quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

um poema de Manuel Canário

Sempre fui um operário

Sempre fui um operário
Em duas profissões
Mas nunca fui lacaio
Para mestres e patrões

Trinta anos de censura
Vinte de caixas sindicais
Quarenta anos de ditadura
Ena porra que é demais

Primeiro de Maio ganhámos
Para bem de quem trabalha
Tantos anos lutámos
P’ra vencer esta batalha

Sou pobre mas sou honesto
Nunca trabalhei a roubar
Há quem diga que não presto
Por não saber engraxar

Muita gente passou mal
Actualmente se esqueceu
Que havia um Tarrafal
E boa gente lá morreu

Sempre fui um operário
Agora deixei de ser
Hoje não tenho horário
Nem patrão para obedecer

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Bora mandar sapatos ao Bush!

Bora mandar sapatos ao Bush 1

Bora mandar sapatos ao Bush 2

A li(cita)ção - situação do Ensino Superior

Um texto (não é nosso) que deve ser conhecido. Digamos que é muito didático...
A li(cita)ção

PERSONAGENS:
Leiloeir@
Paulo Teixeira Pinto
Francisco Murteira Nabo
João Picoito
Charles Buchanan Jr
Alun@
Assistente d@ leiloeir@

Leiloeir@ – Boa tarde! Estamos hoje aqui, a pedido do Engenheiro José Sócrates, para leiloar a tão estimada Universidade de Lisboa, devido à falta de financiamento por parte do governo. A partir do próximo ano, a U.L. vai ter um défice de 6 milhões de euros, tornando impossível a gestão pública desta instituição. Estão abertas desde já as licitações. Agradeço que os licitadores não só proponham um valor para a compra, como também se apresentem, especificando por que razão seriam os melhores gestores desta Universidade. O senhor aí, por favor.

Paulo Teixeira Pinto – Então muito boa tarde, o meu nome é Paulo Teixeira Pinto e, como o resto das personalidades aqui presentes, foi-me reconhecido o mérito para estar presente na Assembleia Estatutária que decidirá os destinos desta instituição. Como devem saber, recebi ainda há pouco tempo uma reforma choruda do banco que geria, o BCP, como reconhecimento do meu esforçado trabalho durante vários anos…

Alun@ - Pois, pois… Tem uma gestão fraudulenta e ainda lhe pagam por isso…
Paulo Teixeira Pinto – Para além do mais, comprei agora uma editora, o que significa que participo activamente na produção de conhecimento no nosso país. Como devem imaginar, não tenho muito que fazer ao muito dinheiro que tenho e até fui aluno desta Universidade, portanto acredito ser o melhor comprador. Ofereço os 6 milhões de euros e comprometo-me, em nome de Deus, da Opus Dei e do Rei, a publicar todas as teses e trabalhos de investigação na minha querida editora.

Leiloeir@ – Temos uma primeira licitação. Quem dá mais?

Murteira Nabo – Boa tarde, eu sou o Francisco Murteira Nabo e creio reunir as melhores condições para comprar a Universidade de Lisboa. Nunca fica mal o dono de uma Universidade ter um curriculum tão vasto e extenso quanto o meu. Senão vejamos: fui Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, presidente da Companhia Portuguesa Rádio Marconi, vice-presidente da Sorefame, Secretário de Estado dos Transportes, Administrador da Companhia Industrial de Portugal e Colónias, Ministro do Equipamento Social (Obras Públicas) e Presidente da Portugal Telecom. Neste momento sou: Presidente da Câmara do Comércio e Indústria Luso-Chinesa, membro da Direcção da Associação Comercial de Lisboa, vogal do Conselho de Administração do Banco Espírito Santo, membro do Conselho de Curadores da Fundação Oriente, Presidente da Direcção da Proforum – Associação para o Desenvolvimento da Engenharia, Presidente da Direcção da Cotec Portugal – Associação Empresarial para a Inovação e membro do Conselho Superior de Ciência, Tecnologia e Inovação. Fui ainda considerado uma personalidade externa de reconhecido mérito e faço parte da Assembleia Estatutária desta Universidade, não sei muito bem porquê. Também não sei muito bem o que fazer com a Universidade, mas creio que a sua posse ornamentará de forma brilhante o meu curriculum. Assim, a minha licitação será de 6 milhões de euros… e o meu curriculum.

