terça-feira, 30 de setembro de 2014

com que mundo sonho quando estou acordado

[para o desafio da Casa da Achada - Centro Mário Dionísio]

os sonhos que eu tenho são tantos
medonhos ou em esperanto
de espanto
sem santos
sonhos em que são as mãos das gentes
a construir pingentes dentes lentes
e também têm diluente
para apagar o por-si-só
para apagar o com-dó
para apagar este nó
do dia cinzento
e também têm fermento
de fazer crescer relações amizades construções sem piedade
com vontade 
nada por rotina amorfa  se for assassina e coxa 
mas por rotina do encontro
e também têm confronto
muitas discussões acesas murros nas mesas
brilho nos olhos

olhos de maçariku
mijar fora do penico
pra ter um penico – no quarto
pra lutar contra o penico – da praxe
pra ver se depenico o macho
e se o despacho até ser história

quando sonho acordada estou desanimada
mas quando sonho acordada vejo outra estrada
quando sonho acordada estou bué irritada
mas se sonho acordada…
se sonho acordada não sonho a dormir
se sonho acordada não vivo sem sonhar
se a vida tem sonhos porquê separar a falta de vida e a vida a fazer
juntamos eu, tu, ele, pele com pele
pêlo com pêlo
- isto é um sonho
mas podemos fazê-lo -
e a tua cena e o meu combate
a lua, a pequena, o papel mate
os gritos da gente com casa e da casa com gente
não nos roubem a rede nem a semente
comprimidos no lixo, não somos doentes
não quero mais pra trás, quero lá à frente
traz a frigideira, eu levo um pente
sonha comigo, vais estar presente?

depois sinto-me sozinha de repente
(mas isto é sonho ou é acordada?)
e por isso não durmo  só fumo
não como  só um gomo
não mijo  só finjo
não aqueço  só deixo amargura
encarapaço a ternura
apodreço por dentro, escura
e a pincelada discrepante o riso dissonante o poeta ao viandante
está sempre ao virar da esquina, sonho
cor amarelo espesso e vivo, sonho
toque nos ombros psst psst dança, sonho
frase ingénua duma criança, sonho
e os reguilas dos putos o lodo dos xutos
não te deixes cair em tentações melancólicas
acrescente-se melodramancólicas
acrescente-se alcoólicas
acrescente-se apostólicas
ou pistólicas ou bucólicas

sonho com saber se te vou ter comigo
no meio do perigo
sem abrigo, a experimentar
esta outra forma que desenhámos
mais um tentar que ainda não tentámos
mais um gritar que ainda vivemos existimos resistimos
no meio do laranja psd e do ps laranja
no meio da canja da galinha dos ovos de crise
untada com creme Grise, perfumada com Breeze
segurada por teasers, bastões e detenções
barreiras e fronteiras, prisões
preços terços e prestações
eu não sonho a prestações vai-se-me a cabeça rolando
ruminando rodando os filmes da insónia
nitrato de amónia
são quatro da manhã e eu quero dormir e só sei
sonhar acordada

por isso é difícil adormecer

1 comentário:

Gica disse...

Eu não tenho que provar nada e vinha aqui só dizer que gostei do poema e do modo como foi dito mas agora para o fazer tenho que dizer 1440 PARA SE VER QUE NÃO SOU UMA MÁQUINA A ARROTAR :D