doi-me tudo
não tenho ossos que não doam
sons que não doam palavras que não doam
não tenho pele que não doa de dormência
não tenho sono que durma à noite de dia
doi-me a vida doi-me os pés cheiram a dor
doi-me a cansaço
os pés doem-me a dormecer
lateja-me o estômago o peito
cansam-me os olhos
os sons apitam-me as caras fujo-as
falta-me o ar
cinto a cinza da nuvem carregada
a massa das nuvens maciças
opacas
o ar insuflado opressor máquina de medir a tensão
aparelho de encher colchão
saga sina açaime acena encena para sempre
encena a sempre a perna as costas
não vivo
vivem-me uns parasitas de agarrar peles e energias e gestos
violáceas vivas víboras esventram varrem
com vassouras duras
escovas de ferro
vergo-me de vómito
extinguir-me difícil tanto moroso lânguido cruel
isto não esvazia
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
terça-feira, 23 de agosto de 2011
terça-feira, 16 de agosto de 2011
sem título
Durássemos nós infinitamente
e tudo se transformaria
mas como somos finitos
fica muito do velho
(Bertolt Brecht)
e tudo se transformaria
mas como somos finitos
fica muito do velho
(Bertolt Brecht)
sábado, 13 de agosto de 2011
Usos da CIDADE de Augusto de Campos (1963)
atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimultipliorganiperiodiplastipublirapareciproustisagasimplitenaveloveravivaunivora
cidade
city
cité
cidade
city
cité
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
já houve uns que decidiram fazer juntos a sua luta neste mundo torpe, chamavam-se "companheiros"
1
Quando nasci
- de pouco valeu estarem os campos cheios de flores -
uma garra disforme
deixou-me a sua marca negra até ao sangue.
Sorriu o pai e a mãe
do destino do menino venturoso.
Eu próprio ri de segurança e de vitória.
Mas a cada minuto, a cada passo,
a segurança e a vitória foram sendo mentira.
(Basta eu chegar para que tudo se perturbe.
Aliás nem ninguém nem nada se perturba:
só eu sou sempre afinal o perturbado.)
Mas não desisto.
Insisto.
Procuro chegar, entrar.
Procuro, como um faminto de sacola na mão,
essa alegria de toda aquela gente,
que diz sem sobressaltos: aqui estou.
Mas isso sim. Basta eu chegar:
lá vem o grito fatal de: cão danado!
É escusado teimar.
Todas as portas me estarão fechadas,
deixando escorrer um fio de luz
ou um fio de palavras...
E não desisto.
Insisto.
Mas se a mão negra me marcou para sempre,
a que vem este desejo inferior
de lá chegar?
2
Olha: tu que me és única,
mais valia nunca teres poisado o teu olhar
nas minhas mãos,
nos meus cabelos
e nos meus olhos agora e para sempre cheios de ti.
Ter-te-ia sido preferível afinal.
Assim só eu corria pelas ruas
apedrejado às esquinas
como sucede sempre a um bom cão danado.
Não sofrias,
não choravas,
não te martirizavas tanto em cada hora.
Assim, enrodilhada sem querer no meu fracasso,
perdeste talvez aquilo que não volta a repetir-se.
Mais te valia nunca me encontrares,
a mim, o sempre trôpego em todas as passadas,
coberto de miséria, de grotesco,
ridículo!
3
Eis-nos boiando, aflitos,
só as narinas e os braços fora de água,
prestes a sucumbir.
E a terra tam perto cheia de gente alegre...
Um gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores.
Já nem sabemos se as lágrimas
serão gotas do mar que nos envolve,
se é o mar a água das nossas próprias lágrimas.
E a terra tam perto,
cheia daquela gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores...
E nós para aqui boiando,
escorraçados afinal da própria casa,
como quem não paga a renda.
Ah que é como um país nosso invadido por estrangeiros!
E, narinas abertas numa ânsia de vida,
miseráveis, covardes,
sem a coragem de nos deixarmos sucumbir,
cair prò fundo, acabar!
4
Deixa lá, companheira!
Que havemos de fazer?
Fecharam-nos a porta e quase nos cuspiram.
Pisaram-te e, a mim, vergastaram-me as mãos.
Deixa lá! Deixa lá! Eu beijarei teus pés
e tu farás sarar as minhas mãos.
Para lá da última casa ainda há terra
e céu e água e luz...
Ainda há vida para lá.
Deixemos para eles o som vazio das gargalhadas
e a luxúria do oiro.
Ainda há vida para lá.
O nosso horizonte é mais vasto em cada instante.
A nossa voz mais rica em cada instante.
O nosso querer mais certo em cada instante.
Ainda há vida para lá.
Sigamos nossa rota, companheira.
Enxugarei teu rosto com cuidado.
Tu farás o meu canto.
E para além das barreiras do tempo
milhões de homens nos esperam com os braços abertos,
que desde a primeira hora serão braços de irmãos.
Mário Dionísio
Quando nasci
- de pouco valeu estarem os campos cheios de flores -
uma garra disforme
deixou-me a sua marca negra até ao sangue.
Sorriu o pai e a mãe
do destino do menino venturoso.
Eu próprio ri de segurança e de vitória.
