sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
lenga-lenga dos trabalhadores das docas de Brooklyn
não tens a ponte
e queres o rio
o mar está frio
a lenha arde
e queima o padre
o padre cura
a ferida acesa
presa no cinto
o cinto a galope
do rapagote
de cima e de baixo
é o que eu acho
o cacho é tinto
e deita no copo
de água do monte
não tens a ponte
e queres o rio
o mar está frio
a lenha arde
e queima o padre
o padre cura
a ferida acesa
presa no cinto
o cinto a galope
do rapagote
de cima e de baixo
é o que eu acho
o cacho é tinto
e deita no copo
de água do monte
não tens a ponte
terça-feira, 19 de novembro de 2013
a ginasticar
a ginasticar os dedos no rato os dedos nos botões os ouvidos
as palavras os fios desafinados
a ginasticar as ideias para não serem as previsíveis
o sentido meu no imposto pelo outro
a ginasticar os poemas possíveis as sílabas das palavras as grutas as cores os desenhos
os pesos as formas as histórias inventadas
a ginasticar as memórias que fogem o abano dos corpos com almas
a língua afiada as letras o fio do comboio
a ginasticar estalidos de dedos concentração
a memória de galinha a figura de dois lados
a ginasticar a ideia de desenhar desenhos maravilhosos nunca dantes desenhados
os livros bonitos cosidos cheirosos futuros
a ginasticar o coser dos troços de troncos a imagem melhor daquilo
os erros o objecto o lançamento da pedra e o quarto desafio
a ginasticar a projecção da voz a desierarquia a persistência
o ar livre o escuro com frio o sentido
a ginasticar os piolhos os gritos de bonecos o medo as botas
a ginasticar os dedos no rato os olhos a arder o programa-antiquário
a prova promessa do filme futuro a catadupa
a ginasticar bestiários o macaco o lobo os ouvidos as orelhas os textos os cliques
a ginasticar uma lista de dez
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
já te escuto...
ajuda-me só aqui a levar isto práli
ajuda-me cá só para isto não dar nó
ajuda-me cá só para isto não dar nó
ajuda-me aqui um minuto que eu já te
escuto
ajuda-me no dois que esta vai depois
…+`^-!”#$!|%&/()=?,:
(todas as palavras foram ver a janela a
abrir)
a luz prossegue
a luz prossegue
mas tem de doer
tem de doer como a angústia
que renova o hoje
e abres as grades amanhã
no meu quarto
eu vejo-te
como uma luz futura
aqui
não esperando nada do tempo
a não ser a nossa própria hipótese
de acção e vida
com todo o músculo na comida
e na força dos esqueletos que pensaram
antes connosco
esta diferença
terça-feira, 5 de novembro de 2013
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Continuamos a querer ignorar
Continuamos a querer ignorar
Continuamos a querer ignorar
Continuamos a querer ignorar
Continuamos a querer ignorar
o rio transformado
não queremos ver
recusamo-nos a ver o que se move
julgando apanhar o movimento
no cinema parado
Continuamos a querer ignorar
a violência desse rio
e o que podemos fazer para travar
a própria ignorância
dessa violência
Continuamos a querer ignorar
o tempo que dá lições tarde demais
e por isso a perda pesa-nos como rocha
sobre os pés
sangrando muito
esmagando todo o passo
Continuamos a querer ignorar
a impossibilidade de melhorar
o que não pode ser melhorado
mas tememos a revolução dos astros
e condoemo-nos de estrelas
supersticiosas
Continuamos a querer ignorar
que não somos as sombras
mas a luz que as abre
e que as repete sempre diferentes
porque gira
e derruba o betão
com giratórias de vinte e quatro
toneladas
e retroscavadoras demolindo ideias
falsas
ou simplesmente uma pena
leve nas mãos de jaula
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Trovoada
Era noite e o hall de entrada
parecia soprar gente
e isso não era, certamente
porque era coisa que não se via
Mas ali estava que as plantas magestosas
todas tremeram
e havia uivos e rangeres
Pedi-te, meu amor
a algum helicóptero que te largasse
vi-me de vime e sozinha
E ela, a bárbara, à espreita!
Que o sono construa sua redoma
Que fosse como eu te beijasse
Que eu vou morrer a fingir
parecia soprar gente
e isso não era, certamente
porque era coisa que não se via
Mas ali estava que as plantas magestosas
todas tremeram
e havia uivos e rangeres
Pedi-te, meu amor
a algum helicóptero que te largasse
vi-me de vime e sozinha
E ela, a bárbara, à espreita!
Que o sono construa sua redoma
Que fosse como eu te beijasse
Que eu vou morrer a fingir
aquisto
ter um caderno para escrever
ao lado da cama
ter outro na mala
momentos de chá na rede
prazeres para a saúde mental
zènezices
armar pingarelhos de macacos vermelhos
avançar com duas torres um rei e peões difusos
beber água do luso
entre o consumo e a revolução
ela chama-lhe os trinta
mas é os trinta em dois mil e treze
é
aqui isto
ao lado da cama
ter outro na mala
momentos de chá na rede
prazeres para a saúde mental
zènezices
armar pingarelhos de macacos vermelhos
avançar com duas torres um rei e peões difusos
beber água do luso
entre o consumo e a revolução
ela chama-lhe os trinta
mas é os trinta em dois mil e treze
é
aqui isto
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
dos brandos coturnos
pobre malmequer
À FALTA
DE RASGÃO
meter-se numa coisa não é aparecer na hora de apanhar as
canas
meter-se na coisa
estar
metido pobre malmequer
é estar na altura de decidir como vamos fazer os foguetes e
porquê
meter-se na coisa
estar nos campos fazer experiências apagar os incêndios
acidentes
isto À
FALTA DE RASGÃO
não é
sermos marionetas nas mãos dos deuses especializados que
admiramos
oh pobre malmequer…
é
estudarmos a nossa parte
meter as mãos o corpo a cabeça
tentarmos saber de cor
largar as partituras dos hinos
saber de cor é dar
é ter dado
é estar a dar um sentido nosso ao que estamos ali a fazer
dar o corpo ao manifesto
estar lá pronto à hora a que o outro lá está pronto
ajudar à concentração conjunta
querer fazer
QUERER FAZER sem
ordens sem obrigações sem coacções sem salário
fazer com outros não pode nunca ser terapia
fazer com outros é estar a viver
