lado direito da frente da folha
Ainda não aceito
sigo amarela a rir
ainda não aceito
Se paro começo a sentir
o vinho acre
num ponto central interior e distópico
como o infinito
que há cá dentro a flutuar
Já tenho saudades
e ainda não sei
como será passarem anos
sem conversar contigo
lado esquerdo da frente da folha
Uma morte em aflição
o desassossego que deixa
eu
viva e irresponsável
culpada em sensação
espezinha-se tudo
até que desapareça
sob a calçada e sob a praia
continua-se o caminho autómato
até ao muro
lado esquerdo do verso da folha
uma margarida, um maçarico
uma mãe e um marques
sentaram-se comigo à mesa
um murmurou, um motivou
um magoou, um moderou
como se eu merecesse
música, medrar
merda e mesura
foi quando eu arranjei coragem
para lhes dizer
não me apetece mais
silêncio
(e muda magia
mártir marca)
sábado, 7 de junho de 2025
árvore
quinta-feira, 2 de novembro de 2023
sexta-feira, 26 de maio de 2023
quinta-feira, 30 de março de 2023
Manuela Porto: o teatro devia ser outra coisa
Nasceu em 1908. Achava que o
teatro devia ser outra coisa: “capaz de falar à inteligência e à
sensibilidade, capaz de ajudar-nos a compreender a meada enredada que é a
vida, capaz de colocar-nos em frente dos múltiplos problemas coletivos e
individuais das humanas criaturas, obrigando-nos a pensar neles e a por
nós próprios lhes buscarmos soluções.” Suicidou-se em 1950. Ficou
conhecida por ser declamadora. Ficou conhecida? Não. De facto, já
ninguém a conhece. Mas ainda dá o nome a algumas ruas. E ao foyer deste
teatro, porque foi assim que o Teatro da Cornucópia lhe resolveu chamar.
Mas afinal quem foi esta atriz, escritora, jornalista e ativista
feminista e antifascista? E como foi sendo habitada a Sala Manuela
Porto?
Neste episódio do Dito e Feito, a investigadora em estudos de teatro
Diana Dionísio constrói um retrato que também desenreda várias camadas
da vida cultural de uma cidade.
guião e montagem
Diana Dionísio
locução
Diana Dionísio e Toni
edição sonora do Dito e Feito
Pedro Macedo / Framed Films
música original do Dito e Feito
Raw Forest
produção
Teatro do Bairro Alto
2023
das cores subjectivas
Uma laranja azul
Uma castanha verde
Uma rosa amarela
Uma negra roxa
Uma branca prateada
Uma prata branqueada
quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
versão
Ah, insanidade, vem com a idade
cabecinha sem tempero
faz chorar de riso com pouco siso
um riso tão desespero
Ah, porque você é louco assim?
assim, tão desandado
ah, cabeça minha, quem é do contra
não conhece sanidade
Vai, meu coração, esquece a razão
usa só loucuridade
quem semeia vento, diz a paixão
colhe belas tempestades
Pão, meu coração
larga miolo, miolo esfarelado
Vai, porque quem guarda o miolo
nunca é desmiolado
quarta-feira, 7 de dezembro de 2022
Ruge
Trovoada.
As pessoas fazem perguntas estranhas: tens mais medo do trovão ou do relâmpago?
E agora reparo
O relâmpago faz-me fechar os olhos, baixar a cabeça, querer enterrar-me, começo a ter dificuldade de respirar, começo a arfar.
No trovão fecho mais os olhos, recolho os ombros, junto o queixo ao peito, tremo, peço desculpa por todos os males que fiz. Os trovões demoram.
Na absoluta fragilidade.
Uma trovoada mesmo em cima e eu fechada dentro de dois metros quadrados com um inimigo.
Os pneus são de borracha - dizem-me as pessoas que me fazem perguntas estranhas.
O que é que isso interessa?
terça-feira, 22 de novembro de 2022
as pedras fora dos bolsos
que me deixassem prolongá-lo
que as paredes do corpo agarrassem aquela sensação cá dentro
os caminhos: a arte com palavras e cores
as dores: a corrida cinzenta
sem conversa, dança ou amores
ideias: soltas loucas mas
irmãs da persistência
(isto ontem)
terça-feira, 15 de novembro de 2022
quarta-feira, 9 de novembro de 2022
chove agulhas
o mais bonito de tudo são os teus olhos, gato
a preverem a parede a cair
que o vizinho mina
salpicam-te as costas as cãs
lembra-me a rima as rãs
escoo tudo por um gargalo
a receita pede minutos
as dores reais mais páginas
mas que mais dos ais?
imagens?