Mas a cada minuto, a cada passo,
a segurança e a vitória foram sendo mentira.
(Basta eu chegar para que tudo se perturbe.
Aliás nem ninguém nem nada se perturba:
só eu sou sempre afinal o perturbado.)
Mas não desisto.
Insisto.
Procuro chegar, entrar.
Procuro, como um faminto de sacola na mão,
essa alegria de toda aquela gente,
que diz sem sobressaltos: aqui estou.
Mas isso sim. Basta eu chegar:
lá vem o grito fatal de: cão danado!
É escusado teimar.
Todas as portas me estarão fechadas,
deixando escorrer um fio de luz
ou um fio de palavras...
E não desisto.
Insisto.
Mas se a mão negra me marcou para sempre,
a que vem este desejo inferior
de lá chegar?
2
Olha: tu que me és única,
mais valia nunca teres poisado o teu olhar
nas minhas mãos,
nos meus cabelos
e nos meus olhos agora e para sempre cheios de ti.
Ter-te-ia sido preferível afinal.
Assim só eu corria pelas ruas
apedrejado às esquinas
como sucede sempre a um bom cão danado.
Não sofrias,
não choravas,
não te martirizavas tanto em cada hora.
Assim, enrodilhada sem querer no meu fracasso,
perdeste talvez aquilo que não volta a repetir-se.
Mais te valia nunca me encontrares,
a mim, o sempre trôpego em todas as passadas,
coberto de miséria, de grotesco,
ridículo!
3
Eis-nos boiando, aflitos,
só as narinas e os braços fora de água,
prestes a sucumbir.
E a terra tam perto cheia de gente alegre...
Um gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores.
Já nem sabemos se as lágrimas
serão gotas do mar que nos envolve,
se é o mar a água das nossas próprias lágrimas.
E a terra tam perto,
cheia daquela gente endinheirada e bruta,
pisando todas as flores...
E nós para aqui boiando,
escorraçados afinal da própria casa,
como quem não paga a renda.
Ah que é como um país nosso invadido por estrangeiros!
E, narinas abertas numa ânsia de vida,
miseráveis, covardes,
sem a coragem de nos deixarmos sucumbir,
cair prò fundo, acabar!
4
Deixa lá, companheira!
Que havemos de fazer?
Fecharam-nos a porta e quase nos cuspiram.
Pisaram-te e, a mim, vergastaram-me as mãos.
Deixa lá! Deixa lá! Eu beijarei teus pés
e tu farás sarar as minhas mãos.
Para lá da última casa ainda há terra
e céu e água e luz...
Ainda há vida para lá.
Deixemos para eles o som vazio das gargalhadas
e a luxúria do oiro.
Ainda há vida para lá.
O nosso horizonte é mais vasto em cada instante.
A nossa voz mais rica em cada instante.
O nosso querer mais certo em cada instante.
Ainda há vida para lá.
Sigamos nossa rota, companheira.
Enxugarei teu rosto com cuidado.
Tu farás o meu canto.
E para além das barreiras do tempo
milhões de homens nos esperam com os braços abertos,
que desde a primeira hora serão braços de irmãos.
Mário Dionísio
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Visa pour les beaux jours
Visa pour les beaux jours
Céline Dion
Composição : Paroles: Eddy Marnay. Musique: C. Loigerot, T. Geoffroy "Tellement j'ai d'amour"
Le feux vert avale un feu rouge
Mon moteur est plus fou que moi
Aujourd'hui je prends l'autoroute
Qui me mène à n'importe quoi
Je me sens libre Je me sens libre
Direction: aucune importance
Pile ou face le sud ou le nord
J'ai déjà une roue en France
L'autre roue qui roule dehors
Je me sens libreJe me sens libre
Ouvrez tous les chemins de la terre
Ouvrez tous les verrous des frontières
Moi j'ai mon visa pour les beaux jours
J'ai mon passeport couleur de l'amour
Libre
Libre
J'ai envie de tout ce qui danse
J'ai envie de tout ce qui brille
Si je tombe en panne d'essence
Je vivrai de mon énergie
Je me sens libreJe me sens libre
Venez tous les garçons et les filles
Venez nous chanterons en famille
Moi j'ai mon visa pour les beaux jours
J'ai mon passeport couleur de l'amour
Je me sens libre comme une bulle de champagne
Libre d'escalader les montagnes
Moi j'ai mon visa pour les folies
J'ai mon passeport couleur de la vie
Je me sens libre comme une fusée spatiale
Libre de dévorer des étoiles
Moi j'ai mon visa pour les beaux jours
J'ai mon passeport couleur de l'amour
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
tudo em aberto
Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento
Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?
Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã
Reencontrámos lágrimas e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós
Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: «endereço errado?»
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos
Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?
Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
terça-feira, 9 de agosto de 2011
dos Mler ife Dada, mas podia ser doutros
Na pandra bomba ainda jinga a hidra samba
Conga tom-tom bambu, num mundo pandra
Na sala zomba o quadro do canto
E a pedra bomba rebenta num espanto
Na pandra bomba ainda joga a vida bamba
Pandra de pau, tabu, magia zanga
No quarto grita o rádio do canto
E a pedra bomba rebenta num espanto
Zig zig zebra zeze e pó daqui
Espiral em arco-íris só para mim
Na sombra branca ainda brinca a pandra bomba
Sangra surucucu jingando a ganga
Na rua canta a estátua dum santo
E a pedra bomba rebenta num espanto.