olhar nos olhos
todos os olhos de todos
nos olhos de todos aqueles olhos
é
pôr a cabeça a trabalhar
o espírito crítico a funcionar
não é
repetir gestos autistas
responder às ordens
exigir ordens
fechar os caminhos
emaranhar silvas nos trilhos
não é
fazer em cima do joelho a correr para apanhar a linha morta
é
saber olhar para pontos imaginários com uma intenção
escolhida
ter os pés na terra
sentir as emoções do corpo ao lado pela respiração
não é
comentar o cão que vai a passar enquanto o companheiro ao
lado se está a esforçar por encontrar o sítio de onde vamos juntos lançar os
foguetes
meter-se numa coisa
à falta de rasgão
querer fazer
querer saber o que se está a fazer
querer decidir como vai ser feito o que se vai fazer
a coisa ser nossa
duma forma que inventámos
não é despachar sem tempo de olhar sem tempo de mexer
é preparar mergulhar antes
é não
voltar sempre à estaca zero como se não tivesse havido antes
esquecer reuniões anteriores
deitar para o lixo actas resumos vozes ideias e pessoas
e a experiência de fazer de outras maneiras
não matar a democracia pela pressa
é algures
entre não achar que já se sabe tudo
e não se achar que não se consegue nada
digo eu
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
cantar com os pés
ó guida quanto me guias
guida me quanto me
guindaste sem quase
eu saber
que as pessoas sem serem bibelots na estante
sem serem biberons d'instante
lá na frança lá na bélgica lá
nas imigrâncias
lá longe tão longe a guerra a guelra da guida
lá longe não são tão
concretas
in-ten-ção (tensão) attention
concertas
não são tão
que afinal
nas leituras nas canções e nas escritas
os ritmos as pausas as vozes normais de nós
sem nós
só a tua voz que se quebra
que afinal a respiração traz
acção do cérebro
a dança do pensamento
na dissecação das palavras na pausa no silêncio no fôlego da regueifa
no recomeço
no risca-risca no papel
no risca-risca na frase em voz alta
é pensamento comunicação estarmos aqui em conflito de sons e corpos
em conversa
em grito em chut
em palavras que se
eu só
nunca
eu só nunca teria
eu só nunca a tua
paz ciência
guida me quanto me
guindaste sem quase
eu saber
que as pessoas sem serem bibelots na estante
sem serem biberons d'instante
lá na frança lá na bélgica lá
nas imigrâncias
lá longe tão longe a guerra a guelra da guida
lá longe não são tão
concretas
in-ten-ção (tensão) attention
concertas
não são tão
que afinal
nas leituras nas canções e nas escritas
os ritmos as pausas as vozes normais de nós
sem nós
só a tua voz que se quebra
que afinal a respiração traz
acção do cérebro
a dança do pensamento
na dissecação das palavras na pausa no silêncio no fôlego da regueifa
no recomeço
no risca-risca no papel
no risca-risca na frase em voz alta
é pensamento comunicação estarmos aqui em conflito de sons e corpos
em conversa
em grito em chut
em palavras que se
eu só
nunca
eu só nunca teria
eu só nunca a tua
paz ciência
quinta-feira, 12 de setembro de 2013
devido
A manteiga vem da vaca.
Nem toda. Mas alguma manteiga vem da vaca.
A vaca que ri...
A vaca que ri...
A vaca que ri...
Que destinatário?
Sabes
se achavas que não era possível haver pior música que "Sete mares" dos Sétima Legião, havias de ter ouvido a versão dessa música da Anamar. Ouvi agora.
A tua avó daquela porta já morreu?
Uma voz da minha mãe disse Oh
Oh! estacionada
Oh! branca
Oh! na rua da porta da avó
Eu levo o meu mundo nas mãos.
A chave, o dinheiro.
Os céus, os infernos.
O bicho da comunicação.
Caraças que este pão é bom!
Com manteiga de vaca magra.
Como fugir, como fugir
como fugir sempre
aos temas em que mais queremos pensar?
Não sabemos pensá-los
e comemos pão.
O bicho da comunicação
está coberto de farinha.
Da avó da porta
eventualmente morta
também era o pão.
Oh, you come to my door
I don't mind I don't mind
I don't mind at all, taxista
Meia manteiga e nada pensado
Meiga mantém-na
olha o colesterol!
mantém-na assassina imberbe
assassina
adormecer olhos
reanimar corações
Nem toda. Mas alguma manteiga vem da vaca.
A vaca que ri...
A vaca que ri...
A vaca que ri...
Que destinatário?
Sabes
se achavas que não era possível haver pior música que "Sete mares" dos Sétima Legião, havias de ter ouvido a versão dessa música da Anamar. Ouvi agora.
A tua avó daquela porta já morreu?
Uma voz da minha mãe disse Oh
Oh! estacionada
Oh! branca
Oh! na rua da porta da avó
Eu levo o meu mundo nas mãos.
A chave, o dinheiro.
Os céus, os infernos.
O bicho da comunicação.
Caraças que este pão é bom!
Com manteiga de vaca magra.
Como fugir, como fugir
como fugir sempre
aos temas em que mais queremos pensar?
Não sabemos pensá-los
e comemos pão.
O bicho da comunicação
está coberto de farinha.
Da avó da porta
eventualmente morta
também era o pão.
Oh, you come to my door
I don't mind I don't mind
I don't mind at all, taxista
Meia manteiga e nada pensado
Meiga mantém-na
olha o colesterol!
mantém-na assassina imberbe
assassina
adormecer olhos
reanimar corações
ultrapasteurizado
não consigo ligar-te até te acordar - é violento
mentira das grandes
que nos andes
da frase ser escrita toda
se ligou e antes
as antenas sibilantes
vibraram
cheguei-te
como?
achei-te
bebi?
todo o éter evapora na caipira do choque
e assim a escrever para ninguém aproveitar
mais uma vez, mariana, joão
porque não tem assunto dizem, eme dê
porque só eu sei ler isto em voz alta e fazer um programa de rádio emitido do meu microfone para a minha coluna
só eu aluna
só eu pedinte
só li dogmas nas linhas
amanhã é que
e ficava a promessa
fica
nas variações
faz lá coisas disto - era impossível
poesia que não serve para nada?
arrebenta a bolha na estrada
ficava uma noite
mas fica fica
para amanhã
logo te falo do não destinatário e da manteiga
do taxista e do vómito que dão os sete mares
vómito que dão os sete mares
sempre a fugir do centro da cabeça
mentira das grandes
que nos andes
da frase ser escrita toda
se ligou e antes
as antenas sibilantes
vibraram
cheguei-te
como?
achei-te
bebi?