Alun@ - Com tanta coisa para fazer, não compreendo como é que tem tempo para decidir decentemente o futuro da Universidade…

Leiloeir@ – Muito bem, esta licitação superou a anterior. Quem dá mais?

João Picoito – Boa tarde, eu sou o Engenheiro João Picoito e também sou muito dado a currículos. No entanto, o meu é ainda mais interessante do que o do licitador anterior, visto que está intimamente ligado com o ensino superior: sou membro do Conselho Estratégico da Universidade do Minho, membro do Conselho Consultivo do Departamento de Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Professor Catedrático convidado do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro, membro do Comité Coordenador do Concurso Nacional de Inovação do Grupo Banco Espírito Santo, membro do Júri de Selecção do Concurso Nacional de Empreendedorismo do Grupo Caixa Geral de Depósitos e Universidade Nova de Lisboa, membro do Conselho Consultivo do Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores, e do Departamento de Engenharia e Gestão, ambos do Instituto Superior Técnico. Mas tenho ainda uma grande vantagem: sou presidente da Siemens Portugal, cargo de que muito me orgulho e que é uma via aberta para o sucesso desta Universidade, sendo assim possível vender, exportar e negociar todo o conhecimento para que ele seja investido em produtos desta empresa. A minha licitação é de 6 milhões e a oferta de sistemas de comunicações em ligação com o mundo empresarial.

Alun@ - Como se gerir uma Universidade fosse a mesma coisa que gerir uma empresa de telemóveis…

Leiloeir@ – Magnifica proposta por parte do senhor Picoito. Alguém dá mais?

Charles Buchanan – (com pronúncia inglesada) Boa tarde, eu sou o Charles Buchanan Jr e sou o Presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, cargo para o qual fui directamente nomeado pela excelentíssima Administração Norte-Americana, presidida pelo senhor George W. Bush. Ofereço 6 milhões de euros e uma ligação privilegiada às grandes multinacionais norte-americanas, na condição de explorarmos todas as patentes produzidas na universidade. Posso não ter tanto currículo, mas sem dúvida tenho muito mais power!

Alun@ - Yes, you can mr. Buchanan… O problema é mesmo esse!

Leiloeir@ – Deslumbrante!! Bem, penso que será bastante difícil superar esta brilhante proposta… Alguém dá mais 1?... Alguém dá mais 2?... Alguém…

Aparece @ assistente que segreda ao ouvido d@ Leiloeir@

Leiloeir@ – Bem, acabou de me chegar a informação de que temos uma licitação ainda mais alta. No leilão da E-Bay, o banco Santander-Totta acabou de fazer uma altíssima licitação: aproveitando os vários milhares de milhões de Euros que o governo lhe disponibilizou, vai comprar a Universidade, garantindo, assim, que esta saia ilesa da iminente crise financeira. Quem dá mais 1? Quem dá mais 2? Quem dá mais 3? Arrematado para o banco Santander-Totta! Que magnífico negócio! Obrigado pela vossa presença e boa tarde!

Alun@ - Boa! Um banco comprou a Universidade… (raciocinando) Agora peço um empréstimo para pagar as propinas aos mesmos tipos que são donos da Universidade a que tenho que pagar as propinas. E depois ainda tenho que pagar, com juros, o empréstimo que fiz para pagar as propinas aos mesmos gajos a quem tive que as pagar! A formação para a vida inteira torna-se a dívida para a vida inteira… Isto é ridículo!

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Eduarda Dionísio sobre João Martins Pereira

1. João Martins Pereira calou-se, muito antes de morrer, antes mesmo de estar muito doente. E desse silêncio somos todos – mais os amigos do que os inimigos – responsáveis. Culpados, ia dizer. Mas julgo que ele gostaria mais da primeira palavra. Silenciado, silenciou-se. O esquecimento (histórico e prático) do espantoso jornal que foi a Gazeta da Semana (por altura da 1ª campanha do Otelo) é uma pedra bem aguda neste seu silêncio, para mim insuportável – mais de resistência do que de desistência, eu sei.