Zig zig zebra zeze e pó daqui
Espiral em arco-íris só para mim
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Chanson du Geôlier, de Jacques Prévert
CHANSON DU GEÔLIER
Où vas-tu beau geôlier
Avec cette clé tachée de sang
Je vais délivrer celle que j'aime
S'il en est encore temps
Et que j'ai enfermée
Tendrement cruellement
Au plus secret de mon désir
Au plus profond de mon tourment
Dans les mensonges de l'avenir
Dans les bêtises des serments
Je veux la délivrer
Je veux qu'elle soit libre
Et même de m'oublier
Et même de s'en aller
Et même de revenir
Et encore de m'aimer
Ou d'en aimer un autre
Si un autre lui plaît
Et si je reste seul
Et elle en allée
Je garderai seulement
Je garderai toujours
Dans mes deux mains en creux
Jusqu'à la fin des jours
La douceur de ses seins modelés par l'amour.
Où vas-tu beau geôlier
Avec cette clé tachée de sang
Je vais délivrer celle que j'aime
S'il en est encore temps
Et que j'ai enfermée
Tendrement cruellement
Au plus secret de mon désir
Au plus profond de mon tourment
Dans les mensonges de l'avenir
Dans les bêtises des serments
Je veux la délivrer
Je veux qu'elle soit libre
Et même de m'oublier
Et même de s'en aller
Et même de revenir
Et encore de m'aimer
Ou d'en aimer un autre
Si un autre lui plaît
Et si je reste seul
Et elle en allée
Je garderai seulement
Je garderai toujours
Dans mes deux mains en creux
Jusqu'à la fin des jours
La douceur de ses seins modelés par l'amour.
terça-feira, 26 de julho de 2011
Julho
As paredes têm olhos
as árvores têm olhos
as pedras da calçada
as luzes
os sons têm olhos
os écrãs têm imans
o peito tem quebras
a garganta tem pedras
os amigos têm bombas
As rugas das paredes têm beijos
as folhas das árvores têm beijos
a cair nas pedras da calçada
os raios das luzes
certos sons têm beijos
As sirenes têm medo
as gargalhadas têm medo
os zumbidos
os joelhos
as malas têm medo
O corpo prende
o ritmo estrangula
a cabeça ameaça
a palavra corta a garganta
o orgulho passa
as árvores têm olhos
as pedras da calçada
as luzes
os sons têm olhos
os écrãs têm imans
o peito tem quebras
a garganta tem pedras
os amigos têm bombas
As rugas das paredes têm beijos
as folhas das árvores têm beijos
a cair nas pedras da calçada
os raios das luzes
certos sons têm beijos
As sirenes têm medo
as gargalhadas têm medo
os zumbidos
os joelhos
as malas têm medo
O corpo prende
o ritmo estrangula
a cabeça ameaça
a palavra corta a garganta
o orgulho passa
quarta-feira, 13 de julho de 2011
poema para o desenho vinte de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
Sabe-se lá o que faz ele
Na guerra
lá na guerra que tanto engrandece
os homens homens
E para além dos postais que manda
ou que não manda
o que faz ele na guerra?
Na guerra espaço
na guerra tempo
na guerra situação
na guerra fábrica
na guerra longe
E ela que fica
com os pratos e os filhos e as tapeçarias
ao piano
a fazer vida
- isso é de somenos importância
Em todo o caso
está no coração
Ao longe
Na guerra
lá na guerra que tanto engrandece
os homens homens
E para além dos postais que manda
ou que não manda
o que faz ele na guerra?
Na guerra espaço
na guerra tempo
na guerra situação
na guerra fábrica
na guerra longe
E ela que fica
com os pratos e os filhos e as tapeçarias
ao piano
a fazer vida
- isso é de somenos importância
Em todo o caso
está no coração
Ao longe
quinta-feira, 7 de julho de 2011
poema para o desenho dezanove de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
Maria Julieta Goulart Parreira Monteiro
toca piano o dia inteiro
doméstica, educada
com mãos de fada
a dar música às paredes da casa.
O vaso de flores periclitante
em cima do móvel imóvel instrumento
olha a mesinha mais abaixo
com tinteiros, bibelots e um retrato.
Maria Julieta Goulart Parreira Monteiro
de costas direitas e o grande nariz
chegaria aos 60 sem saber o que diz
mas com a memória nos dedos
dos saltos pelas teclas
cumprindo os compassos...
Mas a morte prematura espreita
sem dó a esposa de Romeu.
E a nota final fica
aqui no desenho do orfão.
toca piano o dia inteiro
doméstica, educada
com mãos de fada
a dar música às paredes da casa.
O vaso de flores periclitante
em cima do móvel imóvel instrumento
olha a mesinha mais abaixo
com tinteiros, bibelots e um retrato.
Maria Julieta Goulart Parreira Monteiro
de costas direitas e o grande nariz
chegaria aos 60 sem saber o que diz
mas com a memória nos dedos
dos saltos pelas teclas
cumprindo os compassos...
