sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Ó menina


Nem chores mais do que as músicas
Nem pintes mais do que a paleta
Nem jogues mais do que xadrez
Nem brinques menos do que as crianças
quando elas criam o mundo que falta e
até as criancices ficam figuras vivas


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

mas no asfalto deixa o salto alto



Letra: Alexandre O'Neill
Música: Sérgio Godinho
Coro: Madalena Leal, Sheila Charlesworth
Intérprete: Zita Duarte
Esta música aparece no lado B de um single 45 rpm lançado em 1977 e faz parte da banda sonora do filme de Fernando Lopes estreado em 1978, Nós Por Cá Todos Bem

Coro das Criadas de Servir

Ela esfregava a perna com o pé
Descalça, entre cabra e amora
Mentira, mentira
Agora é recoveira de uns senhores
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

Ela guardava domingos e dias santos
Entre pais e irmãos
Mentira, mentira
Agora o seu cinema tem outras cores
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

Ela era virgem e não consentia manejos
Entre medo e desejo
Mentira, mentira
Agora já conhece a técnica do beijo
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

Ela sachava, ela lavrava, ela mondava
Por conta dos honrados dos pais
Mentira, mentira
Agora é serviçal, para todo o serviço
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

Ela foi metida num comboio correio
E veio rapariga para casa de um doutor
Mentira, mentira
Agora corre e espreita, quando ouve um motor
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

Ela dormiu singelo, sob a imagem protectora
De Maria Goretti, a santinha
Mentira, mentira
Agora, é da Parede, um rapagão a serve
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

Ela bem podia ter sido se quisesse, puta
E até puta de classe
Mentira, mentira
Mas na luta de classes, deu-lhe para ser criada
Verdade, verdade...

Vai à praça, vai à praça, vai à praça
Mas no asfalto deixa o salto alto...

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A praxe e os isto dantes

 
Alberto Pimenta. Obra realizada em 1980 em Coimbra a propósito da reintrodução da praxe académica. “A.O.S (António Oliveira Salazar) aos estudantes de Coimbra…”, o autor assinala o facto de os estudantes, através dos rituais da praxe, manterem o estado de “isto dantes”. Poema Colagem, 43x30 cm, 28-5-1980

Para ver na Casa da Liberdade até 1 de Março.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

távamos trabalhando
e nã houve uma que gstasse de trabalhá com ela.
e agora tás sossegada e calada
menina
fêcha mas é essa matraca

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O autor aos seus versos

O autor aos seus versos

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

                                Bocage

os versos ao seu autor (resposta a um soneto do Bocage)

não dá para rir da escrava, não senhor
porque a escrita na ferrugem escreveu livre
mas já antes a canção ali cantava
apertando os dentes às correntes

agora ela mente a preços baixos, lógica de nadinha
lábios falsos e arrebiques de resulta
violada no que era pensamento
esmagada na dureza suas rugas repuxadas
nem ingénua nos cartazes sobrevive
a não ser rara e grandemente pequenina

só quem a fosse buscar à aventura
a rasgar os pactos tolos da palavra
poderia ainda às duas fazer vida 

tu desdobra o que as põe dentro o que as põe fora
na construção do que pode derrubar

quer dizer: a linha inteira como um canto
que se vai buscar ao amor ferido
mesmo que não seja assim ter lá coragem
e pintar tudo por fora dos buracos
muitos erros nos contornos da figura
vencendo o espaço demasiado estreito
o traço grosso apagando os muros desenhados no chão
e se isso acontecer muito mais tarde
o caminho arde e sabe que se continua
senão, não arde

ainda por levantar

o escroque extorque
a mão na fruta em sombra às quatro da manhã pintada num quadro imaginário de mário ou dum amigo

aqui cheguei mais à aveia

mas só pra sentir a falta do que devia ter e não tenho
e pra ver que não sei
como se faz para ter o que já se sabe que se devia mas não se consegue
e semicerrar os olhos e ver a extensão infinita do caminho por percorrer
e o caminho cheio de sol, muito amarelo
amarelo de pincelada de puzzle
semicerrar os olhos
e soprar de cansaço