terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

(prossegue o debate)

civilização é só saber as maneiras...
...ter cultura - mas isso tem-se?
não é ser sábio, é ser livre

o centro do mundo

Esta manhã tão fria
Tem aqueles camiões de fumo
A sair da cidade
E eu respiro nevoeiro

Os escritores antigos sabiam
Alguns sabiam
Que pesa toneladas a leveza

Os matemáticos antigos sabiam
Que a dúzia é múltiplo de dois, três e quatro
E isso continua a saber-se

No autocarro
No metro
No chão
E debaixo

Que não é exacta a área do círculo
Porque dá muitas voltas o mundo o mundo

Sabem que todos os dias
É como ir para a escola
Mas quem aprende o quê?

Aprender tudo, escolhendo
Copérnico primeiro
Pois o mundo o mundo
o mundo não é o centro

Fala da voz da Roby

Porque quando tu te ris, ris-te toda. E acho isso tão belo. Porque eu já não sou assim. Sou cínica, amarga, céptica, ácida, crua, fria, dura, azeda, desalentada, sarcástica e corroo. Destilo ódio ou desilusão.
Nos panelões da tinta vermelho-escura de carne viva me mergulharam. Voltei à superfície da terra ainda pingante e fumegante e com a goela aberta em grito de münch.
Bateram-me as carnes com o martelo de ferro das cozinhas sobre tábua de madeira, outras vezes.
E tu pareces saber de tudo isso que há no mundo e mesmo assim continuas a saber resplandecer. E olhas para as coisas nos olhos das coisas. Eu já não foco.
A tinta de carne viva é agora crosta e a carne viva é agora fóssil. O que ainda vive em mim está muito mais para dentro. E inatingível. Já não posso falar com a minha carne viva. Nem tu.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Feriado

Ela tinha umas botas azuis e enterrou-as na areia, e uns jeans azuis feitos com areia. Tinha uma caneta que escrevia a azul e uma camisola castanha.
Não pensava porque o cansaço do trabalho e dos prazeres não deixavam capacidades para o pensamento. E não sabia o que escrever porque não pensava.
Fumava porque tinha vontade de ocupar a boca. Falar exigia muito esforço do corpo: desde o cérebro encontrar palavras até à ginástica da língua e dos maxilares.
Estava na praia porque precisava do som das ondas e do cheiro. E porque naquele Fevereiro faziam mais de dez graus. A praia era ao pé de Lisboa. Lisboa tinha-se esquecido de que era uma praia, uma praia fluvial. Então tinha de se fugir de Lisboa.
Os cães e as bolas iam circulando à sua volta e ela não queria que se metessem com ela. As bolas porque rolavam muito e eram incontroláveis. Os cães por causa da baba e do ladrar que furava os tímpanos.
Os namorados namoravam de amor verdadeiro e ela não tinha inveja. Parecia-lhe muito bem que isso existisse no mundo. Nem conseguia perceber que não houvesse amor numa praia. Sorria porque as pessoas tinham escolhido a areia em vez das montras do centro comercial.
O vento arrepiava e, embora o sol acariciasse, ela pensava em voltar para a esplanada.
Na esplanada havia sumos e computadores e as pessoas falavam mais baixo do que na areia, quando falavam. A areia era muito mais simpática mas ela não sabia permitir-se um prazer por muito tempo. Arranjava na ideia impaciências de coisas por tratar. Mas não pensava.
Cuscava os namorados que tinham uma relação a três. Ele, ela e a máquina fotográfica. Corriam, saltavam muitas vezes um para cima do outro, riam-se e gritavam. Tinham corpos mais ou menos soltos. O mais solto possível dentro dos corpos que já traziam do mundo da cidade.
Não trabalhar era uma liberdade.
Por que não havia toda a gente de trabalhar só três horas por dia? Acabava o desemprego e a seriedade cinzenta. E quem sabe o que nasceria a mais no mundo depois disso... Ninguém se ia arrepender. Só os poderosos e endinheirados de hoje.
Só ia continuar na areia se lhe desse para fazer a roda ou o pino. Mas não ia fazer.
Também não tinha um ele e uma máquina fotográfica para fixar todos os beijos. Nem uma bola ou um cão.
Quando o vento parava, agarrar na areia às mãos cheias era o maior dos prazeres. Depois o vento voltava, não muito convincente, e ela pensava voltar para a esplanada.
As horas do dia iam correr assim. Iam fugir assim. À noite as paredes e as caras voltavam a ser as mesmas. Talvez ela conseguisse recomeçar a pensar. Desenterrar o azul da areia, durante o beijo mais longo dos três.
Na esplanada as pessoas falavam mais baixo mas estavam mais perto. Também havia hamburgers com queijo e wireless. O vento sentia-se menos do que junto ao mar.
Ela pediu um café e pensou decorar o pires com maionese. Pensava nestas coisas e depois não as fazia.
Já as gaivotas roubavam tangerinas às pessoas e depois roubavam a tangerina umas às outras e toda a gente parava a olhar. E a rir.
Ó senhora gaivota, não me quer vir aqui ao pires, decorá-lo com maionese? Mas com cautela...
De repente as pessoas eram menos e as gaivotas eram mais. Ainda havia avós iguais às netas e muitos sobre rodas. A areia crescia e a luz descia. E ela passado um bocado também se ia embora.
A pensar: aquela família é um prato chinês.

