quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Ninguém mas muita gente
Para trás e para a frente
Pôr o arroz a cozinhar
Tiras pratos e panelas
Agarras a cafeteira com uma mão
Corres a todas as janelas
E segues para outra divisão
Lavas a loiça
Varres em todos os sítios o chão
Pões na máquina os cortinados
Que já muito sujos estão
Escreves uma carta
Colas no envelope o selo
A tua imensa electricidade
Chega até ao cabelo
Não sei de quem estou a falar
Mas deve haver tanta gente assim!
... com esta electricidade
Lavar chão, cozinhar, enfim
Não conheço ninguém assim
Mas muita gente há-de haver
Só vão para o seu jardim
Quando em casa nada houver para fazer
[Este texto foi feito dia 22 de Abril de 1993, quando andava na Escola Marquesa de Alorna, no 5º ano. Sempre que leio este texto apetece-me acrescentar:
Já agora
Que estou a comer pão de ló
Confesso que a pessoa em que estava a pensar
Era sem mais nem menos... a minha avó.]
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
matar uma freira com um soco
Walking Around
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.
Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.
PABLO NERUDA
25
chapelinho de quadrados
de vagar pela rua frenética
com uma fímbria de sol no laço
e uma saudade solta
desce um ar de natal sobre os passeios
sobre as pessoas sobre os carros
e um olhar sem palavras que flutua
põe-se a dizer de manso
antigamente
sinto surpreso que há momentos
em que as próprias rugas sabem bem
a ao nosso lado
numa alegria de cabelos soltos
o passado e o futuro correm de mãos dadas
MÁRIO DIONÍSIO, in O riso dissonante
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
poema para o desenho doze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
e tem barriga de fome conforme a condição dos pais
e vive com tanta avidez e gana e vontade insaciável
que abre a boca de repente e abocanha o mundo todo
- que grande barriga, hein?
a barriga redonda perfeita redonda que faz o rapaz rebolar
as guerras aqui e ali que fazem as dores
no estômago, no peito, no corpo todo que é agora uma bola
e as fábricas e as empresas que exploram o petróleo e os homens
dão vontade de vomitar
aperta o rapaz o mundo dentro de si à sua volta
abraça o rapaz o mundo sem saber se o quer dentro de si
quer dar passos em frente e tomba e rebola
e assim já não pode nunca mais ir à escola
terça-feira, 30 de novembro de 2010
poema para o desenho onze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
o óculo era tão grande que era para aí cinco vezes o tamanho do olho grande
o senhor doutor só tinha uma orelha e só ouvia do lado esquerdo
no lado esquerdo tinha uma orelha e no lado direito usava um óculo
o óculo era tão grande que com ele se podia ver muito bem o mundo todo
o senhor doutor passava a vida a estudar tudo e o mundo todo e nunca chegava a nenhuma conclusão
o rubor do senhor doutor e os lábios e os risinhos não enganavam ninguém porém
todos sabiam que escondia a garrafinha na prateleira de baixo dum armário do escritório
não era preciso ser doutor para saber
mas é figura respeitável um doutor que tudo sabe sem chegar a conclusões
e que munido do gigante óculo passa o dia no escritório bem fechado
para não dar azo a distracções
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
poema para o desenho dez de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
uma mesa posta para uma ceia
uma mesa posta numa cela dum rico
uma mesa posta numa cela dum novo rico
uma mesa posta para uma ceia num domingo
Uma mesa posta com um criado a servi-la
um criado posto para servir a mesa
um criado posto para servir o peixe
um criado posto para servir o chá
a chávena posta para o chá ser servido
A mesa posta com a maçã e o vinho
a toalha de padrão sem paciência
o fantasma do criado servente
o perfil recorrente de um criado
o laço do criado
a camisa branca de gola alta do criado
a toalha no braço do criado
o sorrisinho do criado
Ninguém pra comer o peixe
ninguém pra beber o chá
ninguém pra tragar o vinho
ninguém pra morder a maçã
nenhum novo rico posto à mesa
nenhum rico posto à mesa
nenhuma ceia de domingo a ser comida
O receptor do sorrisinho
invisível
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
um elefante
- elefante número oito mil quinhentos e vinte e três!