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
papel impermeável não dá pra escrever
faltava o açucarado húmido
das flores laranja dos jardins dos açores
ou algum pedaço de moléculas de ar da serra da estrela
) o som da televisão entupia tudo, enchia, ocupava à força,
opiava (
faltava uma residência literária termal de quinze dias
sábado, 29 de outubro de 2022
dez minutos de teclas depois do ocaso
antes de ligar a rádio
terei voltado? assim mesmo sem volts?
depois de ligar a rádio
pensar depois depois não agora
sempre pra depois tudo pensar depois e depois
nunca
e a propósito daquilo:
eu não sou eu nem sou o outro
nada é, tudo se transforma a todo o momento
blá blá blá
e às vezes transformamo-nos pouco
demenos
se há demais porque não há demenos?
quinta-feira, 20 de outubro de 2022
15 de outubro
as estrelas todas que aprendi contigo
desaprendi-as
eu mitómana mitocôndria
os insectos fora dos alfinetes
um lenço roxo o SG lights as pedras
planetas de pirite falsos cubos nebulosas
ainda há cá clorofila
e faltam estrelas d’acampar
quarta-feira, 3 de novembro de 2021
quinta-feira, 2 de setembro de 2021
desaparicida
matraca que não respira nem deixa respirar
insuportável
ser de costas doridas, ancas gordurosas, coração em ácido
olhos a esforçar a superfície
não ter um meu planeta aqui, bolinha de bruxa
pra montar e fugir de tudo para sempre finalmente
matar a cabeça
matá-la
sair com alívio de dentro de mim
isto não ter fim
ser só sempre pesadelo de pedra de sísifo
domingo, 29 de agosto de 2021
mais ou menos
desde que nascemos que imitamos
imitamos os outros e depois começamos
a imitar-nos a nós próprios
quanto mais andamos mais andamos
quanto menos andamos menos andamos
quanto mais fazemos mais fazemos
quanto menos fazemos menos fazemos
quanto mais comemos mais comemos
quanto menos comemos menos comemos
quanto mais
segunda-feira, 19 de julho de 2021
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Achada na Rádio! - às sextas-feiras
Ouve na RÁDIO PARALELO
ou no dia seguinte, na PÁGINA DA CASA DA ACHADA
DJionísio a sirigaitar pela Gabriela
A Rádio Gabriela está a publicar alguns programas de DJionísio no seu blog!
VER AQUI.
DJionísio faz programas para serem ouvidos. A maior parte são colagens de músicas, textos e outras divagações sobre um mesmo tema ou com pretextos variados. Alguns são para ouvir sentado, deitado ou pendurado pelos pés, outros são para dançar. Aqui se publica, especialmente a pensar nes ouvintes da Rádio Gabriela, uma escolha de alguns desses programas, já todos emitidos ao vivo em sessões diversas e/ou na Rádio Paralelo, e vários deles escutados nas sessões «Ouvido de Tísico» feitas mensalmente na Casa da Achada – Centro Mário Dionísio.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021
domingo, 6 de dezembro de 2020
sábado, 31 de outubro de 2020
segunda-feira, 29 de junho de 2020
terça-feira, 9 de junho de 2020
segunda-feira, 8 de junho de 2020
Correspondência Mário Dionísio - Ilse Losa
Os assuntos são muitos, dignos da curiosidade de qualquer pessoa que goste de ler cartas alheias, ainda por cima tratando-se de duas extraordinárias pessoas, dois pares com vidas cheias e inquieta produção de palavras e pensamento sobre um mundo que queriam ver mudado. Muito sobre literatura, a começar pela própria obra dos dois autores (incluindo as questões de língua que se levantam a uma refugiada judia alemã que quer escrever em português) e a constante colaboração de ambos em jornais e revistas. Foram os 300km que os separavam (um vivia em Lisboa, outro no Porto) que tornaram possível hoje podermos ler estas cartas que, não fosse essa distância geográfica, podiam ter sido conversas de café.
sábado, 2 de maio de 2020
VIVA O PVEC!