todo o éter evapora na caipira do choque
e assim a escrever para ninguém aproveitar
mais uma vez, mariana, joão
porque não tem assunto dizem, eme dê
porque só eu sei ler isto em voz alta e fazer um programa de rádio emitido do meu microfone para a minha coluna
só eu aluna
só eu pedinte
só li dogmas nas linhas
amanhã é que
e ficava a promessa
fica
nas variações
faz lá coisas disto - era impossível
poesia que não serve para nada?
arrebenta a bolha na estrada
ficava uma noite
mas fica fica
para amanhã
logo te falo do não destinatário e da manteiga
do taxista e do vómito que dão os sete mares
vómito que dão os sete mares
sempre a fugir do centro da cabeça
terça-feira, 10 de setembro de 2013
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
é possível assim se chama
montes
montes de tonta na rua que ameaça
nas escadas que caem
nos passos que perseguem
nos atropelistas que rugem
etecetera
poesia drogada
na cabeça uma selva
cheira a apartamento na linha
a sopa dabóbora da estação de são pedro por cima do sous-plat verde-plástico
apanhada pela pesada de metal e grande
colher no dente renitente
a meio molar
o lilixir
patas de terra
olhos de veado
cor de jardim
pronta terra
curiosos veados
desarrumado jardim
segundo o andamento
o que fica frito
dá-me pena
pra eu escrever
o que fica frito
dá-me fome
pra eu comer
na mesma panela
azeite a ferver
mais
o ai se ti dá um pão ao ovo o queijo pede o ovo à codorniz
oolismo
naquela altura da putrefacção em que tudo já sabe a álcool
- isso e beber perfume
covo
desencasca-lhe a tosse
e arregamela-lhe a membrana
(o gato comeu-me a língua)
montes de tonta na rua que ameaça
nas escadas que caem
nos passos que perseguem
nos atropelistas que rugem
etecetera
poesia drogada
na cabeça uma selva
cheira a apartamento na linha
a sopa dabóbora da estação de são pedro por cima do sous-plat verde-plástico
apanhada pela pesada de metal e grande
colher no dente renitente
a meio molar
o lilixir
patas de terra
olhos de veado
cor de jardim
pronta terra
curiosos veados
desarrumado jardim
segundo o andamento
o que fica frito
dá-me pena
pra eu escrever
o que fica frito
dá-me fome
pra eu comer
na mesma panela
azeite a ferver
mais
o ai se ti dá um pão ao ovo o queijo pede o ovo à codorniz
oolismo
naquela altura da putrefacção em que tudo já sabe a álcool
- isso e beber perfume
covo
desencasca-lhe a tosse
e arregamela-lhe a membrana
(o gato comeu-me a língua)
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
duas e dezanove
não consigo dormir está calor tou com o período sinto-me febril e seca a minha cabeça delira e não me deixa dormir reconstituo conhecimentos antigos que já não sabia que tinha sum es est sumus estis sunt penso que sumus sozinhos no mundo morrem os avós e depois os pais e hipoteticamente pode morrer toda a gente que a gente conhece antes de nós e ficamos sozinhos ou se ardesse a nossa casa por causa de um tornado que passasse pela bomba de gasolina tenho de semear e fazer compras falta-me magnésio e afinal o que não me deixa dormir é este cheiro a queimado odeio incendiárias sufoco
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
vinte e sete
mosto calor a ferida na cabeça
a podre apodranhece
húmida e escurecida
a goto de esgoto ninho de ratos
aperta hábil vomita um resto
e lateja
a podre apodranhece
húmida e escurecida
a goto de esgoto ninho de ratos
aperta hábil vomita um resto
e lateja
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
rabo de cavalo
bacalhau e presunto
carne e peixe salgados
carnívoros do mar
partiu a perna em três sítios
fractura exposta
perdeu muito sangue
afectou o fígado
afectou os rins
afectou os pulmões
carne e peixe salgados
carnívoros do mar
courgettes do mar
cogumelos do mar
partiu a perna
deslocou a ancapartiu a perna em três sítios
fractura exposta
perdeu muito sangue
afectou o fígado
afectou os rins
afectou os pulmões
não gosto da tua cara
nunca fui com a tua cara
não gostei daquela tua cara
aflitivo-salgada
segunda-feira, 29 de julho de 2013
sobram coisas junto à árvore
sobram coisas junto à árvore
e um menino apanha uma
estalada da mãe
porque não devia mexer no lixo
que é sujo e tem micróbios
então o menino não sabe?
sabe que era um camião, grande e antigo
de plástico em três cores
metia-se nele e fugia fugia
pelas estradas enormes
até às dunas onde não levasse estaladas
mas se assim fosse não gozava o gelado de baunilha e leite
que a educação lhe dá depois para calcificar
e um menino apanha uma
estalada da mãe
porque não devia mexer no lixo
que é sujo e tem micróbios
então o menino não sabe?
sabe que era um camião, grande e antigo
de plástico em três cores
metia-se nele e fugia fugia
pelas estradas enormes
até às dunas onde não levasse estaladas
mas se assim fosse não gozava o gelado de baunilha e leite
que a educação lhe dá depois para calcificar
quarta-feira, 24 de julho de 2013
quinta-feira, 27 de junho de 2013
greve geral
hoje não há trabalho
nem luz acesa nem nada
se me quiserem obrigar
ponho um autocarro na entrada
e fico lá sentado
eu e companheiros meus
para que não descaia
furamos-lhe os pneus
nem luz acesa nem nada
se me quiserem obrigar
ponho um autocarro na entrada
e fico lá sentado
eu e companheiros meus
para que não descaia
furamos-lhe os pneus
quinta-feira, 13 de junho de 2013
laicos lamina
É porque - por exemplo. Tu tinhas tido uma sensação estranha
ou engraçada enquanto vivias sozinha na natureza. E o que é que podias fazer a
essa necessidade precipitante de a partilhar com outros? E de ouvir respostas
aproximadas às questões do teu espanto? Ou simplesmente de ouvir voz?
É que. Agora tu pensaste nessa coisa estranha, grande, e
grande ponto de interrogação, e vieste ter comigo e perguntaste:
- Como é que te vês no futuro?
E eu cantei-te (um)a canção:
Vou-me chegando
à tua questão
que é mundo feito
que é líquido e meio
de vida e sabor
E ao chegar
à terceira curva
corro fujo
sem lusco-fusco
apago de pavor
De pensar amanhã
fujo
de pensar em mim
fujo
do amanhã desta casa
fujo
eu em minha casa e aqui
susto
E se estivesses sozinha na
natureza, não podias perguntar nada a ninguém. E como ias dormir?
