quinta-feira, 19 de setembro de 2013

dos brandos coturnos


pobre malmequer

                À FALTA DE RASGÃO

meter-se numa coisa não é aparecer na hora de apanhar as canas

meter-se na coisa
                estar metido                          pobre malmequer

é estar na altura de decidir como vamos fazer os foguetes e porquê

                meter-se na coisa
estar nos campos fazer experiências apagar os incêndios acidentes

                isto À FALTA DE RASGÃO

não é
sermos marionetas nas mãos dos deuses especializados que admiramos

oh pobre malmequer…

é
estudarmos a nossa parte
meter as mãos o corpo a cabeça
tentarmos saber de cor
largar as partituras dos hinos

saber de cor é dar
                    é ter dado
                    é estar a dar um sentido nosso ao que estamos ali a fazer

dar o corpo ao manifesto

estar lá pronto à hora a que o outro lá está pronto

ajudar à concentração conjunta
querer fazer

QUERER FAZER                 sem ordens sem obrigações sem coacções sem salário

fazer com outros não pode nunca ser terapia
fazer com outros é estar a viver

olhar nos olhos
todos os olhos de todos
nos olhos de todos aqueles olhos

é
pôr a cabeça a trabalhar
o espírito crítico a funcionar

não é
repetir gestos autistas
responder às ordens
exigir ordens
fechar os caminhos
emaranhar silvas nos trilhos

não é
fazer em cima do joelho a correr para apanhar a linha morta

é
saber olhar para pontos imaginários com uma intenção escolhida
ter os pés na terra
sentir as emoções do corpo ao lado pela respiração

não é
comentar o cão que vai a passar enquanto o companheiro ao lado se está a esforçar por encontrar o sítio de onde vamos juntos lançar os foguetes

meter-se numa coisa
à falta de rasgão
querer fazer
querer saber o que se está a fazer
querer decidir como vai ser feito o que se vai fazer
a coisa ser nossa
duma forma que inventámos

não é despachar sem tempo de olhar sem tempo de mexer

é preparar             mergulhar               antes

é não
voltar sempre à estaca zero como se não tivesse havido antes
esquecer reuniões anteriores
deitar para o lixo actas resumos vozes ideias e pessoas
e a experiência de fazer de outras maneiras

não matar a democracia pela pressa

é algures
entre não achar que já se sabe tudo
e não se achar que não se consegue nada

                digo eu

1 comentário:

Russian Bill disse...

Olhar é querer ver tudo o que temos à volta. Se temos um quadro não lhe podemos ser indiferente, tal como não se pode ignorar o outro que está ao lado. Se olhamos só em frente, com os olhos esbugalhados pelo cansaço dos ecrãs e dos dias perdidos, não vemos nada: nem o quadro, nem os outros, nem o cão que passa. Vemos só aquilo que queremos ver, as ordens, as pressas, as incongruências - deixamos é de ver o vizinho do lado. Não sabemos como está o nosso vizinho, o nosso amigo, aquela pessoa ali ao lado.

O mundo não é só imaginação. Podemos imaginar um mundinho interior cheio de gente que não existe, sonhar com amanhãs que cantam. Podemos e tem de ser, mas sem sair do mundinho estamos sozinhos, sem estar com as pessoas não há amanhã que valha a pena viver e a vida torna-se curta para tanta extensão de mundinho.

Olhar e revirar os olhos é ver tudo distorcido. As formas e feitios moldam-se de maneira a que nos fujam. Olhar para si próprio é ficar com um fotograma que pesa-. Olhar e não fazer é ser mirone. Olhar e não ajudar alguém é ser só e só um.

Fazer com outra gente é saber das pessoas, é não fazer só por fazer ou só por pensar, nem é fazer só para si. É comer, beber e cantar com os outros. É pensar com os amigos e saber dos cansaços de cada um, das birras, dos sonos, das sinas, vidas e medos. E depois e também, sim, fazer. É dar abraços fraternos e sinceros. É pegar no outro e entusiasma-lo e é deixar-se pegar. Não fugir.

E falar é falar aos e com os outros. É conseguir dizer «não». É não falar dum pedestal a quem passa e ficar à espera que os transeuntes se toquem e se transformem. Falar é ir ter com os amigos e dizer. E dizer implica estar.