Mas a morte prematura espreita
sem dó a esposa de Romeu.
E a nota final fica
aqui no desenho do orfão.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
La mort d'un rêve

La mort d'un rêve
il était une fois
il était un rêve
il était un rêve parce-que c'était une histoire impossible
le rêve existait dès toujours
car l'impossibilité vient de loin
le rêve est né
il grandissait
toujours en mouvement comme la fumée
le rêve
avec des couleurs
le rêve
avec des formes
le rêve
avec des cris
le rêve coule
le rêve
trop beau
le rêve
trop bien
le rêve
la vie la voix le sourire
trop
trop
impossible
le rêve possible
il se tourne soudain
il ouvre ses yeux
il les ouvre bien
il voit la peur
il a peur
il se recroqueville
il se rétrécit
il devient couleur de boue
son chapeau tombe
sur une flaque
ridicule
il n'inspire plus
il blesse les nus
il nous rend confus
c'est un abus
il était une fois
il était un rêve
il était un rêve parce-que c'était une histoire impossible
le rêve existait dès toujours
car l'impossibilité vient de loin
le rêve est né
il grandissait
toujours en mouvement comme la fumée
le rêve
avec des couleurs
le rêve
avec des formes
le rêve
avec des cris
le rêve coule
le rêve
trop beau
le rêve
trop bien
le rêve
la vie la voix le sourire
trop
trop
impossible
le rêve possible
il se tourne soudain
il ouvre ses yeux
il les ouvre bien
il voit la peur
il a peur
il se recroqueville
il se rétrécit
il devient couleur de boue
son chapeau tombe
sur une flaque
ridicule
il n'inspire plus
il blesse les nus
il nous rend confus
c'est un abus
quinta-feira, 12 de maio de 2011
Futurologia sim!
O futuro deve ser estudado
cuidadosamente
escolhendo
Quem me dera agora
Dizem que não sabem
para não dizer o que sabem
e não deixar escolher
Dizem que não sabem
mas sabem
que têm de esconder
para não dizer o que sabem
e não deixar escolher
Desembrulha o presente
Improvisa
Agindo
Todos os dias Quem me dera hoje
cuidadosamente
escolhendo
Quem me dera agora
Dizem que não sabem
para não dizer o que sabem
e não deixar escolher
Dizem que não sabem
mas sabem
que têm de esconder
para não dizer o que sabem
e não deixar escolher
Desembrulha o presente
Improvisa
Agindo
Todos os dias Quem me dera hoje
sexta-feira, 6 de maio de 2011
presa
presa
à defesa
na mesa
em casa
sem asa
vaza
tesa
na represa
sem pena
sem gota
sem tinta
seca
no beco
a seco
verde seco
com olhos
com molhos
molhos d'olhos
com ferrolhos
como repolho
apodrecido
à defesa
na mesa
em casa
sem asa
vaza
tesa
na represa
sem pena
sem gota
sem tinta
seca
no beco
a seco
verde seco
com olhos
com molhos
molhos d'olhos
com ferrolhos
como repolho
apodrecido
terça-feira, 3 de maio de 2011
segunda-feira, 2 de maio de 2011
poema para o desenho dezoito de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
Para desenhar as pessoas da áfrica
usa-se o lápis preto.
Na áfrica as árvores têm folhas recortadas.
As árvores que eu sei que há em áfrica são as palmeiras.
Os homens pintam-se com o lápis preto e põem-se ao lado
de uma árvore de folhas despenteadas
e então estamos na áfrica.
Os homens da áfrica também têm bengalas
como os senhores de lisboa
ou cajados de caminhada como os escoteiros
mas não são comprados nas lojas
e polidos e envernizados.
São paus das árvores.
Tortos como os ramos crescem nas árvores.
Os homens de áfrica andam de calções.
Porque está calor
ou porque não há pudores
ou porque não sabem o que são calças.
Lá em áfrica estão muitos portugueses
porque aquilo é nosso.
Mas eu nunca lá fui.
Diz que é longe.
E é assim uma espécie de parque com árvores
e homens pretos
que eu acho que andam descalços.
usa-se o lápis preto.
Na áfrica as árvores têm folhas recortadas.
As árvores que eu sei que há em áfrica são as palmeiras.
Os homens pintam-se com o lápis preto e põem-se ao lado
de uma árvore de folhas despenteadas
e então estamos na áfrica.
Os homens da áfrica também têm bengalas
como os senhores de lisboa
ou cajados de caminhada como os escoteiros
mas não são comprados nas lojas
e polidos e envernizados.
São paus das árvores.
Tortos como os ramos crescem nas árvores.
Os homens de áfrica andam de calções.
Porque está calor
ou porque não há pudores
ou porque não sabem o que são calças.
Lá em áfrica estão muitos portugueses
porque aquilo é nosso.
Mas eu nunca lá fui.
Diz que é longe.
E é assim uma espécie de parque com árvores
e homens pretos
que eu acho que andam descalços.
poema para o desenho dezassete de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
o escuteiro escoteiro
de vara na mão para facilitar a caminhada
qual caminhada?
o escoteiro escuteiro
tem farda e é gordinho
e só tem perfil
e é feliz na sua farda
mas o escoteiro escuteiro
não sabe do coração que traz no chapéu
porque não o vê
- vai em cima da cabeça...
a mala a tiracolo
o lenço
os calções
e os objectos humanos para sobreviver na selva
qual selva?