(mil elefantes
baloiçando)
ideia que depois
incendeia, porque não a acha inteira
- já sabia...
(mas sabe-se?)
a viva aranha
é que tece o elefante
e se lembra do baloiço
e nos oferece a teia
(o elefante perdeu a memória
mas sabe do presente
e a teia desta vez
não é uma prisão)
Quando? Quando? Quando?
- ainda não.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
declaração
mesmo que as saudades sejam muitas e os poemas sejam curtos
as camionetas parecem insectos
podia ser um poema
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
poema para o desenho nove de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
mochila na espalda com qualquer provisão
um cobertor, um mata-borrão
um mata-formigas, carne p'ra canhão
O Senhor Oldado na sua primeira lição
aprendeu a esticar-se como o cano que traz na mão
aprendeu um pouco da linguagem de cão
e manteve os olhos azuis iguais aos do irmão
O Senhor Oldado olha só numa direcção
é só uma farda sem coração
é só uma peça, um pedaço de pão
e engole à pressa o arroz e o grão
O Senhor Oldado não põe os olhos no chão
só quando fala com o capitão
e quando sobe os degraus da estação
para ir colono-democratizar o Africanistão
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
poema para o desenho oito de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
espera pelo autocarro para Charleston
na berma do passeio
disfarçado de verde e folhos
grandes mangas touca pompons
maquilhagem branca e vermelha e preta
espera que não o reconheçam
e pensa em torrentes na mascarilha negra
de lantejoulas azuis
que lhe vai perguntar
«quem é você?»
e depois hão-de voar
para longe da música
para o jardim escuro e quieto do palacete
e trocar apontamentos
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Os gatos
Os amantes febris e os sábios solitários
Amam de modo igual, na idade da razão,
Os doces e orgulhosos gatos da mansão,
Que como eles têm frio e cismam sedentários.
Amigos da volúpia e devotos da ciência,
Buscam eles o horror da treva e dos mistérios;
Tomara-os Érebo por seus corcéis funéreos,
Se a submissão pudera opor-lhes à insolência.
Sonhando eles assumem a nobre atitude
Da esfinge que no além se funde à infinitude,
Como ao sabor de um sonho que jamais termina;
Os rins em mágicas fagulhas se distendem,
E partículas de ouro, como areia fina,
Suas graves pupilas vagamente acendem.
Charles Baudelaire
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
pincelada isolada e discrepante
só tu alegre e louca
despertaste este poço de sombra
Vómito lento o mundo inteiro surdo estava
imerso em seus grilhões de esgoto e náusea
à procura de tudo
à procura de nada
De que mistério te evolaste?
Como chegaste aqui por onde quando e silenciosa
involuntária te instalaste
triunfante?
Toque de cor grito macio apenas sei
que em ti e só de ti aqui se abriu agora mesmo este postigo de lua
logo janela aberta porta estrada céu imenso
de acalento Um sol real
que não se pode copiar
nem inventar
(nem evitar)
MÁRIO DIONÍSIO
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
poema para o desenho sete de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
e o senhor do nariz comprido
estacaram frente a frente
ela ia dar uma palavra à costureira
ele ia pôr em ordem o escritório
e por isso eu acho que já se conheciam há muito tempo
mas naquele dia ao cruzarem-se
as pupilas dos quatro olhos fixaram-se umas nas outras
e o senhor parecia que tinha
deixado de ser mentiroso
e a senhora parecia que tinha
entrado a bordo de uma nave do tempo
e já não se sabia se estava no passado, no presente
ou no futuro
ficaram assim
como estátuas de jardim
durante um monte de segundos eternos
até que o nariz comprido começou a arder
por causa do cachimbo
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
poema para o desenho seis de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
A cor azul, verde, encarnada
O oleado do chão da casa da minha avó
Rua Feliciano de Sousa, 48
podia ser feito desta malha
A China representada por um chinês e uma toalha
E a toalha com buraco a compasso
é bandeira do Japão
As pernas cruzadas descentradas
meditação
Mundo longínquo
mascarado
posição de circo
do outro lado da terra
nos anos 20
a escala varia
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
poema para o desenho cinco de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
olhos arregalados borlas vermelhas
quanto ganhas tu?
