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segunda-feira, 25 de maio de 2009

Artaud sobre loucura

E o que é um “verdadeiro louco”?
É um homem que preferiu ficar louco, no sentido socialmente aceite (que nunca é o sentido real e vivo, instrínseco das coisas), em vez de trair uma determinada ideia superior de honra humana.
Assim, a sociedade manda estrangular nos seus manicómios todos aqueles dos quais quer desembaraçar-se ou defender-se porque se recusam a ser seus cúmplices em certas enormidades.
Pois o louco é o homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis.




Neste caso, a reclusão não é sua única arma e a conspiração social tem outros meios para triunfar sobre as vontades que deseja esmagar.
Há grandes sessões de enfeitiçamento global das quais participa, periodicamente, a consciência em pânico.
Assim por ocasião de uma guerra, de uma revolução, de um transtorno social ainda latente, a consciência colectiva é interrogada e questiona-se para emitir um julgamento. (No circular teatro-fantasma onde a vida é apenas simulada e não vivida, onde o homem se torna mais máquina do que as próprias máquinas criadas por ele próprio).
Essa consciência também pode ser provocada e despertada por certos casos individuais particularmente flagrantes.
Assim foi que houve feitiços colectivos nos casos de Baudelaire, Edgar Poe, Gérard de Nerval, Nietzsche, Kierkgaard, Fraz Kanfka, Gregório Delgado, e também Vang Gogh.
É assim que poucas pessoas lúcidas e de boa vontade que se debatem sobre a terra já se viram tragadas pela profundeza de autênticos pesadelos em vigília e rodeadas por uma poderosa sucção, pela poderosa opressão tentacular (nazi) de um tipo de magia cívica e psíquica, que já se vê a aparecer nos costumes de modo manifesto.
Diante dessa sordidez unânime que de um lado se baseia no sexo e de outra nos ritos psíquicos, não há delírio em passear à noite com um chapéu coroado por doze velas para pintar uma paisagem natural; pois como faria o pobre Van Gogh para iluminar-se, e pintar suas paisagens, em pleno século XIX?

Antonin ARTAUD, Van Gogh, O suicidado da sociedade

terça-feira, 5 de maio de 2009

quarta-feira, 25 de junho de 2008

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Marquês de Sade, A filosofia na alcova


Um juramento deve ter iguais efeitos para todos os indivíduos que o pronunciam; é impossível que ele possa vincular aquele que nenhum interesse tem em vincular-se a ele, porque então deixaria de ser um pacto de um povo livre: passaria a ser a arma do forte contra o fraco, contra o qual este deveria incessantemente revoltar-se; ora é isso que acontece com o juramento do respeito pela propriedade, agora exigido pela nação; é o rico quem vincula o pobre, só o rico tem interesse no juramento que o pobre com tanta inconsideração pronuncia, sem ver que, mediante esse juramento, extorquido à sua boa fé, se compromete a fazer uma coisa que em seu favor ninguém poderia fazer.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Da capital

Lisboa, 15 de Janeiro
A ofensiva contra a subida de preços e falsificação de géneros alimentícios
O Tribunal Colectivo de Géneros Alimentícios julgou e condenou as seguintes firmas:
Gabriel Marques, rua do Sol ao Rato, 213, Lisboa, manteiga falsificada, 2.000 escudos de multa e respectivos adicionais; Luisa Alves Maia, de Vila da Feira, leite falsificado, 200 escudos de multa e adicionais; Manuel Herédia Baqueiro, estrada da Torre, farinha falsificada, 3.000$00; José Joaquim Dias Tavares, calçada do Jôgo da Pela, 14, abóbora e cereja com alumen, 2.500 escudos; Borges Gomes & Santos, L.da, rua da Beneficência, farinha imprópria, 500 escudos; Adelaide da (...) nho com excesso de acidez, 500 escudos; Gomes & Marques L.da, rua da Prata, 163, massa alimentícia imprópria, 200 escudos; Gualdino Pedroso de Lima, de Santo Tirso, azeite falsificado, 2.500 escudos; Manuel Bravo Borges, rua da Rasa, 295, café descafeinizado, 500 escudos; Sociedade Industrial Vitória, do (...) pes da Cruz e Manuel Silva Baptista, Maia, Pôrto, leite falsificado, respectivamente 1.000 e 1.500 escudos; Padaria Regina, do Pôrto, farinha falsificada, 1.00 escudos; Sociedade Avenida Café, rua Jardim do Regedor, conhaque de categoria inferior á do rótulo, 1.00 escudos e três meses de prisão, remíveis a dinheiro; José Luciano Correia Amaral, Coimbra, farinha falsificada, 1.500 escudos; Adelino José do Vale, Setubal, vinho impróprio para consumo, 3.256 escudos; Manuel Joaquim Pereira Braga, farinha falsificada, 500 escudos; Manuel João, do Pôrto, aguardente falsificada, 500 escudos.
O Primeiro de Janeiro, 16/1/1940, p. 4