é um modelo de desenho
como o polícia, tem farda
identifica-se
não é só um menino
é um escoteiro ou um escuteiro
de vara na mão para facilitar a caminhada
qual caminhada?
o escoteiro escuteiro
tem farda e é gordinho
e só tem perfil
e é feliz na sua farda
mas o escoteiro escuteiro
não sabe do coração que traz no chapéu
porque não o vê
- vai em cima da cabeça...
a mala a tiracolo
o lenço
os calções
e os objectos humanos para sobreviver na selva
qual selva?
é um modelo de desenho
como o polícia, tem farda
identifica-se
não é só um menino
é um escoteiro ou um escuteiro
sábado, 30 de abril de 2011
sábado, 23 de abril de 2011
sexta-feira, 8 de abril de 2011
terça-feira, 5 de abril de 2011
poema para o desenho dezasseis de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
os charlots e os tatis e os patetas sempre a contar com o gato e o rato sempre a contar com o fogo no rabo e cordéis e cordas que puxam objectos consigo que se emaranham em postes e fios e com quedas, desequilíbrios, grandes pilhas tortas voos dos chapéus escorradelas em azeite mangas mal vestidas tropeções em sapatos largos jogos olímpicos de improviso filmes mudos de riso
terça-feira, 22 de março de 2011
poema para o desenho quinze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
Para o que a polícia serve
é para tirar a cor da pele à nossa cara
para nos fazer circular no rosto
em confusão e suor
verde roxo e azul
com perguntas pequenas
pedidos de contas
os seus documentos por favor
o que é que está a fazer aqui a esta hora
não sabe que é proibido dizer
palavrões na frente de mulheres e crianças
nomes de organizações clandestinas
mal do nosso ditador
certas palavras estrangeiras
que língua é essa
onde aprendeu essa língua
tem algum familiar nesse país
já saiu do país
como conseguiu
tem o passaporte em ordem
levou a sua mulher
levou a sua mulher ou a sua amante
entrou no moulin rouge
o que estava a fazer nesta esquina
sabe a multa que dá urinar na via pública
sabe que dá prisão
não sabe que não se pode sacudir a toalha à janela
antes das nove da noite
não sabe respeitar a ordem
a autoridade
os dez mandamentos
os valores
não tem vergonha
não tem vergonha do que estava a fazer
não tem vergonha de ser assim
não tem vergonha de existir
o seu cartão
o seu selo
o seu bilhete
a sua licença
o seu registo
o seu imposto
o seu chip
a sua conta no banco
a sua segurança social
as análises das suas fezes
as suas fezes cheiram bem
cheiram mal
são castanhas
pois agora passaram a ser verdes, roxas e azuis
veja logo à noite se não é verdade
circule
é para tirar a cor da pele à nossa cara
para nos fazer circular no rosto
em confusão e suor
verde roxo e azul
com perguntas pequenas
pedidos de contas
os seus documentos por favor
o que é que está a fazer aqui a esta hora
não sabe que é proibido dizer
palavrões na frente de mulheres e crianças
nomes de organizações clandestinas
mal do nosso ditador
certas palavras estrangeiras
que língua é essa
onde aprendeu essa língua
tem algum familiar nesse país
já saiu do país
como conseguiu
tem o passaporte em ordem
levou a sua mulher
levou a sua mulher ou a sua amante
entrou no moulin rouge
o que estava a fazer nesta esquina
sabe a multa que dá urinar na via pública
sabe que dá prisão
não sabe que não se pode sacudir a toalha à janela
antes das nove da noite
não sabe respeitar a ordem
a autoridade
os dez mandamentos
os valores
não tem vergonha
não tem vergonha do que estava a fazer
não tem vergonha de ser assim
não tem vergonha de existir
o seu cartão
o seu selo
o seu bilhete
a sua licença
o seu registo
o seu imposto
o seu chip
a sua conta no banco
a sua segurança social
as análises das suas fezes
as suas fezes cheiram bem
cheiram mal
são castanhas
pois agora passaram a ser verdes, roxas e azuis
veja logo à noite se não é verdade
circule
poema para o desenho catorze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
vai um homem com uma faca na mão
prestes a zucla trucla na barriga do Gregório
o homem tem um lenço à volta da fuça
ao outro salta o chapéu de coco
as janelas da porta cinquenta e dois
abrem-se de par em par e
os vizinhos gritam como se houvesse incêndio
a agitar os braços no ar
o homem com a faca na mão prestes
a zucla trucla na barriga do Gregório
grita a casa a prestações
grita o anúncio da Coke
grita a Vera Sergine e O az no Teatro S. Luiz
grita o candeeiro de rua que se acende de verde e vermelho
gritamos nós deste lado testemunhas de tudo
gritam as pedras grandes da rua
que se sentem nas solas dos pés através das botas mais rijas
as botas mais rijas
são as da Grande Polícia
que não dá por nada e segue em sentido contrário
prestes a sair de cena
a Grande Polícia que nunca salvará o Gregório de ser apunhalado
cega
pateta
de rabo empinado na sua farda de ofício de nada
como sempre serôdia
prestes a zucla trucla na barriga do Gregório
o homem tem um lenço à volta da fuça
ao outro salta o chapéu de coco
as janelas da porta cinquenta e dois
abrem-se de par em par e
os vizinhos gritam como se houvesse incêndio
a agitar os braços no ar
o homem com a faca na mão prestes
a zucla trucla na barriga do Gregório
grita a casa a prestações
grita o anúncio da Coke
grita a Vera Sergine e O az no Teatro S. Luiz
grita o candeeiro de rua que se acende de verde e vermelho
gritamos nós deste lado testemunhas de tudo