2. É verdade que JMP sempre acreditou mais em si como homem de saber (preciso), de pensamento (claro) e de escrita (concisa) do que como «actor» de sessões públicas, ecrãs e microfones. E de cargos. A passagem por uma Secretaria de Estado foi uma grande e curta excepção. Aguardo, ansiosa, que alguém se ponha a estudar a sua agenda de trabalho, que ele depositou no CD 25 de Abril.
JMP é um caso raro. Arrisco: o único intelectual de esquerda do pós-guerra, nesta terra, sem qualquer sedução pelo «estrelato», o reverso da vedeta. Um homem das economias, formado nas engenharias, para quem as artes existiam – literatura, evidentemente; cinema, muito; teatro, algum; pintura também.

3. Lembro-me bem da sua caligrafia miúda e da paginação do que escrevia à mão, com margem certa, mais rigoroso do ninguém, entregue sempre a horas, para publicação (no Combate de uma certa altura, nos Cadernos do Elefante, edições mais «marginais» do que outra coisa) ou para ajudar os outros (uma fui eu) a escrever sobre assuntos de que ele sabia mais – disponibilidade sem medida.
4. Sem ele, nunca teria tido uma relativa segurança quando me meti em «aventuras».

É difícil de descrever e avaliar a sua invisível participação na 1ª campanha das Europeias do PSR, em 1987, quando se tratava de dizer que a Europa não era aquela, com vários independentes, entre os quais ele: a sua atenção e rigor limparam e enriqueceram (factos, parênteses, números, ideias) os textos inicialmente escritos a duas mãos, pelo Jorge Silva Melo e por mim.
Nunca os 10 anos da Abril em Maio teriam sido aqueles que foram, se não tivesse sido ele a escrever a convocatória para os dois fins-de-semana de festa onde a Abril em Maio nasceu.

5. Escrevi muitos papéis, anónimos, colectivos, quando ele não estava ou já não estava ali, a pensar «como é que o JMP escreveria isto?» ou «o que é o JMP pensará disto?»
Por isso, não sei como é possível andar-se pelas esquerdas sem nunca ter lido O Reino dos Falsos Avestruzes ou como se JMP não o tivesse escrito.
JMP (que não acreditava em frentes com inimigos de raiz tornados amigos de superfície) foi e continuará a ser para mim uma referência que não morre. Sou quase incapaz de escrever sem citar umas frases suas que dizem o que não sei dizer de outra maneira: que os dois anos do chamado PREC foram os únicos em que milhões de pessoas viveram no verdadeiro sentido da palavra; que não é possível confundir «empenhados» e «alistados».
Aprendi com ele que o «não me apetece» é o maior critério para as recusas – o apetite e o não apetite têm política dentro.

6. De há um tempo para cá, tenho tido saudades do JMP e agora vou ter mais ainda. A sua morte abre um grande buraco, que se acrescenta a outros. Gostava de ter pelos menos 50 páginas à disposição para poder falar dele.

Eduarda Dionísio
14-11-08

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

a menina pires diz que há uma hipótese

superar a crise
fazendo uma mise
ultrapassar os espanhóis
no consumo de caracóis
escrever cem vezes numa folha
as leis da rolha
combater o desemprego
com mais polícia
acabar com o emprego
com mais perícia
dar à crise financeira
uma vaca leiteira
e quando faltar dinheiro
pagar o jantar ao banqueiro
sermos mais tolerantes
como éramos dantes
pôr na televisão fado
e revivalismo furtado
avançar com o despedimento
para viver o momento
sair da cauda da europa
e ir para os dentes da europa
o país desaparece
e com ele o iérreésse
e por fim descansados
no monitor sentados
acender virtualmente a lareira
pôr a manta e a joelheira
clicar no progresso
e chorar o último impresso

domingo, 5 de outubro de 2008

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A Casa da Achada

(clica na imagem para leres o texto)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Rita Canário

um andar engraçado
a cabeça que atirava para o lado
a voz rouca o riso contido
uns “não é?” no fim das frases
vi-a também a chorar
e também com muito muito álcool
uns “não é?” muito doces às vezes
com a voz a ficar mais grave e sincera
muito computador e números
e sei lá mais o que estou para aqui a dizer
o que estou para aqui a dizer
sem dizer em voz alta

dantes naquela altura
eu fazia uns jogos que podiam dar por exemplo:
«A Rita dança ao sol com o Olímpio no planeta Asteróide B612 e diz “porquê?”»