(E como ias dormir) sem falar?
terça-feira, 11 de junho de 2013
quarta-feira, 5 de junho de 2013
terça-feira, 4 de junho de 2013
de cavalo pra veado
de cavalo pra veado
de veado pra tapete
de veado pra tapete
de tapete pra lembrete
de simão pra xavier
a desblushar a mulher
partir pedra
pra ti pé
pra si mão
pra mim chave, yeah
she's a starr
sexta-feira, 31 de maio de 2013
larilolé
um corte límpido
um gesto lúcido
uma lápide lisa
uma lança
um disco lúdico
uma lente lenta
uma lesma lorpa
tão lesta
uma lúcia de luz
uma casca de lua
uma lâmpada acesa
um lápis
um cesto limpo
um bicho de laço
um logro na língua
um louco
um gesto lúcido
uma lápide lisa
uma lança
um disco lúdico
uma lente lenta
uma lesma lorpa
tão lesta
uma lúcia de luz
uma casca de lua
uma lâmpada acesa
um lápis
um cesto limpo
um bicho de laço
um logro na língua
um louco
quarta-feira, 29 de maio de 2013
descolagem
a citação que usas podes usá-la
podes até abusá-la
mas outros também poderão defendê-la
vê-la como querem lê-la
dizer-te por exemplo
que a leio tanto para a enfiares na tua carapuça
é tanto assim que a leio
sobre jogadas como essa
sobre o xadrez e as peças
sobre teatro de simulação, não
de ilusão, não
de cenários de papelão
por outros pintados em fuga da tua caixa
maré baixa maré baixa
conjunto de crachás grenás
e depois sai tudo com aguarrás
podes até abusá-la
mas outros também poderão defendê-la
vê-la como querem lê-la
dizer-te por exemplo
que a leio tanto para a enfiares na tua carapuça
é tanto assim que a leio
sobre jogadas como essa
sobre o xadrez e as peças
sobre teatro de simulação, não
de ilusão, não
de cenários de papelão
por outros pintados em fuga da tua caixa
maré baixa maré baixa
conjunto de crachás grenás
e depois sai tudo com aguarrás
quinta-feira, 23 de maio de 2013
bestiália
Tu vês em mim um flamingo
quando recolho as patas à teztu vês em mim um cão
tu vês em ti um cão
isso depende da vez
Tu vês em mim um domingo
novo fora e novo dentro
vês-me nos braços cobras
noves fora desdobras
o bicho do meu centro
Tu vês-me a ser mulher
e ‘té piscas as pestanaseu aqui flamingo cão
hoje é domingo bão
dá pra dizer o tanas
sexta-feira, 17 de maio de 2013
Lavandaria
Olha... aquele foi buscar a capa à lavandaria.
Com que iogurte de pedaços
de autoritarismo e álcool
teria levado!
Aquela rouquidão de tom rachado
a pular de histeria a gritar
viva a hierarquia
vimos mostrar
o que de mais mísero nos homens pode haver.
E depois o poder imaginado de fazer ameaça
pirraça
mimaça
vamos com orgulho compor
um quadro do bosch na praça!
E também os que se agarram
a signos e santos sem pre-sisarem da razão
cantando espalharei pelo chão.
Ao comprido.
Jaz a figura empedernida
ao lado da saca plástica da lavandaria.
Com que iogurte de pedaços
de autoritarismo e álcool
teria levado!
Aquela rouquidão de tom rachado
a pular de histeria a gritar
viva a hierarquia
vimos mostrar
o que de mais mísero nos homens pode haver.
E depois o poder imaginado de fazer ameaça
pirraça
mimaça
vamos com orgulho compor
um quadro do bosch na praça!
E também os que se agarram
a signos e santos sem pre-sisarem da razão
cantando espalharei pelo chão.
Ao comprido.
Jaz a figura empedernida
ao lado da saca plástica da lavandaria.
terça-feira, 14 de maio de 2013
Canções de protesto ontem e hoje
O
João Baía, com quem me cruzo nesta e naquela luta, e por consequência neste e
naquele convívio – ou vice-versa – e de que me aproximei muito graças ao Coro
da Achada, onde cantamos os dois, desafiou-me para participar numa conferência
com o título «“Grândola Vila Morena,
Terra da Fraternidade” - Canções de protesto, ontem e hoje». Medo. Ainda
lhe tentei dizer que não. Porque não sou musicóloga nem socióloga nem
historiadora, nem grande pensadora, e para além disso tenho horror a falar em
público. Mas, se é verdade que passo a vida a refilar por muitos debates terem
nas mesas apenas especialistas, ou pessoas muito conceituadas e reconhecidas, e
se é verdade que o tema não me era assim tão estranho, lá resolvi dizer que
sim.
E
pus-me a pensar nisto das canções de protesto ontem e hoje. E no que raio tenho
eu que ver com isso. Quer queira quer não, e mesmo que nós não lhes ponhamos
nenhum rótulo, as canções que faço desde há mais de dez anos com o Pedro são
inúmeras vezes apelidadas de «música de intervenção». Da mesma forma, o coro
que iniciámos há uns quatro anos na Casa da Achada, também leva bastas vezes
essa etiqueta de «música de intervenção». O que raio será música de
intervenção? Mas a música não intervém sempre? Intervém sempre, acho eu, seja
para questionar o mundo que temos, seja para ajudá-lo a continuar como está.
Bom, talvez «canções de protesto», como aparece no cartaz desta conversa, seja
um pouco mais claro. Mesmo assim é preciso sempre interpretações,
subjectividades e contextos… Se olharmos de relance para a letra da Grândola –
Grândola vila morena, terra da fraternidade, o povo é quem mais ordena dentro
de ti ó cidade – podemos não ver lá nenhum protesto, só constatações. Em vez de
«o povo é quem mais ordena», teremos de ler «o povo é quem mais devia ordenar»
para que ela seja uma canção de protesto.
Afinal,
o que será isso? Uma canção de protesto? Vem-me à ideia um lamento - mas que se
alia a uma ideia e a uma vontade de acção e transformação. Será uma canção que
reclama com a situação, mas que também reivindica ou promete coisas, que pode
imaginar futuros, criar utopias, terras da fraternidade, urgas, yukalis. Será
uma canção que fala da nossa própria condição (como um tipo que vi no outro dia
em Alfama, a tocar uma canção sobre tocar na rua e não ter licença) ou então
ser uma canção que é testemunho de uma situação, de uma condição ou de uma luta
de outros – e que lhes pode ser oferecida e dar-lhes força, e que pode ser
depois adoptada por eles e ser cantada durante as suas lutas, e que pode servir
para dar a conhecer um acontecimento de resistência a outros que vivem noutros
sítios e noutros tempos, e tornar-se um documento informativo e histórico.
