terça-feira, 22 de março de 2011

poema para o desenho quinze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

Para o que a polícia serve
é para tirar a cor da pele à nossa cara
para nos fazer circular no rosto
em confusão e suor
verde roxo e azul
com perguntas pequenas
pedidos de contas
os seus documentos por favor
o que é que está a fazer aqui a esta hora
não sabe que é proibido dizer
palavrões na frente de mulheres e crianças
nomes de organizações clandestinas
mal do nosso ditador
certas palavras estrangeiras
que língua é essa
onde aprendeu essa língua
tem algum familiar nesse país
já saiu do país
como conseguiu
tem o passaporte em ordem
levou a sua mulher
levou a sua mulher ou a sua amante
entrou no moulin rouge
o que estava a fazer nesta esquina
sabe a multa que dá urinar na via pública
sabe que dá prisão
não sabe que não se pode sacudir a toalha à janela
antes das nove da noite
não sabe respeitar a ordem
a autoridade
os dez mandamentos
os valores
não tem vergonha
não tem vergonha do que estava a fazer
não tem vergonha de ser assim
não tem vergonha de existir
o seu cartão
o seu selo
o seu bilhete
a sua licença
o seu registo
o seu imposto
o seu chip
a sua conta no banco
a sua segurança social
as análises das suas fezes
as suas fezes cheiram bem
cheiram mal
são castanhas
pois agora passaram a ser verdes, roxas e azuis
veja logo à noite se não é verdade
circule

poema para o desenho catorze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD

vai um homem com uma faca na mão
prestes a zucla trucla na barriga do Gregório
o homem tem um lenço à volta da fuça
ao outro salta o chapéu de coco
as janelas da porta cinquenta e dois
abrem-se de par em par e
os vizinhos gritam como se houvesse incêndio
a agitar os braços no ar
o homem com a faca na mão prestes
a zucla trucla na barriga do Gregório
grita a casa a prestações
grita o anúncio da Coke
grita a Vera Sergine e O az no Teatro S. Luiz
grita o candeeiro de rua que se acende de verde e vermelho
gritamos nós deste lado testemunhas de tudo
gritam as pedras grandes da rua
que se sentem nas solas dos pés através das botas mais rijas
as botas mais rijas
são as da Grande Polícia
que não dá por nada e segue em sentido contrário
prestes a sair de cena
a Grande Polícia que nunca salvará o Gregório de ser apunhalado
cega
pateta
de rabo empinado na sua farda de ofício de nada
como sempre serôdia

segunda-feira, 7 de março de 2011

colombina, arlequim e pierrot



Mascarim entre as musas

Se queres passar por mim e ficar vendo
os abraços possíveis que há em nós
Se queres a voz também sem ficar sendo
como quem passou por mim sem me ter visto

Vou ao baile baile
não sei o que visto
dá-me o braço braço
com todo o calor

Se alguma coisa falta em tua mão
que te faça as passadas sem temor
e o coração se faz sofreguidão
daquilo de que julgas que desisto

Vem à roda roda
sapato amarelo
levo a voz sardenta
de polichinelo

Se passas e não vês o íntimo clamor
ou não vês mais que gritos sem sentido
nas tantas faces do poeta na tormenta

Mascarim desmaia
tapo a boca Oh
Levas um vestido
sem corpo nem saia

Vai lá ao fundo e verás lá bem no fundo
e bem escondido onde a vida se acalenta
o sentido da hora e o amor do mundo

Papagaio pintado
diz-me lá quem sou
tenho entrada franca
vou de pierrot

Mário Dionísio