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Por isso é que o caminho não é sempre em frente

Por isso é que o caminho não é sempre em frente
a rocha grande, o atalho,
a grande plantação de malmequeres,
o alcatrão demasiado liso,
um farol a apontar para trás

Por isso é que o caminho não é sempre em frente
o lixo, a pergunta, a esquizofrenia,
a polissemia das ideias,
o regato fresco em horas de sol,
a cancela e o cartaz a dizer:
«detido pelos detentores»

Por isso é que o caminho não é sempre em frente
o ar, os aviões, as nuvens
as cavernas de estalactites
até ao coração quente da terra
e buracos negros

sábado, 16 de agosto de 2008

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

C. C.

Apague o seu cigarro e entre.
Venha calçado.
Tape várias partes do corpo.
Traga dinheiro ou um cartão bancário.
Apague o seu cigarro e entre.
Deixe o cão na rua.
Se não tiver telemóvel traga trocos para as cabines.
Ande.
De trás para a frente, de um lado para o outro.
Não se sente nas escadas.
Não corra nos corredores.
Coma e compre.
Beba e babe-se.
Saia e acenda o seu cigarro.

Revolução

É o melhor para a saúde
É o melhor para o amor
É o melhor para a alegria
Veja isto por favor

Tem abertura fácil
Tão prática e barata
Tem muitas cores

Toda a gente quer
Mas tem receio de experimentar

É útil, excitante, indispensável
É urgente, importante, homem e mulher

Toda a gente quer
Mas tem receio de experimentar

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

terça-feira, 29 de julho de 2008

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Falta de amnésia

Está difícil imaginar o futuro
o presente é um muro
duro

É preciso esquecer para
lembrar o que vai
acontecer

Abre-se a reminiscência
o parto luminoso
aprender

Não existe o espírito eterno
é só brilho ideal e parte
da ignorância

Não podes reencarnar
mas podes convidar filósofos
para jantar

E assim uma mentira grega
pode ajudar a esquecer
a esquecer a verdade

segunda-feira, 21 de julho de 2008

O sextos da Kylakäncra

I

tu numa carcaça vermelha
semi-recheada de estruturas
com bases anti-raio de ligação ao mundo

juntas as pestanas em ralenti
acalmas o tambor do peito
abres os canais e eles quase latejam

queres a estrela só reflexo
articulando a asa está frio
acendes depois de tudo um cigarro

tu numa carcaça vermelha
ela de olhos fechados
ela a dormir e tu não consegues

não és uma máquina
não tens motor
o vermelho grito afinal é teu


II

quatro luzes na ribalta
a luz dos que gritam
a luz dos que sorriem
a luz dos normais
a dos amigos dos animais

a força vem da primeira
a dúvida vem da segunda
o rangedor é na terceira
o veneno vem da última de todas


III

se grande se escreve
com letra pequena
e pequena
se escreve com letra pequena
temos duas pequenas:
uma pequena e outra grande


IIII

o papel mas
no outro sentido
no outro sentido

as letras no mesmo
quando já se virou o sentido
do papel

também se podia virar
o sentido das letras

é tão raro


IIIII

páginas aos sextos mal vincadas
os tímpanos quase furados
um subproduto humano a ajudar

para quê descrever o quadro?
e se um grão de terra do chão
se começar a mexer?
um som a crescer?

de repente

voltaram os tímpanos
seria para durar?

dormir
dor-mir é que era bom


IIIIII

sempre que aquele cão se aproxima
o outro rosna.
é preciso que se afaste um cão do outro!
devem chamar-se muitos cães
e aumentar a confusão;
que a matilha seja um labirinto
para o cão que se aproxima
e para o cão que rosna!
é preciso apaziguá-los
domá-los
catequizá-los!
E que ninguém rosne neste país!


IIIIIII

ouve
quero sair daqui
quero ir-me embora, partir, sumir
fugir
deixa-me fugir contigo
e para onde formos que seja longe
longe mas quente
e as minhas têmporas aí amolecerão
contigo e mar a brilhar em frente
ou então por todos os poros
o mar

quinta-feira, 17 de julho de 2008

elefante














elefante é príncipe
porque liga infante
e elegante

elefante é grande,
maior do que o homem,
e pesa

elefante tem uma tromba que faz tu tu tu tu
elefante tem uma tromba que canta
que canta

elefante é da selva,
filho d’algo rebelde,
e marca

elefante é animal
pisa a flor do chão
e repisa

sexta-feira, 11 de julho de 2008

mais uma lição de francês


A menina pires pensou em ir à manifestação
contra a família, a propriedade e o estado,
mas não pode.
Tem a lição de francês,
depois vai a correr para a festa de casamento
da sua melhor amiga.
E ainda tem de se vestir.

pires


sombra de dúvida

Uma sombra é uma região escura
formada pela ausência parcial da luz,
proporcionada pela existência de um obstáculo.