gritam as pedras grandes da rua
que se sentem nas solas dos pés através das botas mais rijas
as botas mais rijas
são as da Grande Polícia
que não dá por nada e segue em sentido contrário
prestes a sair de cena
a Grande Polícia que nunca salvará o Gregório de ser apunhalado
cega
pateta
de rabo empinado na sua farda de ofício de nada
como sempre serôdia
segunda-feira, 7 de março de 2011
colombina, arlequim e pierrot
Mascarim entre as musas
Se queres passar por mim e ficar vendo
os abraços possíveis que há em nós
Se queres a voz também sem ficar sendo
como quem passou por mim sem me ter visto
Vou ao baile baile
não sei o que visto
dá-me o braço braço
com todo o calor
Se alguma coisa falta em tua mão
que te faça as passadas sem temor
e o coração se faz sofreguidão
daquilo de que julgas que desisto
Vem à roda roda
sapato amarelo
levo a voz sardenta
de polichinelo
Se passas e não vês o íntimo clamor
ou não vês mais que gritos sem sentido
nas tantas faces do poeta na tormenta
Mascarim desmaia
tapo a boca Oh
Levas um vestido
sem corpo nem saia
Vai lá ao fundo e verás lá bem no fundo
e bem escondido onde a vida se acalenta
o sentido da hora e o amor do mundo
Papagaio pintado
diz-me lá quem sou
tenho entrada franca
vou de pierrot
Mário Dionísio
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
mercúrio
sábado, 19 de fevereiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Sonhei que era assassina
Sonhei que era assassina.
De faca.
Já com duas vítimas e arrependimento
nem vê-lo.
Tremia só do pavor de ter deixado rasto.
Aconselhava os cúmplices a viajar para o país do lado
ou para o país ao lado do país do lado.
Vivia ainda as imagens
das facas na nuca e o cabelo de nylon de barbie
e a raiva e a certeza
de não querer a Norah viva nem o outro.
De faca.
Já com duas vítimas e arrependimento
nem vê-lo.
Tremia só do pavor de ter deixado rasto.
Aconselhava os cúmplices a viajar para o país do lado
ou para o país ao lado do país do lado.
Vivia ainda as imagens
das facas na nuca e o cabelo de nylon de barbie
e a raiva e a certeza
de não querer a Norah viva nem o outro.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
engagement décennal
je vous aime
librement
en savant que je suis
pris d'amour pour autant
je suis le prisionier
de cette liberté
je suis le poème
d'amour
c'est ça le thème
je vous aime
tous les jours
toutes les décennies
engagé oui
avec du feu de l'impatience
des siècles toutes les décennies
je fais confiance
je garde au coeur
la couleur la révolution des moeurs
relativement absolu
bien entendu
a toi
poème
et a moi
libre amour j'aime
librement
en savant que je suis
pris d'amour pour autant
je suis le prisionier
de cette liberté
je suis le poème
d'amour
c'est ça le thème
je vous aime
tous les jours
toutes les décennies
engagé oui
avec du feu de l'impatience
des siècles toutes les décennies
je fais confiance
je garde au coeur
la couleur la révolution des moeurs
relativement absolu
bien entendu
a toi
poème
et a moi
libre amour j'aime
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
poema para o desenho treze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
a pequena língua da liguareira que ouve à janela e fala à escada
a grande língua afiada da lambareira
que ouve à escada e fala à janela
torce e retorce e trava e destrava o volume da voz
bate nos dentes e desliza pronta para a curva
atrasa e avança faz mil movimentos ao segundo
e ao longo do dia vai roubando o baton aos lábios
até que lhe chegam aos ouvidos certos impropérios
sobre a sua língua e a sua língua
incha, incha, incha de tanto não poder responder
incha, incha, incha de tanto não poder dançar
e já não cabe na boca
e a linguareira morde a língua
a grande língua afiada da lambareira
que ouve à escada e fala à janela
torce e retorce e trava e destrava o volume da voz
bate nos dentes e desliza pronta para a curva
atrasa e avança faz mil movimentos ao segundo
e ao longo do dia vai roubando o baton aos lábios
até que lhe chegam aos ouvidos certos impropérios
sobre a sua língua e a sua língua
incha, incha, incha de tanto não poder responder
incha, incha, incha de tanto não poder dançar
e já não cabe na boca
e a linguareira morde a língua
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
bute
agora tudo
mais pequeno
para nos pôr o chapéu modesto e dizer
para nos pôr o chapéu modesto e dizer
sou eu e
PRECISO DISTO
e se tu precisares também
vamos
vamos
teb celev
tragaram estalaram
bateram cunharam
esculpiram levantaram
ergueram virilidades
hoje arruinadas
e ainda bem
desse lixo faz-se a colagem
reactivando a luta de classes
e nos buracos fazemos casas
bateram cunharam
esculpiram levantaram
ergueram virilidades
hoje arruinadas
e ainda bem
desse lixo faz-se a colagem
reactivando a luta de classes
e nos buracos fazemos casas
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Ninguém mas muita gente
Vais aqui e acolá
Para trás e para a frente
Pôr o arroz a cozinhar
Tiras pratos e panelas
Agarras a cafeteira com uma mão
Corres a todas as janelas
E segues para outra divisão
Lavas a loiça
Varres em todos os sítios o chão
Pões na máquina os cortinados
Que já muito sujos estão
Escreves uma carta
Colas no envelope o selo
A tua imensa electricidade
Chega até ao cabelo
Não sei de quem estou a falar
Mas deve haver tanta gente assim!