para ler melhor, pôr para ler em «écrã inteiro»
Uma edição on-line a várias mãos em tempos de confinamento, com contribuições de Auretta Pini, Bertran Romero Sala, Diana Dionísio, Eupremio Scarpa, Gianfranco Azzali, Gianni Tamino, Giuseppe Morandi, Jacinto Lucas Pires, João Rodrigues, Jorge Silva Melo, José Smith Vargas, Luiz Rosas, Mário de Carvalho, Paolo Barbaro, Pedro Rodrigues, Pitum Keil do Amaral, Regina Guimarães, Saguenail, Serena Cacchioli, Sofia Ferreira Andrade, Sónia Gabriel, Yann Prost e ainda poemas de Ernest Hemingway, Franco Fortini, Joseph Brodski, Mário Dionísio e Pier Paolo Pasolini.
terça-feira, 28 de abril de 2020
25 de Abril: esses dois anos
25 DE ABRIL: ESSES DOIS ANOS
Com muitas canções do GAC – Grupo de Açcão Cultural e textos e documentos da exposição 25 de ABRIL AO AR LIVRE – feita em 2014 pela Casa da Achada, com as colaborações de Catarina Barros, Clara Boléo, Cristina Mora, Diana Dionísio, Eduarda Dionísio, Eupremio Scarpa, F. Pedro Oliveira, Lara Afonso, Natércia Coimbra, Pedro Soares, Sónia Gabriel e Youri Paiva – que parte de frases de Mário Dionísio e de João Martins Pereira e nos dá a ver vários «fins» do 25 de Abril: fim ao pesadelo, ao medo, à solidão, fim ao «orgulhosamente sós», fim ao «Do Minho a Timor», fim ao «Deus, pátria, família», fim ao silêncio, à opressão, à repressão, fim à censura (jornais, rádio, televisão, literatura, teatro, cinema, canção, fim ao dever de obediência (casas, fábricas e campos ocupados, saneamentos), fim aos «servidores do Estado», fim à exploração, fim ao «basta saber ler, escrever e contar», fim à «alta cultura».
Neste programa, feito para o 25 de Abril da Casa da Achada, em época de quarentena, participam, com as suas belas vozes, Ana Queijo, Catarina Carvalho, Clara Boléo, Diana Dionísio, F Pedro Oliveira, Francisca Soares, Inês Nogueira, João Rodrigues, Lena Bragança Gil, Marta Raposo, Pedro Rodrigues, Pedro Mendes Soares, Rubina Oliveira, Serena Cacchioli, Sónia Gabriel, Susana Baeta e Toni.
Nas sessões «Ouvido de Tísico» a proposta é escutar. Fácil? Difícil? Num mundo que nos quer entupir os ouvidos, nós queremos continuar a fazer cócegas ao caracol. Ouvir-se-ão textos de vários autores, saladas musicais, documentos desencantados do Centro de Documentação da Casa da Achada, discos do princípio ao fim, entrevistas, enfim, de tudo um pouco. Pode-se ouvir de pé ou sentado, sentado ou deitado. Pode ouvir-se de olhos fechados ou abertos, abertos ou semicerrados. Pode-se desenhar enquanto se ouve, ou escrever, ou não fazer mais do que… ouvir.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
25 de Abril da Casa da Achada
sexta-feira, 17 de abril de 2020
terça-feira, 14 de abril de 2020
quinta-feira, 26 de março de 2020
Canções por um caminho de palavras
OUVIDO DE TÍSICO Nº 13
CANÇÕES POR UM CAMINHO DE PALAVRAS
As palavras puxam palavras e fazem um caminho de palavras. Cada palavra puxa uma canção e fazem um caminho de canções. Vamos ouvir esse caminho. Podem trazer pedrinhas: de pão, de chocolate, de cenoura, de queijo… a ver se a prima Vera chega e se nos deixa apanhar o sol e a sombra do quintal.
Nas sessões «Ouvido de Tísico» a proposta é escutar. Fácil? Difícil? Num mundo que nos quer entupir os ouvidos, nós queremos continuar a fazer cócegas ao caracol. Ouvir-se-ão textos de vários autores, saladas musicais, documentos desencantados do Centro de Documentação da Casa da Achada, discos do princípio ao fim, entrevistas, enfim, de tudo um pouco. Pode-se ouvir de pé ou sentado, sentado ou deitado. Pode ouvir-se de olhos fechados ou abertos, abertos ou semicerrados. Pode-se desenhar enquanto se ouve, ou escrever, ou não fazer mais do que… ouvir.