Shadow of a doubt
Hitchcock, 1943

chanson de la pierre

j'aime bien la trotinette
j'aime bien le révolu
j'aime bien si tu es bête
j'aime le pion et le fou
j'aime la tempête
j'aime l'amèr
j'aime la pierre
de la rue



j'aime mal la douceur
j'aime mal l'amour
j'aime mal la peur
et l'épée de la peur

j'aime la tempête
j'aime la trotinette
j'aime la pierre et le chien
de la rue

(a menina pires dá erros em francês)

terça-feira, 8 de julho de 2008

antes


antes a porca matéria

que as ideias de ferro

miséria

é não cometer nenhum erro

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Senhoras fortes

clica na imagem para leres o texto

Modas & Bordados, 21/2/1945, p. 8

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Último ano do Curso de Teatro do Conservatório Nacional

Ponto escrito
Nos tempos remotos o que predominava, as eloquências ou a lógica?
As eloquências.
Os antigos quando falavam a um auditório composto na sua maioria de gentes incultas deviam dirigir-se mais às razões ou às paixões dos ouvintes?
Às paixões dos ouvintes.
O que é tom de voz?
É o timbre especial de cada aparelho vocal. Este timbre tem relações muito íntimas com a maneira de sentir, com o caracter isto é tem caracteristicas que se prendem com a personalidade.
O que é articular?
É pronunciar destacada e distintamente as palavras e as silabas.
O que é representar?
É um conjunto de teorias e regras que o comediante se serve para interpretar e dar vida ás personagens que lhe são confiadas para apresentar em público.
O que é falar?
É reproduzir em sons os pensamentos.
O que é a palavra?
É um som articulado, constituido por uma ou mais silabas e que exprime quási sempre rudimentarmente uma ideia.
Como se combate a ignorancia?
Com estudo, aplicação e força de vontade.
O que é interpretação?
Emprestar à linguagem os sentimentos que a devem acompanhar, tal e qual como se essas linguagens ou situações faladas fossem vividas nesse momento.
O que é criação?
É conceber qualquer coisa de novo.
O que é marcar?
Dar a movimentação dos personagens em cena.
O que é a linguagem do gesto?
É a combinação de movimentos do corpo que são um complemento valioso para o actor e que valorizam a dicção.
O que é expressão?
Traduzir por transformações do rosto os sentimentos que acompanham cada personagem.
O que é a comédia?
Peça satirica, engraçada em que predomina o ridiculo.
O que é o drama?
Narrativa animada de acontecimentos comoventes.
O que é a farsa?
Peça burlesca de situações ridiculas.
O que é a tragédia?
É um acontecimento que desperta piedade ou terror.
O que é pantomima?
Arte de traduzir sentimentos pela expressão.
O que é acústica?
É a parte da fisica que estuda os fenómenos do som.
O que é optica?
É a parte da fisica que estuda os fenómenos da luz.
O que é dialecto?
Ramo de qualquer lingua que tem com ela afinidades de origem e de sonancia.
O que é pronunciar?
Todos os individuos falam, mas poucos pronunciam isto é nem todos teem a fala educada. Pronunciar é o falar educado.
O que é pronunciar um idioma?
É servir-se das palavras desse idioma para falar.
Como se marca uma peça?
Indicando todos os movimentos dos personagens.
O que é o sentido da palavra burlesco?
Ridiculo, grotesco, caricato.
Lisboa 21 de Janeiro 1944
Maria de Lourdes Ferreira