Se
as canções que faço hoje têm cheirinhos de canções de ontem? Têm. Porquê?
Porque
as lutas, se pensarmos bem, trazem muitas vezes canções com elas. E se nascemos
e crescemos no meio de pessoas lutadoras, ou em momentos de luta, ouvimos essas
músicas quase desde sempre, e re-ouvimo-las, e já estamos habituados a
lembrá-las, a cantá-las e a reutilizá-las. As canções que faço hoje trazem
consigo, das mais variadas formas, as canções que ouvi desde que nasci – sejam
elas canções de protesto ou não. Mas se ouvi muitas canções de protesto, se
nasci com a voz e a guitarra do Zeca Afonso, do Zé Mário Branco, do Sérgio
Godinho e do Fausto, e se gosto bastante delas, é normal que influenciem
canções de hoje que também se querem de protesto.
Se
as canções de protesto que faço hoje têm cheirinhos de canções de ontem? Têm.
Porquê?
Porque
as lutas e as canções não nasceram hoje, porque vêm de trás, e a memória das
lutas de ontem é tão importante como as lutas de hoje. Porque a história não é
linear, e lutar contra o capitalismo e contra os poderes opressores nunca será
uma guerra ganha. Porque para compreendermos o presente temos de conhecer o
passado. Porque, para termos força para lutar aqui e agora, o que há de melhor
senão saber que há e houve outros como nós a lutar noutros sítios e noutros
tempos? E, para sentir essa solidariedade de outros com as nossas lutas e a
nossa solidariedade com as lutas dos outros, de muito servem as canções que
cantamos ou que ouvimos cantadas por outros.
E,
no meio disto, há também que entender que as canções que caminham connosco se
escolhem. Nunca são «todas as canções que já houve». São as que conhecemos e as
que nos dizem mais, as que procurámos e encontrámos (e sempre procuraremos e
encontraremos novas, mesmo que antigas). São aquelas que escolhemos.
Falei
em «cheirinhos» de canções antigas nas canções de hoje. Que é quando se
reconhece um conjunto de notas, ou uma forma de tocar guitarra, ou um certo
crescendo até ao refrão, ou o uso de certas palavras. Mas e quanto a pegar em
canções antigas e refazê-las? Mudar-lhes a letra, por exemplo? Tantas vezes…
Porquê? As razões podem ir do eco que as canções podem ter entre si até razões
muito práticas, que se prendem com as relações das pessoas com a música. Dou um
exemplo.
No
verão de 2011 fui à es.col.a da Fontinha, no Porto, uma escola que foi ocupada,
como devem saber, e que a essa data ainda não tinha sido desocupada. Os
companheiros de lá, quando souberam que eu ia, pediram-me para cantar lá
qualquer coisa. Ora eu, apesar de cantar, não sei inventar músicas nem sei
tocar nenhum instrumento, e o Pedro, o homem dos sete instrumentos, não ia
comigo. A solução que arranjei foi a que tantas e tantas pessoas arranjam para
poderem cantar sem saberem fazer música: fazer uma letra nova para uma música
que já existia e que eu já sabia cantar. Sobre Os índios da meia praia, do Zeca, inventei uma nova letra, sobre a
escola da Fontinha. Depois disseram-me que a canção antiga ecoava na nova.
Claro. Não foi por acaso que escolhi Os
índios da meia praia para fazer uma canção sobre uma escola ocupada, por
pessoas que queriam tomar as coisas nas suas mãos.
E
nas manifes e em acções, e tantas vezes, é muitas vezes isso que acontece.
Pegar em canções que já existem, e meter-lhes uma nova letra. É uma forma
simples de quem não sabe fazer músicas poder fazer novas canções. E é também
uma forma de muitas pessoas poderem cantar em conjunto. Porque a melodia já é
conhecida por todos, e a letra pode escrever-se num papel, ou aprender-se
rapidamente. Também no coro da Achada há músicas assim, feitas por cima de
outras - muitas vezes por cima de canções noutras línguas, de companheiros que
andam em lutas noutros lugares do mundo, muitas vezes contando uma história de
hoje por cima de uma canção que tinha uma história de ontem -, e nos convívios improvisados
à goela e à guitarra no quintal da Casa da Achada muitas vezes isso acontece. E
em muitos destes casos, sobretudo em manifestações até, nem sempre as canções
antigas de onde partem as novas são canções de protesto. Podem usar-se
cançonetas banais, muitas vezes muito conhecidas e comerciais, para lhes dar
uma letra que já vai torná-las uma canção de protesto. Pode-se pegar nos ABBA e
cantar contra o capitalismo. Bom, mas também podemos pensar que não queremos
usar uma canção do Quim Barreiros para cantar uma letra feminista… Há sempre
escolhas a fazer.
E,
claro, há canções que se cantam sem mudarmos uma linha da letra. Porque
continua actual. Ou porque é poética ou geral e dá para todos os tempos, ou
porque apesar de falar de coisas muito concretas sentimos logo que estamos a
falar à mesma do que se passa hoje, mesmo que mudem os nomes dos bois.
O
que é facto é que as canções só vivem quando são cantadas e ouvidas, o que também quer dizer,
naturalmente - ou não fosse o homem homem -, refeitas, repegadas,
transformadas. Caso contrário, estão em coma, guardadas num arquivo morto, e
apenas consumidas individual e nostalgicamente. E aqui entram os meus problemas
com os direitos de autor e com as proibições da partilha e do uso das canções.
Sempre se cantaram canções e elas sempre foram ouvidas e cantaroladas em
seguida por quem as ouviu. Da forma que quiserem… que aliás quem conta um conto
acrescenta sempre um ponto. Mas ó meu caro, vamos lá pôr os pontos nos is, pode
uma música que quer questionar o capitalismo ser propriedade? Faz sentido
contestar um regime e alimentá-lo jogando de acordo com as suas regras? Faz
sentido proibir ou limitar o uso e o abuso das canções heróicas do Lopes-Graça,
que sonhava ouvi-las assobiadas na rua por alguém que fosse a passar, ou as
canções do Zeca, ou as do Beethoven, ou as minhas? «Minhas»?
E
como, por sugestão do título desta conversa - «canções de protesto ontem e
hoje» -, me pus a discorrer sobre as reutilizações, hoje, das músicas de ontem,
falta ainda dizer que a criação original, a criação de novas canções que não partam
directamente de outras, é preciosa. E não tem sido menos feita. A criação
original está cheia dos cheirinhos da travessia que nos trouxe aqui - isso já
sabemos. Isso agrada-nos e nem poderia ser de outra forma. Mas não chega
reutilizar. É preciso também sons e palavras novas, para situações novas e
sentidos novos, para cérebros e sociedades diferentes.
