Perdi o caderno castanho da marca
vermelha. Tinha lá escritas as notas do secretário, agora
irrecuperáveis. Esforço-me por reconstituí-las de memória. Mas
antes deixem-me contar-vos como perdi o caderno castanho da marca
vermelha.
Num escuro fim de tarde de Fevereiro em
Lisboa cruzei-me com um homem (tinha a aparência de o ser, pelo
menos) ali ao jardim da Gulbenkian, numa rua lateral, a Marquês Sá
da Bandeira, se não estou em erro no nome. Passei por uma pequena porta verde de uma antiga tabacaria abandonada. Levantei a cabeça, vi-o no reflexo do vidro passar por mim. Passei por
ele, olhei-o ainda um instante. O estranho homem, cicatriz na testa, mais alto que eu talvez
poucos centímetros, magro e seco, fugiu rápido com o olhos
vermelhos, fechando o sobretudo preto e puxando a gola numa simulação
de frio. Naquele segundo percebi que me tinha desaparecido o caderno
castanho da marca vermelha. Ao lembrar-me do seu casaco tremi de
pavor, como Edgar Allan Poe me tinha ensinado no livro. Subitamente
entendi - aquele homem era eu mesmo. Mas o caderno já não estava no
meu bolso.
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