fazendo de bobo
arranhando o violino vermelho boneco
o que ganhas tu?
assustado do riso dos outros
o chapéu de mago que só comunica com deuses da lama
os bastidores cheios de jaulas com animais rotos e parados
sem luz com pó e tu que chegaste montado numa mula
e partirás amanhã descalço
a fatiota de desenhos naifs bem guardada numa mala
e chegas a outra terra noutro cruzamento
já sem Chanfalla e Chirinos
- Música, palhaço!
terça-feira, 31 de agosto de 2010
poema para o desenho quatro de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
que pula aos saltos na mão da marquesa portuguesa
o macaquinho que repete a lição
do sistema nervoso dos macacos domesticados
a caricatura que pôs o macaco homem
e as fitas de cinema carros de linhas
e o meu amor por ti macacos do nariz
sábado, 28 de agosto de 2010
karoshi suicide salaryman
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
poema para o desenho três de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
e o seu ponteiro
ponteaguuuuuuudo
o senhor doutor
tem muito amor
pela sua avóóóóóóó
perdeu a bacia
quando corria
pró electriiiiiiiiiico
só tem perfil
homem senil
não dá um beeeeerro
agulha pica
quem não dita
a tabuaaaaaaada
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Beijo de Rodin
Os dedos entre os cabelos
precipitação estremecedora de desejo
e as pontas deitam gotas de melaço.
Apertam-se as pestanas
respira-se perto o cheiro
e quando parece imparável a marcha
quando já fazemos parte dos grãos de areia
do fundo do mar
e dos magmas ardentes do centro da terra
quando já os deuses e ninfas
pairam à volta dos imans que emanam
cantando que tudo é bom e belo
que nunca existiu o pecado cristão,
um fio de razão
consegue esgueirar-se.
Entreabrem-se as pestanas
e os olhos que se vêem
avisam e querem
puxam e repelem
beijam e fogem.
O fio engrossa, os peitos ganham distância
e esta frase:
Se noutro dia
E acorda-se com o sabor da verdade na boca.
E o corpo cheio de mel.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
poema para o desenho dois de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
tinha um barco no mar
para andar aos anéis
nada de cores garridas
em tábuas de madeira
e remos de pás compridas
só a cor do sangue dos outros
e a cruz das chagas obscuras
mais moderno que mofo
a caravela o mar agitava
direito por linhas tortas
a corda o mastro compassava
queria o mundo para si
queria a terra em guerra
e um pelouro no Mali
poema para o desenho um de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
dá livre entrada ao álbum tapado
dobradiça marionete
o dedo aponta imporante
entre
a cara quadrada
o nariz de vinho
a roupa que farda a portagem
a entrada tem portão
mas o patrão é do povo
é jardim de animais
ou revista de família
o autor das peças fadado para a talha
o porteiro abracadabra
assinala a entrada
agradecia que evitassem de bater com a porta
terça-feira, 17 de agosto de 2010
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Soneto
Mãe Pobre, 1945
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.
Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.
Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.
A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
imagem do filme "Zéro de conduite", de Jean Vigo
terça-feira, 27 de julho de 2010
quarta-feira, 21 de julho de 2010
segunda-feira, 19 de julho de 2010
sexta-feira, 16 de julho de 2010
terça-feira, 13 de julho de 2010
domingo, 11 de julho de 2010
quem pode fazer quem não faz quem faz quem não pode fazer
a coisa livre libertares
não fossem singulares os plurais
Antes
na história, condição aberta,
dominação pesada e leve
emancipação lenta veloz violenta
UMA LUTA POR CONTAR
quem pode fazer quem não faz
quem faz quem não pode fazer
Durante
nos instrumentos lisos que se trabalham ou não
lufa-lufa
e não abastecer nada
HOJE IMPOSSÌVEL
sem na medida do possível
os levar para onde não era possível
desafinar
e fazer a outra aprendizagem ensinar
quem pode fazer quem não faz
quem faz quem não pode fazer
Depois
não desejar obras-primas
mas coisas sem medo que ajudem
A DERRUBAR
pôr à disposição
convidar
meter o nariz no circular
a coisa livre libertares
não fossem singulares os plurais
quem pode fazer quem não faz
quem faz quem não pode fazer
sexta-feira, 2 de julho de 2010
então e não cantam?
