda assembleia improvisada, de novo no átrio de entrada, enquanto se preparavam acções de sensibilização e protesto até à quarta-feira seguinte, levantaram-se várias vozes que defenderam que se subisse ao primeiro andar. Muitos subiram. Um polícia pergunta “o que é que fazem aqui?” e começa a empurrar e agredir os primeiros a subir a escada. As pessoas não desmobilizam. Protestam contra a violência despropositada da polícia.
Cinco polícias estão lá em cima. Cassetetes na mão. Os ânimos aquecem. Algumas pessoas apelam à calma. Um membro da direcção apela à calma e volta a reafirmar a possibilidade de se suspender o despejo e arranjar uma solução para o Grémio continuar vivo, que passasse simplesmente por uma actualização da renda. Algumas pessoas pedem identificação da polícia por lhes terem batido.
Grita-se: “ O Grémio é nosso!”, “Lisboa a quem a vive” e palavras contra a repressão policial. Chegam reforços policiais (mais um dez polícias) que tentam abrir caminho à força pelas escadas para chegar ao primeiro andar. Todos as pessoas se sentam no chão, dificultando a passagem da polícia. A polícia não está com meias medidas, começa a bater indiscriminadamente em todos, criando o caos. Várias pessoas magoadas e esmagadas. Fotógrafos e jornalistas agredidos. Ouvem-se gritos. As pessoas protegem-se, defendem-se como podem. A polícia bate com cassetetes, empurra e pontapeia. Varre à pancada a escada. As pessoas saem do edifício para a rua. Há cabeças partidas, e muitos queixam-se de terem sido agredidos. Pelo menos um jornalista e um dos que estavam na escada pacificamente ficam no átrio de entrada (rés-do chão).
Depois de alguns diálogos infrutíferos entre a polícia e as pessoas que ali se encontravam, os polícias fazem um cordão cá em baixo, já na rua e começam a dizer às pessoas para circular. Várias viaturas da polícia estão estacionadas no Rossio, junto ao Grémio. As pessoas protestam contra a violência policial. Concentram-se ainda durante algum tempo à frente do Arco do Bandeira (o arco debaixo do Grémio).
... e depois:
As imagens da TVnet mostram imobilizado no chão um rapaz. Este rapaz, que nunca agrediu nenhum polícia e apelou repetidamente à calma, foi detido e levado para a esquadra.
Na esquadra foi fechado numa sala, foi espancado violentamente (com socos, com uma cadeira, etc), foi ameaçado e torturado durante horas por um dos polícias que estava na operação, um polícia da esquadra da Estefânia de uma posição hierárquica superior. O rapaz violentado pôde telefonar a chamar advogados e amigos que, depois de finalmente sair da esquadra (cerca das 3 da manhã, seis horas depois de ser levado para a ), o levaram ao hospital. Tem várias lesões no corpo e na cabeça.