... com esta electricidade
Lavar chão, cozinhar, enfim
Não conheço ninguém assim
Mas muita gente há-de haver
Só vão para o seu jardim
Quando em casa nada houver para fazer
[Este texto foi feito dia 22 de Abril de 1993, quando andava na Escola Marquesa de Alorna, no 5º ano. Sempre que leio este texto apetece-me acrescentar:
Já agora
Que estou a comer pão de ló
Confesso que a pessoa em que estava a pensar
Era sem mais nem menos... a minha avó.]
Para trás e para a frente
Pôr o arroz a cozinhar
Tiras pratos e panelas
Agarras a cafeteira com uma mão
Corres a todas as janelas
E segues para outra divisão
Lavas a loiça
Varres em todos os sítios o chão
Pões na máquina os cortinados
Que já muito sujos estão
Escreves uma carta
Colas no envelope o selo
A tua imensa electricidade
Chega até ao cabelo
Não sei de quem estou a falar
Mas deve haver tanta gente assim!
... com esta electricidade
Lavar chão, cozinhar, enfim
Não conheço ninguém assim
Mas muita gente há-de haver
Só vão para o seu jardim
Quando em casa nada houver para fazer
[Este texto foi feito dia 22 de Abril de 1993, quando andava na Escola Marquesa de Alorna, no 5º ano. Sempre que leio este texto apetece-me acrescentar:
Já agora
Que estou a comer pão de ló
Confesso que a pessoa em que estava a pensar
Era sem mais nem menos... a minha avó.]
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
matar uma freira com um soco
-
Walking Around
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.
Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.
PABLO NERUDA
Walking Around
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.
Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas.
PABLO NERUDA
25
à Maria Letícia
chapelinho de quadrados
de vagar pela rua frenética
com uma fímbria de sol no laço
e uma saudade solta
desce um ar de natal sobre os passeios
sobre as pessoas sobre os carros
e um olhar sem palavras que flutua
põe-se a dizer de manso
antigamente
sinto surpreso que há momentos
em que as próprias rugas sabem bem
a ao nosso lado
numa alegria de cabelos soltos
o passado e o futuro correm de mãos dadas
MÁRIO DIONÍSIO, in O riso dissonante
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
poema para o desenho doze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
o rapaz tem risca ao lado conforme o cabelo lhe nasce
e tem barriga de fome conforme a condição dos pais
e vive com tanta avidez e gana e vontade insaciável
que abre a boca de repente e abocanha o mundo todo
- que grande barriga, hein?
a barriga redonda perfeita redonda que faz o rapaz rebolar
as guerras aqui e ali que fazem as dores
no estômago, no peito, no corpo todo que é agora uma bola
e as fábricas e as empresas que exploram o petróleo e os homens
dão vontade de vomitar
aperta o rapaz o mundo dentro de si à sua volta
abraça o rapaz o mundo sem saber se o quer dentro de si
quer dar passos em frente e tomba e rebola
e assim já não pode nunca mais ir à escola
e tem barriga de fome conforme a condição dos pais
e vive com tanta avidez e gana e vontade insaciável
que abre a boca de repente e abocanha o mundo todo
- que grande barriga, hein?