1º ano do Curso de Teatro do Conservatório Nacional

Arte de Dizer
(e sua definição)
a) O que significa dizer bem?
a) É dizer de forma que todos compreendam o sentido do trecho que se está dizendo.
b) Como se aprende a dizer bem?
b) Pronunciando com todas as clarezas e com as inflexões indispensáveis a cada palavra articular muito bem, fazendo as devidas pausas e fazendo bem a acentuação etc.
c) A Arte de Representar é indispensável na Arte (digo sem efeito)
c) A Arte de Dizer é indispensável na Arte de Representar e porquê?
c) Porque para ser um bom actor é indispensável ter uma boa dicção para assim ser compreendido pelo os espectadores.
d) O que se entende por Arte de Representar?
d) É encarnar o personagem de qualquer peça.
e) A quem pode interesar a não ser aos artistas de teatro o dizer bem?
e) Aos advogados aos conferentes e a todos os que falam em público.
f) Como é que a Arte de Dizer e a Arte de Representar se conciliam e completam reciprocamente?
f) Porque sem uma ser feita a outra não pode ser.
g)Como se deve fazer a análise de um trecho seja êle prosa ou verso?
g) Compenetrarmo-nos das ideias dos outros e do género e sendo poesias da métrica do verso.
h) Dum modo geral para lêr expressivamente um trecho em prosa ou recitar qualquer trecho em verso a que trabalho preliminar se deve proceder para fazer uma leitura expressiva e uma recitação artística?
h) Compreender bem o trecho e dar-lhe o colorido próprio a cada frase.
i) Como efeito teatral o que se dve procurar dentro de qualquer trecho?
i) A palavra de valor.
Teoria do célebre actor Got aplicar em qualquer trecho
j) O que entende por dicção?
j) É a forma de dizer.
k) Em que consiste a perfeição na Arte de Dizer?
k) Dizer com correcção e com clareza pronunciar bem as vogais dizendo bem as consoantes fazer as inflexões devidas ter expressão no lêr.
l) O que se entende por divisão racional da frase?
l) Fazendo a divisão conforme a pontuação.
m) Como se divide uma frase correctamente?
m) Atendendo a sua pontuação.
Fenomenos mecânicos da respiração: Inspiração e Expiração
n) Quais os órgãos do corpo que interveem nestas duas acções mecânicas?
n) Pulmões e diafragmas.
o) O que se entende por pontuação expressiva?
o) Pontuação bem feita.
Recursos da expressão:
Pausas, respirações demoras e silêncios
p) O que quer dizer afinação prévia?
p) Procurar antes de dizer o tom em que se vai falar.
q) O que é entoação?
q) O tom de voz em que se fala.
r) O que se entende por colorido da frase?
r) As diferentes inflexões que dão o tom mais alto ou o tom mais baixo.
s) Como descobrir o verdadeiro colorido da frase e meio de o fazer sentir?
s) Lendo-a com atenção e meio de o fazer sentir vivê-lo e meio de o fazer sentir a quem nos ouve.
Inflexões
t) O que é a articulação?
t) É a maneira como se pronuncia qualquer palavra.
u) Definição ou descrição do que seja a Arte de Representar.
u) É interpretar qualquer peça de forma mais natural possível.
v) Pronunciação o que é?
v) É a maneira de articular.
x) Quais as qualidades indispensáveis para uma boa dicção?
x) É ter timbre e não ter defeitos.
z) O que se entende por música da palavra?
z) É a maneira como se entoa.
Lisboa, 20 de Março de 1941
Maria de Lourdes Ferreira

e tu sabes quem é o Woody Guthrie?

domingo, 29 de junho de 2008

Há coisas que não se podem dizer
mas que talvez já se possam cantar.

Heiner Müller

citação e colagem


Contra o proletariado que se levanta, a burguesia e a pequena burguesia armaram-se, entre outras coisas, com "cultura". É um velho passatempo da burguesia. Mantêm de pé uma "arte" para defender a sua cultura em colapso.

John Heartfield
segundo George Grosz

tradução: silhueta

quinta-feira, 26 de junho de 2008

ai M

tela mi
o ó tu e o si
ai M
meu M
ai M
ser
acusação denúncia fiscalização

O Maio no Junho


parece que não vejo nada
tudo a três dimensões
era melhor cinema
projectadas
três em duas
e das duas uma
ou a revolução contínua
ou morremos devagar

não quero morrer devagar

rasteira

Deixa ver
tira isso da frente
deixa ver
os pontinhos quadradinhos
... está bem
mas deixa ver
o que está escondido
por trás disso

está escondido
o olho que viu o melro
o melro que viu o bico
o bico que tocou orelha

A orelha é feia
tão feia como o dedo grande do pé
orelha baixa
orelha rasteira

vou para casa

- Vou para casa fazer a barba
- Vou para casa cortar o cabelo
- Vou para casa mentir às janelas
- Vou para casa e antes às compras

quarta-feira, 25 de junho de 2008

terça-feira, 17 de junho de 2008

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Marquês de Sade, A filosofia na alcova