Mas as cabeças não existem.
E são comportadas. Bem vestidas. Querem ser peixes dentro de água.
Onde estou?
(Repousar a cabeça antes de o espectáculo começar. Tirar. - pensamento de pai. Tido agora a posteriori.)
No início eram duas pessoas. Depois uma tornou-se artista e a outra obra de arte em potência. Actuante e objecto. Modelo. Modelo de aulas de desenho.
Eu passei 360 horas a ser olhada pelo artista, fiz estas posições todas.
Eu sou muito flexível.
O meu movimento desenha.
Depois o modelo vai olhar para a "sua" obra de arte concluída. Não sabe relacionar-se com ela. Não sabe como há-de. Rejeitá-la ou amá-la? Dar-lhe um pontapé?
Ao fim encaixa.
Mas encaixa tanto tempo que ficamos com falta de ar. Gira-se a cabeça em silêncio, troca-se de pé, sabe-se que se respira. O ar aquece, as cabeças tentam provar que da água ninguém as tira.
Só muito depois vêm: as caras das cabeças, os sons que nascem do silêncio incómodo, forçado e opressor, a luz e a sombra, o sólido que talvez seja uma obra de arte e, finalmente, o auto-riso que nos esclarece: estão a gozar connosco.
A modelo que encaixou tem um sorriso trocista. Sim, quanto tempo aguentam no meio do nada?
Espera. Ela tem uma perna amputada e sorri ao chegar ao pé de um pé-prótese que vai poder usar. É um riso de felicidade de prótese.
Não tenho ar.
A pessoa que já não é pessoa mas artista vai passados 10 anos buscar a sua obra de arte, à qual o modelo tinha ficado colado, e passa-lhe o pano do pó. Só no modelo.
O modelo pode continuar a servir. Como modelo ou como pessoa. A obra de arte não vai servir para mais nada. Vai ficar eternamente no mesmo lugar, na mesma posição, com a mesma luz, de pedra branca.
As cabeças então podem olhá-la de passagem e saber que a pedra branca é eterna.
Não tropecemos em escadotes laranja e fardos de palha no meio do escuro.
Lá fora há pessoas. Falam de mel e anel, ritual e revir. Dança, mármore, entrada. Mas eu só vi à saída.
quarta-feira, 30 de junho de 2010
terça-feira, 29 de junho de 2010
a menina interroga-se
greve
segunda-feira, 28 de junho de 2010
quarta-feira, 23 de junho de 2010
uma orquestra
tu violoncelista
és a esperança deste naipe moribundo
tu professor
professor de contrabaixo
medianamente feliz
medianamente humano
viva o teu banco desconfortável
viva a harpa se não enfeita
viva o fagote sem penteado austríaco
viva a valsa danação
viva a menina de escola de 60 anos
viva a banda que a orquestra não abafa
viva outra vez o corne inglês
e vocês moscas
de museu de estado
desapareçam,
desapareçam,
fora daqui!
segunda-feira, 14 de junho de 2010
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Em 10 de Junho de 1978 foi legalmente assassinado um anti-fascista
Faraway e Jacky
comissário Faraway
almirante Jacky
fizeram viagens sem título
beberam como cavalos
entornaram uma amizade
em miragens de amor
descrentes encontraram-se de novo
numa batalha campal
num bar em Newfight
uma ilha grande e até então
praticamente desconhecida
estavam do mesmo lado
reconheceram-se e riram
e choraram as lágrimas
e as cicatrizes
quinta-feira, 3 de junho de 2010
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Lançamento do disco apupópapa! no Porto (agora com fotos)
A Diana e o Pedro cantaram em seguida «Homofo-BU!» e, acompanhados por Rossana Silva e Smith, «Deixa estar». Acompanhados pelo Maio, acabaram o concerto com a canção «Este mânfio».