Volta
e meia no Facebook, onde me cruzo com os pensamentos de pessoas mais velhas que
antes lutaram e que agora andam bastante caseiras, e também de pessoas novas
mas que falam do mundo sobranceiras e com tom de lamúria, como se já tivesse
passado o seu tempo, deparo-me com frases como «Já não há canções de protesto
como antigamente». Às vezes se calhar achamos que já não há canções de protesto
porque andamos à procura do som das guitarras gravadas nos estúdios dos anos
70, ou da maneira de cantar do Pete Seeger ou do Georges Brassens ou do Adriano
Correia de Oliveira ou do Sérgio Godinho. E passam-nos ao lado «O paraíso
fiscal» dos Diabo a Sete ou o «Estado Febril» dos Caruma. E passa-nos ao lado
todo o hip-hop, que nos últimos tempos tenho achado que é dos géneros musicais
que mais diz coisas concretas sobre a situação – e, para além disso, sobre
situações por muitos desconhecidas como é a situação nos bairros - e que mais
protesta. E por horror a tecnologias e a sonoridades electrónicas – de que
confesso não ser a maior apreciadora, também – pode acontecer-nos
esquecermo-nos de que os Bandex pegam nos acontecimentos políticos do dia
anterior para fazer canções quase instantâneas que circulam rápida e largamente
pela internet. Haverá música mais em cima do acontecimento que esta? E por
horror automático aos cantores pimba, podemos nunca chegar a ouvir a canção de
Nel Monteiro «Puta vida merda cagalhões», que falava de pobres e ricos e
criticava a Expo 98 quando ela era por todos bajulada.
E
se nos consignarmos apenas à nossa condição de consumidores, como quer a nossa
sociedade, e apenas procurarmos música nas prateleiras da FNAC (que também terá
a secção «música de intervenção», ou não tentassem eles integrar tudo… e pode a
cantiga ser uma arma nos escaparates da FNAC?), como encontrar, dizia eu, nessa
prateleiras, as canções de protesto do Mário Trovador, dos Trashbaile, dos
Focolitus, do Coro da Achada, de Pedro e Diana? Que cantam na rua e às vezes
não gravam, e que quando gravam fazem discos caseiros, copiados no computador,
com livrinhos em fotocópia, e os vendem de mão em mão, sem factura? Como
esperar encontrar nas catedrais de consumo a cassete «Educa-te cão!», que um
conjunto de estudantes fez nos anos 90, com canções em torno da luta contra as
propinas, ou o disco que fez o Movimento Anti-Tradição Académica em 2006, com
criações originais de várias bandas contra as praxes? E se não descermos à acampada
do Rossio ou não descermos às minas com os mineiros, saberemos das músicas que
lá nasceram e que lá se cantaram? Isto para dizer que também é preciso
contrariar os nossos preconceitos musicais, e que também é preciso andar nas
lutas e na rua, e fora da sociedade de consumo, para conhecer e cantar canções
de protesto.
Diana Dionísio
Intervenção, em 30 de Abril de 2013, em «As portas que Abril abriu - Abordagens dos processos de transformação no período pós 25 de Abril». 1ª conferência/conversa na Biblioteca Museu República e Resistência - Espaço Grandela na Estrada de Benfica, que contou com a presença de Viriato Teles, Francisco Fanhais e Diana Dionísio. Falou-se de músicas do presente com cheirinhos de outros tempos, da última revolução feita pela rádio, do Zeca Afonso como cimento/referência entre as várias gerações que participaram nos últimos protestos. Da expressão "Zeca Afonso português", quando nos referimos ao Victor Jara, Pete Seeger, ou Fabrizio di Andre. Ouviu-se o Bairro Negro e o Traz outro amigo também pela voz de Francisco Fanhais e a melodia dos Índios da Meia com letra dedicada à Es.Col.A da Fontinha pela voz de Diana Dionísio.
Este pequeno filme mostra alguns momentos desta 1ª conferência/conversa:
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Somos todos arguidos da Fontinha
Há águas e águas
de calor e de frio há a água da Fontinha
e há a água do Rio
Uma água cria lugar
e é rica em vitaminas,
a outra é pra despejar
salobra, sem salinas
Uma é potável
e cria regueirões,
a outra com barragens
reprime multidões
Uma experimentou
fez ondas e quebrou,
outra deu dor de barriga
e a gente vomitou
Há águas e águas
a que vive e a que
morre
há a água do Rio
e há a água que corre
Da bica da Fontinha
a água espalhou-se em raízes
germinou muitas terras
cheirou muitos narizes
De Lisboa e de acolá
ouve-se correr a modinha
nós somos todos
arguidos da Fontinha
assim não será
O cinismo é o pior. É pior do que o pior. O cinismo ensina a
submissão decalcada do real como se realmente existisse. E repete tantas vezes
que assim é, vomita "assim é" por todas as bocas e assim não será. Não me
deixes cair ali, no lamacento terreno do sempre foi, no caudal mal-cheiroso do
peixe podre sem viagem, na impossibilidade de levantar o pensamento, na
constatação peganhenta da vida tal qual, na plana e estúpida travessa de
lapaliçadas mornas e moles, no faz como viste fazer e seja como for e tanto faz
que só te leva à igualdade da morte.
A greve dos grãos de trigo
E por falar em sementes…
A GRÉVE DOS GRÃOS DE TRIGO
Quasi
uma ninharia, semente ligeira, pequenino fruto, talo de erva num sulco, grão
rubro numa espiga, pó branco no moinho, festim de inséto, na minha pequenez possuo
a humilde inocencia campezina, ocupo um logar impercétivel na natureza, razo
com a terra, ignorado dos grandes vegetaes prodigos de sombra e que enormes e
musicaes se erguem até ás nuvens como nas igrejas.
Tão
debil e modesto, nada valho por mim mesmo; é necessario que sejamos muitos.
Começam a olhar-nos com consideração quando nos juntamos um centenar para
formar uma espiga; uma palhinha nos ergue então um pouco acima do sólo e em
volta de nós avistamos o mundo; a brisa que passa faz-nos enclinar em
reverencias humildes, pois que ainda nos ergamos continuamos sendo modestos,
sempre coisa minima; o primeiro que passa pisa-nos sem querer e morremos. A
nosso lado as papoulas levantam as suas pequenas cabeças roxas e as margaridas
as suas estrêlas brancas. Entre os seus requebros permanecemos simples, rubros,
timidos, um pouco candidos, e os pequenos escaravelhos roxos encarrapitam-se
nas hastes que os sosteem como o poderiam fazer num mastro de cocanha. Nem
sequer possuimos a barba dos barbudos centeios que vivem perto de nós.