Um juramento deve ter iguais efeitos para todos os indivíduos que o pronunciam; é impossível que ele possa vincular aquele que nenhum interesse tem em vincular-se a ele, porque então deixaria de ser um pacto de um povo livre: passaria a ser a arma do forte contra o fraco, contra o qual este deveria incessantemente revoltar-se; ora é isso que acontece com o juramento do respeito pela propriedade, agora exigido pela nação; é o rico quem vincula o pobre, só o rico tem interesse no juramento que o pobre com tanta inconsideração pronuncia, sem ver que, mediante esse juramento, extorquido à sua boa fé, se compromete a fazer uma coisa que em seu favor ninguém poderia fazer.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Da capital

Lisboa, 15 de Janeiro
A ofensiva contra a subida de preços e falsificação de géneros alimentícios
O Tribunal Colectivo de Géneros Alimentícios julgou e condenou as seguintes firmas:
Gabriel Marques, rua do Sol ao Rato, 213, Lisboa, manteiga falsificada, 2.000 escudos de multa e respectivos adicionais; Luisa Alves Maia, de Vila da Feira, leite falsificado, 200 escudos de multa e adicionais; Manuel Herédia Baqueiro, estrada da Torre, farinha falsificada, 3.000$00; José Joaquim Dias Tavares, calçada do Jôgo da Pela, 14, abóbora e cereja com alumen, 2.500 escudos; Borges Gomes & Santos, L.da, rua da Beneficência, farinha imprópria, 500 escudos; Adelaide da (...) nho com excesso de acidez, 500 escudos; Gomes & Marques L.da, rua da Prata, 163, massa alimentícia imprópria, 200 escudos; Gualdino Pedroso de Lima, de Santo Tirso, azeite falsificado, 2.500 escudos; Manuel Bravo Borges, rua da Rasa, 295, café descafeinizado, 500 escudos; Sociedade Industrial Vitória, do (...) pes da Cruz e Manuel Silva Baptista, Maia, Pôrto, leite falsificado, respectivamente 1.000 e 1.500 escudos; Padaria Regina, do Pôrto, farinha falsificada, 1.00 escudos; Sociedade Avenida Café, rua Jardim do Regedor, conhaque de categoria inferior á do rótulo, 1.00 escudos e três meses de prisão, remíveis a dinheiro; José Luciano Correia Amaral, Coimbra, farinha falsificada, 1.500 escudos; Adelino José do Vale, Setubal, vinho impróprio para consumo, 3.256 escudos; Manuel Joaquim Pereira Braga, farinha falsificada, 500 escudos; Manuel João, do Pôrto, aguardente falsificada, 500 escudos.
O Primeiro de Janeiro, 16/1/1940, p. 4

terça-feira, 27 de maio de 2008

Teatros e Cinemas

- Um «assíduo leitor» do nosso jornal lembra a conveniência de as «matinées» teatrais começarem meia hora mais cedo, a fim de poderem assistir a elas as pessoas que da outra margem do Tejo se deslocam a Lisboa aos domingos, de modo a apanharem ainda o vapor de regresso.
- Conforme noticiámos, o actor Jean Sarment e sua esposa, a actriz Marguerite Valmond, encontram-se há dias no Estoril, onde contam demorar-se até à sua próxima partida para França. Jean Sarment anunciou que vai escrever uma peça, cuja acção se passa em Portugal e que se intitulará «Madame Estoril»

Diário de Lisboa, 29/2/1940, p. 9

segunda-feira, 26 de maio de 2008

A estrada do Outão continua a avançar para o mar

SETUBAL, 13 (Pelo telefone) - O troço da estrada do Outão, em frente de S. Braz, continua a deslocar-se de forma bastante acentuada. Tudo indica que ela tende a resvalar para a margem do Sado. O abatimento é cada vez maior. As fendas alargam-se em niveis diferentes que se contorcem cada vez mais.
Contam-se por milhares as pessoas que têm visitado o locar para ver o extranho fenomeno.
Diário de Lisboa, 13/2/1940, p. 2

