sexta-feira, 17 de junho de 2016

A menina pires reescreveu um soneto ao jantar

Magoam-me de acusação e despedida

Magoam-me de acusação e despedida
como se todo o esforço dos meus braços
não fossem erros vossos, homens baços,
e a minha falta a tua, toda a vida.

Hei-de cantar-vos a revolta um dia, 
quando a noite que carrego for futuro
do sol que me esvazia como um furo, 
e chegar outra cidade menos fria. 

Entretanto, deixai que ache injusto: 
até que o furo feche e rache o busto, 
seja o álcool noutra mesa bem queimado. 

A minha cor é verde, a raiva sabe: 
que o combate dentro dela nunca acabe, 
e transborde até deixar de ser lixado. 


O original de Carlos de Oliveira:

Acusam-me de Mágoa e Desalento

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Carlos de Oliveira, in 'Mãe Pobre'

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