No sábado 21 de Março às 15h30, mais uma sessão de escuta da rubrica «Ouvido de Tísico» prometia dar as boas vindas à Primavera com convívio no quintal da Casa da Achada. Dadas as circunstâncias virais, a sessão nº 13 do Ouvido de Tísico – «canções por um caminho de palavras» – foi publicada online, para convivermos perto ao longe.
quinta-feira, 19 de março de 2020
uma canção em tempos de guerra viral
«dança, dança, figura dança,
ao som da finança, dança, dança
que belo canhão,
afinal, afinal a guerra é viral,
menos mal, menos mal,
não faz barulho,
é entulho, é entulho...»
Pedro e Diana gravados e misturados pelo João Ferro Martins
quinta-feira, 12 de março de 2020
a menina já não vai cantar no sábado
canções de zanga e liberdade
pensou a menina,
aliás, a sua silhueta,
porque ninguém a viu de facto no clube de futebol
decidiu então fazer "contactos sociais" apenas na rede
e percebeu que a rede era muito esburacada
encheu-se de alegria e esperança e coisas assim
e escreveu um poema inumano:
«366 ano 20 bissexto
março abril águas mil
hoje sol e um dia lindo
reunião marcada 17 18
search find
infotainement don't wacth
segurança 123 disponível
tradução automática key in fact/ infect
sabotagem
it's stupid my love start
error stop»
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020
mas na verdade quando a luz ali bate
se vê que são sombras de ramos da árvore
que cresceu muito e está bonita
as sombras
juntam-se na silhueta ao corpo
verde regado de luz e água e vida,
ai, que belo natural fabricado...
e pronto, acabou-se a estética,
que pena,
e já não se pode continuar a modernidade
nem a pós-modernidade, menina.
Nem após.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020
sexta-feira, 27 de dezembro de 2019
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
o sete
quero morrer
quero morrer
às sete da manhã
quero morrer
fiquei solta sozinha abandonada perdida
tenham filhos netos bisnetos sejam felizes e deixem-me
terça-feira, 29 de outubro de 2019
Caderno do caderno
do fim pró princípio.
Oh, caderno cronológico
do mundo ao contrário...
O que interessa
a linha do tempo?
Quando já todos aprendemos
que nada é linear
que nada é óbvio e consequente.
Abro-te caderno ao contrário.
Desafias-me.
*
Tanto que escrevo
à noite
quando a vida acontece
só cá dentro
da minha cabeça.
E quadros e cadernos
e poemas e canções
discursos inteiros em reuniões
e nada
no dia seguinte.
No intervalo,
sonhos.
*
Como querem que escreva
num bar onde não se fuma?
*
Faltam aqui dentes
tão importantes
um que bebia CRF
por exemplo
e que já não tinha dentes.
Faltam aqui dentes
para mastigar o mundo
insuportável
barulhento
agoniante.
Faltam aqui dentes
como pedras do asfalto.
*
Agora fazia assim.
Agora publicava tudo.
Porque o vómito precisava.
Agora já não havia bom e mau
mas só avalanche
verborreia
enxurrada.
Agora era mandar tudo
contra a parede
contra todos
até que todos
fugissem de mim.
*
Vou ter um cão
mas não vai ser meu súbdito.
Oh, que incongruência!
Então, pronto,
não vou ter um cão.
Vou ter um gato
autónomo
e independente
a comer da minha gamela...
*
Ao lado
nas escadas
tão típicas
de Lisboa antiga
cantam-se músicas
tão conservadoras e
agoniantes
que tenho de deixar
de estar aqui sentada
não suporto mais
o destino a lágrima
a felicidade plástica
dum povo cego
e o seu amor
pela cultura de massas.
*
Berrei e travei ao mesmo tempo
O passeio tem um tempo mais lento
Às ruas teimamos chamar estradas
Trememos de calçado nas calçadas
Os pés cortados
por esporas e pedais
As mãos torcidas
por tocar botões demais
Decapitados
por drones virtuais
Acidente de bicicleta
Fui chocar com a trotineta
O metro ainda tá caro
Por aí...
ainda há muito carro
este buraco
e planos
e montes e montes
de planos
em nome da busca do lítio
imprescindível
para animar cavaco
o nosso bacalhau seco
morto há anos
mas que ainda mexe à janela
a nossa
rainha de inglaterra
- Gostas mais do papá ou
do Marcelo?