sábado, 24 de maio de 2008

terça-feira, 20 de maio de 2008

a trama

a trama primeiro da primeira mãe, da origem do mundo, a trama da que trama a vida sentada, ao tear, esperando ou esquecendo o homem mas nunca esquecendo o dever de urdir
essa trama ficou com as dores nas voltas e entroncamentos da linha
a trama da vida de hoje, tramada, a trama das estradas, das ruas, dos caminhos de sinais de trânsito, luzes, pontes e loopings, das redes virtuais e das redes de pesca que cada vez mais apanham peixes petroleados
a trama dos sons, das notas que não se escrevem, dos ruídos, das frases e palavras que se misturam umas com as outras e se ligam e desligam enquanto andamos pela cidade
a trama da nossa cabeça
a nossa cabeça urde e desurde pensamentos, tece e destece ideias e ainda as remenda e ainda as rasga, e tem também nós tremendos lá dentro, alguns tão difíceis de desatar...
e ainda quando nos tramam, todos os dias a todos os minutos
quando eles nos tramam
e ainda da possibilidade que temos de tramá-los a eles
a trama cantaremos se a tanto nos ajudar o engenho e arte

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Mary Pires

Mary, que estava semiadormecida, endireitou-se no acento do carro, olhou para a propriedade e viu as formas vagas de árvores baixas que voavam lá fora como grandes aves suaves; e mais além um céu nebuloso, semeado de estrelas. O cansaço relaxava-lhe os membros, acalmava-lhe os nervos. O estado de tensão em que passara os últimos mess trazia-lhe agora, como reacção, uma aquiescência entorpecida, um torpor que era quase indifirença. Pensou que, para variar, seria agradável viver de modo pacífico; não se tinha apercebido de como estava exausta depois de todos aqueles anos, sempre a postos para a exigência seguinte. Dizia a si própria, decidida a encarar os factos que ia «aproximar-se da natureza». Era uma frase que disfarçava o seu pouco amor às estepes. «Aproximar-se da natureza», o que, afinal, até era confirmado pelo suave sentimentalismo do tipo de livros que lia, era uma abstracção tranquilizadora. Quando trabalhava na cidade, muitas vezes, aos fins-de-semana, tinha ido fazer piqueniques com montes de gente nova, ficando todo o dia sentada à sombra sobre pedras quentes, ouvindo um gira-discos portátil a tocar música de dança americana, e nessas alturas também pensara que era «um aproximar-se da natureza». «Sabe bem sair da cidade, não é?», costumava dizer. Mas como acontece com a amioria das pessoas, as coisas que dizia não tinham a menor relação com as coisas que sentia: ficava sempre profundamente aliviada ao regressar à água fria e quente a sair por torneiras, às ruas e ao escritório.

Doris Lessing, A erva canta

A dream itself is but a shadow


The way the wind blows (no sentido em que sopra o vento)

The wind blows
the way the wind blows.
They are sitting
but they will go.
The wind blows
the way the wind blows.
They're the dull class
the beggars' shadows
and they sit
and they go.

They will go
the way the wind blows.

O vento sopra
no sentido em que sopra o vento.
Eles estão sentados
mas hão-de partir.
O vento sopra
no sentido em que sopra o vento.
São a chata classe
sombras de mendigos
e sentam-se
e vão.

Eles hão-de partir
no sentido em que sopra o vento.

(anónimo século XVII, tradução menina pires)

terça-feira, 13 de maio de 2008

No quintal

No quintal da minha avó havia: caracoletas, lagartixas, jarros, bichos da conta, uvas, que ela descascava para eu comer, um galo, uma capoeira vazia, muitas ervas daninhas, um tanque, bichos da conta e um muro donde se falava com a Isaura. E passavam gatos.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Tão longe, a guerra


No parque infantil aqui à frente
cai uma bomba indecente
Que sorte! Nem um puto escorregava
- o baloiço estava em obras há três anos
Estilhaços chegam aqui à janela.
Amanhã comentadores, mentiras belas:
«É preciso realismo, exterminar a compaixão»...

Para acertar manda-se mais um avião.

infância1985

Coisas miúdas aprendem cedo que a matéria é suja e perdem os amigos que se fizeram no chão.
As grandes cabeças em vôos com dores mandam lavar as patas.

randori dois

não sei como te chamas
não preciso
a perna varre-se hoje
pelo pé
eu deixo que o combate
fique escrito
detesto quando o passo
fica hirto
não sei como te chamas
quero o tenso
do braço que desenha
o meu kimono
a luta é leve e livre
- somos iguais
consensos, contratos,
compromissos,
derrubados pelo peso justo disso.