a barriga redonda perfeita redonda que faz o rapaz rebolar
as guerras aqui e ali que fazem as dores
no estômago, no peito, no corpo todo que é agora uma bola
e as fábricas e as empresas que exploram o petróleo e os homens
dão vontade de vomitar
aperta o rapaz o mundo dentro de si à sua volta
abraça o rapaz o mundo sem saber se o quer dentro de si
quer dar passos em frente e tomba e rebola
e assim já não pode nunca mais ir à escola
terça-feira, 30 de novembro de 2010
poema para o desenho onze de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
o senhor doutor tinha um olho pequeno e no olho pequeno usava um óculo
o óculo era tão grande que era para aí cinco vezes o tamanho do olho grande
o senhor doutor só tinha uma orelha e só ouvia do lado esquerdo
no lado esquerdo tinha uma orelha e no lado direito usava um óculo
o óculo era tão grande que com ele se podia ver muito bem o mundo todo
o senhor doutor passava a vida a estudar tudo e o mundo todo e nunca chegava a nenhuma conclusão
o rubor do senhor doutor e os lábios e os risinhos não enganavam ninguém porém
todos sabiam que escondia a garrafinha na prateleira de baixo dum armário do escritório
não era preciso ser doutor para saber
mas é figura respeitável um doutor que tudo sabe sem chegar a conclusões
e que munido do gigante óculo passa o dia no escritório bem fechado
para não dar azo a distracções
o óculo era tão grande que era para aí cinco vezes o tamanho do olho grande
o senhor doutor só tinha uma orelha e só ouvia do lado esquerdo
no lado esquerdo tinha uma orelha e no lado direito usava um óculo
o óculo era tão grande que com ele se podia ver muito bem o mundo todo
o senhor doutor passava a vida a estudar tudo e o mundo todo e nunca chegava a nenhuma conclusão
o rubor do senhor doutor e os lábios e os risinhos não enganavam ninguém porém
todos sabiam que escondia a garrafinha na prateleira de baixo dum armário do escritório
não era preciso ser doutor para saber
mas é figura respeitável um doutor que tudo sabe sem chegar a conclusões
e que munido do gigante óculo passa o dia no escritório bem fechado
para não dar azo a distracções
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
poema para o desenho dez de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
Uma mesa posta para uma cena
uma mesa posta para uma ceia
uma mesa posta numa cela dum rico
uma mesa posta numa cela dum novo rico
uma mesa posta para uma ceia num domingo
Uma mesa posta com um criado a servi-la
um criado posto para servir a mesa
um criado posto para servir o peixe
um criado posto para servir o chá
a chávena posta para o chá ser servido
A mesa posta com a maçã e o vinho
a toalha de padrão sem paciência
o fantasma do criado servente
o perfil recorrente de um criado
o laço do criado
a camisa branca de gola alta do criado
a toalha no braço do criado
o sorrisinho do criado
Ninguém pra comer o peixe
ninguém pra beber o chá
ninguém pra tragar o vinho
ninguém pra morder a maçã
nenhum novo rico posto à mesa
nenhum rico posto à mesa
nenhuma ceia de domingo a ser comida
O receptor do sorrisinho
invisível
uma mesa posta para uma ceia
uma mesa posta numa cela dum rico
uma mesa posta numa cela dum novo rico
uma mesa posta para uma ceia num domingo
Uma mesa posta com um criado a servi-la
um criado posto para servir a mesa
um criado posto para servir o peixe
um criado posto para servir o chá
a chávena posta para o chá ser servido
A mesa posta com a maçã e o vinho
a toalha de padrão sem paciência
o fantasma do criado servente
o perfil recorrente de um criado
o laço do criado
a camisa branca de gola alta do criado
a toalha no braço do criado
o sorrisinho do criado
Ninguém pra comer o peixe
ninguém pra beber o chá
ninguém pra tragar o vinho
ninguém pra morder a maçã
nenhum novo rico posto à mesa
nenhum rico posto à mesa
nenhuma ceia de domingo a ser comida
O receptor do sorrisinho
invisível
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
um elefante

- elefante número oito mil quinhentos e vinte e três!
(mil elefantes
baloiçando)
ideia que depois
incendeia, porque não a acha inteira
- já sabia...
(mas sabe-se?)
a viva aranha
é que tece o elefante
e se lembra do baloiço
e nos oferece a teia
(o elefante perdeu a memória
mas sabe do presente
e a teia desta vez
não é uma prisão)
Quando? Quando? Quando?
- ainda não.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
declaração
os meus poemas também são do tamanho das saudades que tenho
mesmo que as saudades sejam muitas e os poemas sejam curtos
as camionetas parecem insectos
podia ser um poema
mesmo que as saudades sejam muitas e os poemas sejam curtos
as camionetas parecem insectos
podia ser um poema
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
poema para o desenho nove de vinte e três desenhos e um fragmento de MD
O Senhor Oldado de arma na mão
mochila na espalda com qualquer provisão
um cobertor, um mata-borrão
um mata-formigas, carne p'ra canhão
O Senhor Oldado na sua primeira lição
aprendeu a esticar-se como o cano que traz na mão
aprendeu um pouco da linguagem de cão
e manteve os olhos azuis iguais aos do irmão
O Senhor Oldado olha só numa direcção
é só uma farda sem coração
é só uma peça, um pedaço de pão
e engole à pressa o arroz e o grão
O Senhor Oldado não põe os olhos no chão
só quando fala com o capitão
e quando sobe os degraus da estação
para ir colono-democratizar o Africanistão
mochila na espalda com qualquer provisão
um cobertor, um mata-borrão
um mata-formigas, carne p'ra canhão
O Senhor Oldado na sua primeira lição
aprendeu a esticar-se como o cano que traz na mão
aprendeu um pouco da linguagem de cão
e manteve os olhos azuis iguais aos do irmão
O Senhor Oldado olha só numa direcção
é só uma farda sem coração
é só uma peça, um pedaço de pão
e engole à pressa o arroz e o grão
O Senhor Oldado não põe os olhos no chão
só quando fala com o capitão
e quando sobe os degraus da estação
para ir colono-democratizar o Africanistão
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