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
fotocopiado à noite
daqueles com palavras difíceis
lobrigando horizontes
Falta aqui também o dicionário
para dizer como foi equivocamente edulcorada
a simplicidade recendida
das vidas
Falta aqui um poema novo
carpicamente escrito
sem tendinites
nem otomastoidites
Fotocopiado à noite - escuta! -
sereno e rebelde
na estuância perante a injustiça
Falta aqui inacabado
mas pode ser desenhado
tal qual a silhueta
com a sua impedância inaugural
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
sós de nós
ao nascermos ninguém nos disse
que os pais não duravam para sempre
que a casa não durava para sempre
que a cidade ia mudar muito
tanto que poderia ser preciso deixá-la
que certas palavras iam desaparecer da língua que se usa
e os amigos da vida
tudo aquilo em que assentávamos
os nossos bastidores
as nossas raízes
os nossos pensamentos
a nossa cabeça e o nosso corpo
viver é a resistência
às facas e facas e facas
construir plaquetas
carcaçar a pele
deixarmos bocados de nós
pelo caminho.
quinta-feira, 31 de maio de 2018
ar livre
cheio de luz, com calor de sol
comove até ao craquelé do seco barro medulóide
trava passos
paraliza pensamentos
dá-se todo
e agride-me
como se dissesse
aqui é que é a vida, o que fazes desse lado?
E a custo
a passos de homem na lua
consigo finalmente alcançar
a salvadora porta do túnel do metro
direcção retour à la normale
luz eléctrica de buraco
o tempo a passar a vida
outra vez a fugir.
levantar e fazer acontecer
mas com sol é que isso é fácil
a rapariga já velha dos caracóis castanhos
arranca uma flor da laranjeira azeda
eu penso pela primeira vez
que dão jeito aos donos dos cafés
os trocos dos arrumadores de carros
(fio de comunidade)
e no metro continua em loop
a voz ensurdecedora que grita avisos da polícia
mas o sol brilha por cima
e alguns levantam-se e fazem acontecer
mostrando que só depois da fotossíntese
é que isto vai lá
e amanhã direi
que dormi bem quentinha
em mais uma noite de angústia do mundo
de gritos, frio, arrepios, miséria, morte,
injustiças de cassandra
puxadas a ferro das entranhas
e respondidas com as entranhas
que besuntam de ferro a vida
- impermeavelmente.
e tudo será mentira
como os passos que oiço cá dentro de casa
e que me dizem
não poderem ser reais.
não poderem ser reais, dizem
vários tempos no mesmo espaço
São as coisas que eu ouço sempre
Das duas uma
ou vive alguém cá comigo
ou tenho ouvido de tísica
e isto é silêncio para os outros
domingo, 11 de março de 2018
insokus
Água a correr e passos dentro da parede
E vendaval de fora
O FRIO
É tão psicológico como todo o resto do mundo
Tem is de pontos duros
Inibir imobilizar cristalizar
O SONO
Lutar até ao fim
Eu sou mais persistente que tu
E nem me roubas o raciocínio
OS OLHOS
À volta infecta
Ficar cego é medo
Fechar é o mais difícil
O MEDO
Domina as cabeças com frio, falta de sono
E olhos incapazes
É tão psicológico como o frio
Só se vai
Se adormecermos
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
toque
para lena de gil
debaixo
do serénico raio
como um bolbo de generosidade
como uma calma que mente
mas é enquanto está
como aquele arrepio de lágrimas frescas
às seis da tarde na praça da figueira
mexeu com uma mexeu com todas
a pincelada burilou
foge
essa luz reciclada
que pinta o céu de escuro pardo
e recorta de esboço
o castelo imaginário
encimando a floresta?
É alívio sereno
que toda a monarquia e os bancos durmam
ou repousa só, trémula de ameaça,
uma ameaça tépida
e amarela?
Essa deusa
luminosa e altiva
mas a única verdadeira
tingida de rios e peixes
está a anos-luz
dos fotões rosa sintéticos
que me ocupam a sala.
E foge pela ombreira.