*
Porém,
se a nossa importancia aumenta um pouco com a espiga, torna-se consideravel
pela associação das espigas, e então respeitam-nos quando formamos um campo, e
até o governo delega um guarda campestre para velar por nós como se fossemos
altos personagens. A nossa humilde personalidade desapareceu. Convertemo-nos em
multidão e a nossa idilica massa cobre a terra. Todos procuram fazer-nos cêrco;
os grandes e orgulhosos vegetaes retrocedem e por mais insignificantes que por
nós mesmos sejamos, o numero converte-nos num elemento poderoso. As nossas
espigas ondulam como o mar agitado; combatem-nos como se fossemos um ezercito,
com as fouces, e como a mão do homem, só, não basta,é precisa a maquina que nos
ceifa. A agua, o vento, o vapor, pó. E este mesmo pó é preciosissimo. Somos o
pão que nutre os homens.
*
Então a nossa
importancia cresce até chegar á hiperbole. De humildes e rusticos grãos de
trigo convertemo-nos em politicos. Para os graves economistas somos os cereais. Na bolsa cotisam-nos como se
fossemos ouro; pezamos nos destinos dos imperios, fazemos as revoluções. Por
nós se matam os homens. Por nós o sangue corre.
Na
nossa humildade campesina, na nossa benignidade e inocencia de grãos de trigo,
em vez de nos orgulharmos, esta luta dos homens entristece-nos.
O
valor que os homens nos impõem, não o queremos, pois é feito da necessidade dos
homens e do sofrimento dos pobres. A nossa força bemfeitora e doce despresa-o.
Nós queriamos multiplicar-nos; a nossa fecundidade inesgotavel está á
disposição dos homens; oferecemos a nossa abundancia e a nossa prodigalidade
naturaes; um punhado de nós constitue um tesouro na terra; oferecemos os nossos
tesouros inesgotaveis que podem aplacar os mais famintos e saciar todo o mundo.
Só pedimos que nos semeiem.
E
os homens negam-se a isso. O cego interesse duns quantos o impede. Roubam-nos a
terra, desterram-nos. Os semeadores desfalecem ante este interesse particular e
as leis interveem para nos encarecer. Formam-se ligas para restringir a nossa
fecundidade. Fazem-nos abortar. E o que mais choca é que os homens se batem por
nós, encerram-se entre fronteiras, odeiam-se, levantando ezercitos e
alfandegas.
*
Por
fim, este espectaculo, irrita-nos, e ante a maldade dos homens que nos obriga,
apesar do nosso caráter modesto e bom, a converter-nos em objéto de lucro têma
de assassinato, nós cujo sonho pacifico é dispensar a todos gratuitamente a
vida, como o ceu dá o ar e o sol a sua luz, nós rebelamo-nos. A nossa natureza
amigavel não quer, não pode suportar este papel de discordia. Vamos
declarar-nos em greve sobre toda a superficie da terra. Permaneceremos
enterrados nos sulcos, pediremos á tempestade que nos incendeie com os seus
raios, que destrua com o seu graniso e ao sol que nos queime.
Converter-nos-hemos em palha inutil e esteril. E então os homens famintos
compreenderão.
Compreenderão
a inutilidade das suas guerras, a mentira dos seus interesses, a puerilidade do
seu orgulho. Terão que considerar que, como nós, são pouca coisa; como nós,
compreenderão que nada valem senão em comum, pela associação fraternal de
todos, e então a humanidade não formará mais que um só homem, como uma espiga.
E não terão medo de semear a terra. Unir-se-hão para semear em logar de se separarem para combater.
Os
nossos grãos, arremessados profusamente, voarão para os sulcos; cresceremos
robustos, macissos; cobriremos a terra com o ouro bemdito e rubro das colheitas
que fazem o pão do homem. E todo o mundo poderá viver, porque, então, já nada
valeremos. E na nossa modestia ficaremos contentes.
Mas
atualmente o nosso valor espanta-nos, a nossa carestia envergonha-nos…
Na
procima primavera vamo-nos declarar em greve.
Henrique Févre
Cultivar sem restituir é cultura
de rapina.
Liebing
in A Sementeira – Publicação mensal ilustrada – Crítica e Sociologia,
nº 1, Lisboa, Setembro de 1908, pp. 7 e 8
(este texto foi publicado em francês, «La grève des grains de blé», no suplemento literário de domingo do jornal Le Figaro, em 3 de Março de 1894)
(este texto foi publicado em francês, «La grève des grains de blé», no suplemento literário de domingo do jornal Le Figaro, em 3 de Março de 1894)
sexta-feira, 3 de maio de 2013
a luta continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua tinua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua nua ua ua ua ua ua ua ua ua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua uaua ua ua ua ua ua ua a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
terça-feira, 30 de abril de 2013
Como abrir aquela janela
A menina já não tem a mesma silhueta que tinha quando era criança. Mas ainda descobre as formas como funcionam as coisas com o mesmo olhar curioso. Ao descobrir a forma como funcionam as coisas abrem-se três dimensões:
1 - a descoberta, a própria alegria da descoberta, esse pequeno tempo ardente;
2 - a potência, o que pode vir a poder fazer;
3 - o perigo, porque uma coisa pode servir para outra coisa.
A menina acha que isto só vai com um exemplo: como abrir aquela janela. As práticas fazem descobrir as ideias e as ideias voltam a fazer as coisas.
Cuidado, é um sítio de passagem. Era melhor ali. Depois da descoberta, o erro. Depois aprende-se com o erro e entende-se que seria melhor ali, onde o ver se junta com o ouvir.
Fecha a janela que está frio.
1 - a descoberta, a própria alegria da descoberta, esse pequeno tempo ardente;
2 - a potência, o que pode vir a poder fazer;
3 - o perigo, porque uma coisa pode servir para outra coisa.
A menina acha que isto só vai com um exemplo: como abrir aquela janela. As práticas fazem descobrir as ideias e as ideias voltam a fazer as coisas.
Cuidado, é um sítio de passagem. Era melhor ali. Depois da descoberta, o erro. Depois aprende-se com o erro e entende-se que seria melhor ali, onde o ver se junta com o ouvir.
Fecha a janela que está frio.
terça-feira, 23 de abril de 2013
terça-feira, 16 de abril de 2013
Larga!