Texto esquecido no café e respigado do lixo duas marginais depois.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

sim, dá


volta-se atrás
e encontram-se papéis no lixo
sujos com manchas

não dá para lavar

anda-se para a frente
e encontram-se sonhos
pintalgados de cores

não dá para apagar

olha-se para o lado
e encontram-se ruas
cheias de mentiras

não dá para varrer

olha-se para o outro lado
e encontram-se casas
com gente adormecida

não dá para acordar

ouve-se para dentro
e encontram-se dores de barriga
com fome de comida

sim dá para jantar

mas dessa sopa não
por favor

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

System


(fotografia de Tina Modotti)

"System", de Robert Louis Stevenson

Every night my prayers I say,
And get my dinner every day;
And every day that I've been good,
I get an orange after food.

The child that is not clean and neat,
With lots of toys and things to eat,
He is a naughty child, I'm sure--
Or else his dear papa is poor.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

oiço bem a conversa


Oiço bem a conversa
Mas estou na outra ponta da sala
Um deles diz que sim que mais também
Sempre foi assim e assim há-de ser
Talvez isso lhe baste
Ela acha que as pessoas querem coisas erradas
Fúteis
E que só mudando a mentalidade
Ai, estas máquinas, tinha de ser a escola...
Outra, ao lado dela, nao acredita que as pessoas mudem
Mas pensa possível haver progressos
Através de leis que proíbam a maldade e defendam
A bondade
Há ainda dois
Um calado parece olhar cínico a televisao
Outra estrebuchando aponta para outros lados mas com fracas armas
Levantando os braços
Para tentar mostar que nao vem tudo de cima
Entornando copos
Nada de grave
Entre risos e rissóis

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Que poeira leve... (ainda uma última solidão)



Solidão
Que poeira leve
Solidão
Olhe a casa é sua
O telefo...
E no meu descompasso
O riso dela
Na vida quem perdeu o telhado
Em troca recebe as estrelas
Pra rimar até se afogar
E de SOluço em SOluço esperar
O SOl que SObe na cama
E acende o lenÇOl
SÓ lhe chamando
SOlicitando
SOlidão
Que poeira leve...
Se ela nascesse rainha
Se o mundo pudesse agüentar
Os pobres ela pisaria
E os ricos iria humilhar
Milhares de guerras faria
Pra se deleitar
Por isto eu prefiro
Chorar sozinho
Solidão
Que poeira leve
Solidão
Olhe a casa é sua
O telefone tocou, foi engano
Solidão
Que poeira leve
Solidão
Olhe a casa é sua
E no meu descompasso
passo
O riso dela

I'm so alone

i'm so alone 1



i'm so alone 2



i'm so alone 3



i'm so alone 4

 
i'm so alone 5



i'm so alone 6



i'm so alone 7

cuidado com os transgénicos