terça-feira, 27 de maio de 2008

Teatros e Cinemas

- Um «assíduo leitor» do nosso jornal lembra a conveniência de as «matinées» teatrais começarem meia hora mais cedo, a fim de poderem assistir a elas as pessoas que da outra margem do Tejo se deslocam a Lisboa aos domingos, de modo a apanharem ainda o vapor de regresso.
- Conforme noticiámos, o actor Jean Sarment e sua esposa, a actriz Marguerite Valmond, encontram-se há dias no Estoril, onde contam demorar-se até à sua próxima partida para França. Jean Sarment anunciou que vai escrever uma peça, cuja acção se passa em Portugal e que se intitulará «Madame Estoril»

Diário de Lisboa, 29/2/1940, p. 9

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A estrada do Outão continua a avançar para o mar

SETUBAL, 13 (Pelo telefone) - O troço da estrada do Outão, em frente de S. Braz, continua a deslocar-se de forma bastante acentuada. Tudo indica que ela tende a resvalar para a margem do Sado. O abatimento é cada vez maior. As fendas alargam-se em niveis diferentes que se contorcem cada vez mais.
Contam-se por milhares as pessoas que têm visitado o locar para ver o extranho fenomeno.
Diário de Lisboa, 13/2/1940, p. 2

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Mary Pires

Mary, que estava semiadormecida, endireitou-se no acento do carro, olhou para a propriedade e viu as formas vagas de árvores baixas que voavam lá fora como grandes aves suaves; e mais além um céu nebuloso, semeado de estrelas. O cansaço relaxava-lhe os membros, acalmava-lhe os nervos. O estado de tensão em que passara os últimos mess trazia-lhe agora, como reacção, uma aquiescência entorpecida, um torpor que era quase indifirença. Pensou que, para variar, seria agradável viver de modo pacífico; não se tinha apercebido de como estava exausta depois de todos aqueles anos, sempre a postos para a exigência seguinte. Dizia a si própria, decidida a encarar os factos que ia «aproximar-se da natureza». Era uma frase que disfarçava o seu pouco amor às estepes. «Aproximar-se da natureza», o que, afinal, até era confirmado pelo suave sentimentalismo do tipo de livros que lia, era uma abstracção tranquilizadora. Quando trabalhava na cidade, muitas vezes, aos fins-de-semana, tinha ido fazer piqueniques com montes de gente nova, ficando todo o dia sentada à sombra sobre pedras quentes, ouvindo um gira-discos portátil a tocar música de dança americana, e nessas alturas também pensara que era «um aproximar-se da natureza». «Sabe bem sair da cidade, não é?», costumava dizer. Mas como acontece com a amioria das pessoas, as coisas que dizia não tinham a menor relação com as coisas que sentia: ficava sempre profundamente aliviada ao regressar à água fria e quente a sair por torneiras, às ruas e ao escritório.

Doris Lessing, A erva canta

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

A silhueta andava a ler João Guimarães Rosa...

"- Que é que é teatro, Mãe?" - Miguilim perguntara. - "Teatro é assim como no circo-de-cavalinhos, quase..." mas Miguilim não sabia o que o circo era.
- Dito, você vai imaginar como é que é o circo?
- É uma moça galopando em pé em riba do cavalo, e homens revestidos, com farinha branca na cara... Tio Terêz disse. É uma casa grande de pano.

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Mas Pai tinha tirado por tino, conversava: - "Seo Deográcias, o senhor que sabe escola, podia querer ensinar o Miguilim e o Dito algum começo, assim vez por vez, domingo ou outro, para eles não seguirem atraso de ignorância?"
Mal de Miguilim, que de todo temor se ameaçava. O arujo daquilo. Então, o que seo Deográcias ensinasse - ele e o Dito iam crescer ficando parecidos com seu Deográcias?

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Ser menino, a gente não valia para querer mandar coisa nenhuma.

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"Sanhaço pia uma flauta... Parece toca aprendendo..." "-Que é que é flauta, Tio Terêz?" Flauta era assovio feito, de instrumento, a melhor remedava o pio assim do sanhaço grande, o ioioioim deles... Tio Terêz ia aprontar para ele uma, com taquara, com canudo de mamão? Mas, depois, de certo esqueceu, nunca que ninguém tinha tempo, quase que nenhum, de trabalhar era que todos careciam.