Santos fez a boca do cão abrir-se com um gesto macaco
segurando-o com a mão esquerda no cachaço.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
Existe um postulado político: o Zé não deve ter senso crítico
Zé é um sujeito bem feio
que vive por ali no passeio
as vezes ele é engraxate
as vezes vende língua ao empate
Zé mora de baixo da ponte
... por isso tem um belo tem um belo horizonte
o Zé cata comida no lixo
será que o Zé e gente ou é bicho
A mãe do Zé sempre foi simpática
embora não soubese gramática
sabia que onde tem marinheiro
dá sempre pra arranjar um dinheiro
O Zé é um sujeito bacana
só come uma vez por semana
o Zé é um sujeito batuta
é o próprio, próprio filho da luta!
Existe um postulado político
o Zé não deve ter senso crítico
enquanto a gente come filé
o Zé que chupa o dedão do pé
De vez enquando o Zé degenera
e vira um assaltante uma fera
o Zé outro Zé e outro junto
um deles sempre vira presunto
O Zé vê a polícia e já sai logo correndo
ea porrada é tanta e cacetete cantando
Polícia nunca sabe pq é que tá batendo
o Zé sempre sabe pq tá apanhando
Ah e agora José, e agora José
e agora José, mais e agora José
e agora José, mais e agora José
e agora José, mais e agora José
e agora José, e agora José
e agora José, e agora José
a menina foi à loja do cidadão pagar uma conta em atraso
A menina Pires foi à loja do cidadão
e encontrou gente de muitos feitios.
Apanhou uma senhora muito engraçada à sua frente
que queria ser atendida por uma pessoa específica
e não saía dali enquanto não viesse a dona Isabelinha
Só falo com ela, eu quero ser atendida por ela,
só ela me compreende.
Quase humilhante para a rapariga que estava a atender
e que lá teve de chamar a Isabelinha.
Tudo se resolveu, atrás da menina já ninguém percebeu,
não desautorizou ninguém afinal,
foi só uma demora que deu para olhar para outra senhora
que tinha prioridade no atendimento.
Eu dou-lhe a senha, eu dou-lhe a senha.
E deu.
A conta da electricidade é que não desceu.
e encontrou gente de muitos feitios.
Apanhou uma senhora muito engraçada à sua frente
que queria ser atendida por uma pessoa específica
e não saía dali enquanto não viesse a dona Isabelinha
Só falo com ela, eu quero ser atendida por ela,
só ela me compreende.
Quase humilhante para a rapariga que estava a atender
e que lá teve de chamar a Isabelinha.
Tudo se resolveu, atrás da menina já ninguém percebeu,
não desautorizou ninguém afinal,
foi só uma demora que deu para olhar para outra senhora
que tinha prioridade no atendimento.
Eu dou-lhe a senha, eu dou-lhe a senha.
E deu.
A conta da electricidade é que não desceu.
As coisas são e não são
Sem sonhos, menina Pires, não há liberdade nenhuma. As coisas
são e não são como são. Isto é, vão sendo assim, mas serão sempre diferentes,
contêm o que vem no que existe vivo. Falo dos homens, que são lobos e não
serão.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Sonho
Um dia não havia ninguém para as contas e todos as faziam
redescobrindo a leveza da matemática e a beleza das coisas.
Discernimento
Geraldo teve o discernimento de passar a bola antes de bater
com os cornos na baliza, ao poste.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
A nova escola da Fontinha - Rio gasta 200 mil euros a tentar lavar a cara e mostra mais uma vez que é uma besta
O presidente da Câmara do Porto visitou esta sexta-feira o novo Centro de Recursos Sociais da cidade, um investimento autárquico de "200 mil euros" na antiga escola da Fontinha, ocupada pelo movimento Es.Col.A até ao despejo camarário de abril.
"Este é o projeto social que estava na nossa mente desde sempre. É um edifício que acolhe diversas instituições de caráter social, da sociedade e da autarquia", descreveu Rui Rio, no fim de uma visita ao novo equipamento.
No espaço estão agora várias instituições ligadas ao apoio a mulheres, ao endividamento, a crianças autistas, ao combate à SIDA, e à inserção profissional, para começar a funcionar "em pleno" a partir de 1 de fevereiro, adiantou o autarca.
A 19 de abril, a Câmara do Porto despejou da antiga escola primária da Fontinha os ocupantes do movimento Es.Col.A, numa ação que provocou confrontos com a polícia e levou três pessoas a tribunal.
"O que estava pensado para aqui foi sempre isto. Acho que isto é adequado. É uma boa ideia, é útil para a sociedade. Espero que, nas suas mais diversas vertentes, possa apoiar devidamente a população", frisou.
As obras custaram à autarquia "200 mil euros" e demoraram "pelo menos" mais "um mês" do que o previsto porque o espaço foi várias vezes "vandalizado", lamentou o autarca, em declarações aos jornalistas.
"Houve um atraso porque isto foi permanentemente vandalizado e roubado. É lamentável e mostra que os movimentos em torno disto não eram os melhores. Acho que ninguém ganhou nada com isso. Nenhum portuense ganhou com isso, mas enfim, são mentalidades", frisou.
Rio disse que a passagem pelo local não foi "bem uma inauguração" mas "uma visita às instalações que ficaram prontas há 15 dias ou três semanas".
"O que manda o bom senso é não fazer grandes anúncios que deem para grandes espetáculos. Manda a prudência que o fizesse de forma discreta para não provocar as pessoas, se é que elas se achariam provocadas", esclareceu.
O edil admitiu ter feito a visita "com mais discrição do que o que costume" para "evitar espetáculos degradantes, eventualmente".
A presença da polícia foi também justificada por razões "de elementar bom senso".
Já depois de Rio ter abandonado o local, alguns populares tentaram pacificamente entrar nas instalações mas foram impedidos pela polícia de o fazer.
A APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a Associação Portuguesa para a Reeducação em Matéria de Endividamento, a Associação de Defesa dos Interesses e da Igualdade das Mulheres e o Instituto de Emprego e Formação Profissional são algumas das entidades presentes no novo equipamento.
As instituições têm a cargo "uma renda simbólica" e todos os ocupantes, incluindo as entidades ligadas à autarquia pagam condomínio, esclareceu o edil.
O despejo de abril de 2012 foi justificado pela autarquia com a recusa do Es.Col.A em formalizar um contrato de cedência e o pagamento de uma renda simbólica de 30 euros.
Durante as celebrações populares do 25 de abril de 1974, milhares de pessoas juntaram-se aos elementos do movimento para reocupar a escola, onde o Es.Col.A se tinha instalado em abril de 2011.
Em maio a autarquia despejou os ocupantes, mas a contestação popular levou a Câmara a "ceder" a escola até ao fim de dezembro de 2011.
[Tirado do Jornal de Notícias]
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