Smith cantou à guitarra a canção «O rato que canta», do grupo Focolitus, que integra o disco apupópapa!
Pedro Ribeiro leu um texto seu.
Maio cantou a «Cantiga da minha preguiça» e a Diana e o Pedro entoaram ainda a «Trova do Bento que passa».
Seguiu-se o cinema comunitário, com O sentido da vida, dos Monthy Python.
Venderam-se 30 discos. 10 ficaram na Casa Viva à venda para quem os quiser comprar no Porto.
Entretanto o blogzine da Chili com Carne falou do apupópapa!
Para pedir discos apupópapa! enviar um e-mail para apupopapa@gmail.com.
terça-feira, 11 de maio de 2010
O lançamento do disco apupópapa! em Lisboa (agora com fotos)
Foi no passado sábado 8 de Maio que o disco apupópapa! – feito com o intuito de ser uma pedrada no charco pantanoso do consensual beija-mão ao Papa por ocasião da sua visita a este país à beira mar plantado – foi lançado em Lisboa, no bar Aguarela.
O anúncio do acontecimento foi feito com panfletos passados de mão em mão e deixados em sítios, foi feito por e-mail, circulou no Facebook e no Myspace e foi postado em algumas páginas de notícias e blogs (como por exemplo, Pimenta Negra, O Sono do Monstro, Panteras Rosa, Time Out, Público, Freguesia São Bartolomeu Coimbra). Para além disso, três dos organizadores da coisa deram uma entrevista à Sapo Notícias que saíu ainda no dia anterior à festa-lançamento do disco e que foi comentada não por 2 ou 3 pessoas, nem por 50 ou 100, mas teve nada mais que 270 comentários.
Na quinta-feira 13 de Maio, o disco apupópapa!, que vem acompanhado por um zine cheio de recheio, será lançado no Porto – às 20h30, na Casa Viva (Pç. do Marquês, 167). Será mais um belo serão, com certeza.
O disco apupópapa! reúne colaborações de Serpendes; D. Chica e Heidi M.; dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS; Miguel Castro Caldas; Artigo 19; Inês Nogueira, João Caldas e Zé Ratinho; micro_SAPIENS; Casa Viva; Focolitus; Above the tree; Regina Guimarães e Tiago Afonso; À porta fechada; Nuno Moura; Pedro e Diana. Foi masterizado por J. Klicka.
Para quem falhou o lançamento em Lisboa e não puder ir ao do Porto, pode pedir discos através do e-mail apupopapa@gmail.com. Custam 3€.
terça-feira, 6 de abril de 2010
todos os dias
uma escada para descer
nem sempre serás livre
“inspirada”
a bomba sempre
os rios de trabalho sempre
a vontade no fundo sempre
de tudo arrancar
nem sempre a tua plantação paciente e bela
da destruição futura
derrube urgente
de uma de viver
forma
lenta
nos cantos amarelecida
MAS!
os milhões que escreveste
em rápidos minutos
tu que sabes a exclamação
e evitas com LETRAS
tu que tens
a solução para as TRELAS
não te sucedem
és tu aqui
presente
para a escada descendente - o chão e as
ESTRELAS
todos os dias
até te vir buscar uma mulher
amarguras
quarta-feira, 31 de março de 2010
Volta, rivolta e torna a rivoltar
[Canzone nata dopo il 1880 fra i braccianti addetti ai lavori di bonifica delle paludi costiere della Romagna e della provincia di Ferrara. Quell'opera richiamava nella zona masse enormi di contadini poveri e di braccianti, attratti dalla nuova possibilità di impiego: è proprio dalla concentrazione di province diverse che nasce un canto in italiano, anziché in dialetto. Protagonisti sono gli "scariolanti", cioè i braccianti che trasportavano la terra per mezzo di carriole durante i lavori di bonifica nel territorio del fiume Reno. Gli scariolanti venivano arruolati ad ogni inizio settimana: alla mezzanotte di domenica suonava un corno; esso segnalava che chi voleva avere un lavoro doveva mettersi in cammino verso gli argini, ove avveniva l'arruolamento. I ritardatari venivano mandati indietro.]
