pobre malmequer
À FALTA
DE RASGÃO
meter-se numa coisa não é aparecer na hora de apanhar as
canas
meter-se na coisa
estar
metido pobre malmequer
é estar na altura de decidir como vamos fazer os foguetes e
porquê
meter-se na coisa
estar nos campos fazer experiências apagar os incêndios
acidentes
isto À
FALTA DE RASGÃO
não é
sermos marionetas nas mãos dos deuses especializados que
admiramos
oh pobre malmequer…
é
estudarmos a nossa parte
meter as mãos o corpo a cabeça
tentarmos saber de cor
largar as partituras dos hinos
saber de cor é dar
é ter dado
é estar a dar um sentido nosso ao que estamos ali a fazer
dar o corpo ao manifesto
estar lá pronto à hora a que o outro lá está pronto
ajudar à concentração conjunta
querer fazer
QUERER FAZER sem
ordens sem obrigações sem coacções sem salário
fazer com outros não pode nunca ser terapia
fazer com outros é estar a viver
olhar nos olhos
todos os olhos de todos
nos olhos de todos aqueles olhos
é
pôr a cabeça a trabalhar
o espírito crítico a funcionar
não é
repetir gestos autistas
responder às ordens
exigir ordens
fechar os caminhos
emaranhar silvas nos trilhos
não é
fazer em cima do joelho a correr para apanhar a linha morta
é
saber olhar para pontos imaginários com uma intenção
escolhida
ter os pés na terra
sentir as emoções do corpo ao lado pela respiração
não é
comentar o cão que vai a passar enquanto o companheiro ao
lado se está a esforçar por encontrar o sítio de onde vamos juntos lançar os
foguetes
meter-se numa coisa
à falta de rasgão
querer fazer
querer saber o que se está a fazer
querer decidir como vai ser feito o que se vai fazer
a coisa ser nossa
duma forma que inventámos
não é despachar sem tempo de olhar sem tempo de mexer
é preparar mergulhar antes
é não
voltar sempre à estaca zero como se não tivesse havido antes
esquecer reuniões anteriores
deitar para o lixo actas resumos vozes ideias e pessoas
e a experiência de fazer de outras maneiras
não matar a democracia pela pressa
é algures
entre não achar que já se sabe tudo
e não se achar que não se consegue nada
digo eu
1 comentário:
Olhar é querer ver tudo o que temos à volta. Se temos um quadro não lhe podemos ser indiferente, tal como não se pode ignorar o outro que está ao lado. Se olhamos só em frente, com os olhos esbugalhados pelo cansaço dos ecrãs e dos dias perdidos, não vemos nada: nem o quadro, nem os outros, nem o cão que passa. Vemos só aquilo que queremos ver, as ordens, as pressas, as incongruências - deixamos é de ver o vizinho do lado. Não sabemos como está o nosso vizinho, o nosso amigo, aquela pessoa ali ao lado.
O mundo não é só imaginação. Podemos imaginar um mundinho interior cheio de gente que não existe, sonhar com amanhãs que cantam. Podemos e tem de ser, mas sem sair do mundinho estamos sozinhos, sem estar com as pessoas não há amanhã que valha a pena viver e a vida torna-se curta para tanta extensão de mundinho.
Olhar e revirar os olhos é ver tudo distorcido. As formas e feitios moldam-se de maneira a que nos fujam. Olhar para si próprio é ficar com um fotograma que pesa-. Olhar e não fazer é ser mirone. Olhar e não ajudar alguém é ser só e só um.
Fazer com outra gente é saber das pessoas, é não fazer só por fazer ou só por pensar, nem é fazer só para si. É comer, beber e cantar com os outros. É pensar com os amigos e saber dos cansaços de cada um, das birras, dos sonos, das sinas, vidas e medos. E depois e também, sim, fazer. É dar abraços fraternos e sinceros. É pegar no outro e entusiasma-lo e é deixar-se pegar. Não fugir.
E falar é falar aos e com os outros. É conseguir dizer «não». É não falar dum pedestal a quem passa e ficar à espera que os transeuntes se toquem e se transformem. Falar é ir ter com os amigos e dizer. E dizer implica estar.
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