A mezzanotte in punto
si sente un gran rumor
sono gli scariolanti lerì lerà
che vengono al lavor.
Volta rivolta e torna a rivoltar
sono gli scariolanti lerì lerà
che vanno a lavorar.
A mezzanotte in punto
si sente una tromba suonar
sono gli scariolanti lerì lerà
che vanno a lavorar.
Volta rivolta e torna a rivoltar [...]
Gli scariolanti belli
son tutti ingannator
vanno a ingannar la bionda lerì lerà
per un bacin d'amor.
Volta rivolta e torna a rivoltar [...]
quarta-feira, 10 de março de 2010
segunda-feira, 8 de março de 2010
Elas
Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia. Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a niná -lo para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençois com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrançam. Elas compram a lousa e o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita entre d.ois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vão à estação chorosas. Elas vêm trazer uin borrego à primeira barraca e ao primeiro neto. Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.
Elas sobem para cima de um caixote, que ainda são pequenas para chegar à bancada de descarnar o peixe. Elas mondam, os dedos tolhidos de frieira e urtiga. Elas fazem descer a lâmina de cortar o coiro. Elas sopram nos dedos a aquecê-los, esfregam os olhos, voltam a pôr as mãos por detrás da lente a acertar os fios da matriz do transistor. Elas espremem as tetas da vaca para o balde apertado entre as pernas. Elas fecham num dia as pregas de papel de mil pacotes de bolacha. Elas acertam em duzentos casacos a postura da manga onde cravar o botão. Elas limpam o suor da testa com a manga e a foice rebrilha ao sol por cima da cabeça e da seara. Elas ouvem a matraca de dez teares enquanto a peça cresce diante, o fio amandado de braço a braço aberto. Elas cortam os dedos nas primeiras vinte cinco latas até calejar bem. Elas fazem a agulha passar para cá e lá em cruz na tela do tapete. Elas vigiam a última fieira de garrafas, caladas, à espera da sirene. Elas carregam o cesto de azeitona à cabeça já sem cantar, até que o sol se ponha.
Elas carregam no botão da caixa e fazem quinhentos trocos miúdos. Elas metem a cavilha, dizem outro número e passam a vigésima chamada. Elas mexem panelões que lhes chegam à cinta. Elas descem doze caixotes de lixo já noite fechada. Elas fazem todas as camas e despejos de uma família alheia. Elas picam bilhetes metidas numa caixa de vidro. Elas batem à máquina palavras que não entendem. Elas arquivam por ordem alfabética duas mil fichas e vinte e cinco ofícios. Elas vão outra vez buscar a gaveta das luvas para o balcão a ver se há aquele verde. Elas aspiram do pó antes das nove doze assoalhadas, e cento e dez degraus de alcatifa. Elas entram na praça manhã cedo, já vindas do lota ajoujadas com o peixe para as bancadas. Elas acertam as bainhas de joelhos, a boca cheia de alfinetes. Elas põem trinta e duas arrastadeiras e tiram sessenta temperaturas. Elas pintam unhas de homem. Elas guardam sanitas e fazem renda em pequenos cubículos sem janela.
Elas olham para o espelho muito tempo. Elas choram. Elas suspiram por um rapaz aloirado, por duas travessas para o cabelo cravejadas de pedrinhas, um anel com pérola. Elam limpam com algodão húmido as dobras da vagina da menina pensando, coitadinha. Elas escondem os panos sujos de sangue carregadas de uma grande tristeza sem razão. Elas sonham três noite a fio com um homem que só viram de relance à porta do café. Elas trazem no saco das compras uma pequena caixa de plástico que serve para pintar a borda dos olhos de azul. Elas inventam histórias de comadres como quem aventura. Elas compram às escondidas cadernos de romances em fotografias. Elas namoram muito. Elas namoram pouco. Elas não dormem a pensar em pequenas cortinas com folhos. Elas arrancam os primeiros cabelos brancos com uma pinça comprada na drogaria. Elas gritam a despropósito e agarram-se aos filhos acabados de sovar. Elas andam na vida sem a mãe saber, por mais três vestidos e um par de botas. Elas pagam a letra da moto ao que lhes bate. Elas não falam dessas coisas. Elas chamam de noite nomes que não vêm. Elas ficam absortas com a mola da roupa entre os dentes a olhar o gato sentado no telhado entre as sardinheiras. Elas queriam outra coisa.
Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Eles foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam.
Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
Dezembro 1975
MARIA VELHO DA COSTA, Cravo, Lisboa, Moraes Editores, 1975.
Imagens: fotografia de Manuela Porto; Oh mulher das mãos gretadas, de Mário Dionísio; Nascita di San Giovanni Battista, de Artemisia Gentileschi; Retrato de Maria Letícia, de Mário Dionísio; A liberdade guiando o povo, de Delacroix.
sábado, 6 de março de 2010
elephas antiquus em porto covo
Descobertas pegadas de elefantes no Alentejo
00h26m
Trilhos pertencem a animais extintos há mais de 30 mil anos.
Pegadas de "Elephas antiquus", um tipo de elefante extinto há mais de 30 mil anos, foram descobertas ao longo da costa alentejana. É o primeiro achado do género em toda a Europa, mas está em risco de desaparecer devido à erosão causada pelo mar.
"O elefante antigo já era conhecido no registo formal, mas sob a forma de ossadas, mas nunca tinham sido encontradas pegadas", explicou Carlos Neto de Carvalho, o paleontólogo que coordenou a equipa científica do Geopark Naturtejo.
De acordo com o responsável, o que entusiasma a comunidade científica é o facto de terem sido encontrados trilhos, uma situação inédita em toda a Europa e que vai permitir saber mais sobre o comportamento e quotidiano destes animais de grande porte, semelhantes ao elefante asiático.
Há cerca de uma década que os investigadores vêm percorrendo os campos dunares fósseis que ainda subsistem, em Portugal continental e na Madeira. Começaram em Cascais e foram descendo a costa, fixando olhares entre a região de S. Torpes (Sines) e Armação de Pêra (Silves).
Numa das lages, entre Porto Covo (Sines) e Vila Nova de Mil Fontes (Odemira), a equipa coordenada pelo paleontólogo encontrou pegadas de três elefantes distintos que andavam em grupo e cujas pegadas percentem a adultos jovens ou a fêmeas, e que chegam a atingir os 50 centímetros.
Feita a descoberta, importa agora preservar o achado, sublinha Carlos Neto de Carvalho, acrescentando que as rochas onde estão inscritas as pegadas estão em situação de risco. "A arriba costeira está muito sujeita às ondas e isso conduzirá ao desaparecimento destas lajes. É um destino que está traçado", afirma.
Na sua opinião, "é fundamental avançar para um processo de replicação destes trilhos de modo a que a informação não se perca", criando depois um museu ou um centro de interpretação.
O especialista defende que este projecto terá que ter o envolvimento das câmaras locais, assegurando que já existem contactos. "Faz todo o sentido que o centro de interpretação fique na região onde estão os trilhos", sublinha, acrescentando que será até benéfico em termos turísticos.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
transbordo
mar do Nilo a transbordar
chaga ferida em sangue
tão cedo não vai sarar
Das escarpas afiadas
saem uivos de agonia
mas os que sofrem mais
são os que têm afonia
Sem saber gritar errar
embrulham o desespero
sabem limpar o cantinho
não usam o verbo quero
Choram mágoas de arrepios
cospem pisam e recalcam
e respiram sós no mundo
sem saber por onde galgam
Fecham pesados os olhos
de cansaço ao fim do dia
almejam esquecer os horrores
dos uivos de agonia