menina,
a sua silhueta disse-me
da maneira mais bonita
que já não acorda com os meus olhos
e contudo eu vi na sombra
verdes e castanhos, quase amarelados à volta
esses seus que sem luz vêem o cá dentro
vi-os com menina
vi-os com será
vi-os carregados
com a dor alheia
e um robalo
Depois disto, a menina cantou:
vai amar
pescador
pesca pesca
pesca peixe pesca
senta-te à mesa
e bebe
pescador
bebe vinho bebe
deita-te na cama
e dorme
pescador
dorme tudo dorme
quarta-feira, 30 de julho de 2014
de meu bem desenganado
Engano?
Não! Porquê engano?
Sim, é tudo biologia.
É tudo cultura e biologia.
É tudo comida, cultura e biologia.
É tudo bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo música, electricidade, bebida, comida e biologia.
É tudo história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo linguagem, mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo jogo, linguagem, mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo poesia, jogo, linguagem, mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
(Engano não, engano não, engano não, engano não.)
Não! Porquê engano?
Sim, é tudo biologia.
É tudo cultura e biologia.
É tudo comida, cultura e biologia.
É tudo bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo música, electricidade, bebida, comida e biologia.
É tudo história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo linguagem, mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo jogo, linguagem, mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
É tudo poesia, jogo, linguagem, mar, física, química, história, música, electricidade, bebida, comida, cultura e biologia.
(Engano não, engano não, engano não, engano não.)
com algumas raízes
#
inimigos os cemitérios que fecham
às seis de todos aqueles que receiam não ser anónimos nestas ruas mas que
desejam tanto como os outros sentir na pele e nas sinapses este calor seco de
derreter dedos nos dedos com esta luz acásica mágica
para poder a escrita estar aqui
é preciso ser-se anónimo
é preciso ser-se adolescente
para ser-se anónimo
- O teu tempo já
passou
- O teu sorriso
passou agora
ser-se louco ser-se louco
ser-se louco é outra hipótese
##
de repente a rua
era minha como
dantes
mas eu estava
excitada demais com
essa surpresa
não conseguia estar toda cá
percebi o lado
autodestrutivo
de agora e de antes
dedos nos dedos com
o mais intenso
prazer
talvez ganhe forças para ir comer
quando o sol se puser
no horizonte que não vejo
(só clarões atrás de prédios)
mas onde?
o quê?
###
não saber parar
não saber não
re-levantar
ter medo dos outros
raiva dos sons
falta de equilíbrio
sufocar
imobilizar
por dentro explodir
- e não sou a única
que mundo estúpido
como está.
quarta-feira, 16 de julho de 2014
terça-feira, 15 de julho de 2014
metro do fim do dia
quero saber da temperatura da água
deixar de fumar por hoje
mas não vou dispensar aquele
quantas vezes flashes
dos quinze anos da caneta mágica
da calma, de árvores, de cadernos
vou esquecer-me da saída assim
sair nos moinhos altos
esfarinhada em pão
que mundo a correr
que saudades do estoril 1947
que medo dessa data nessa praia
deixar de fumar por hoje
mas não vou dispensar aquele
quantas vezes flashes
dos quinze anos da caneta mágica
da calma, de árvores, de cadernos
vou esquecer-me da saída assim
sair nos moinhos altos
esfarinhada em pão
que mundo a correr
que saudades do estoril 1947
que medo dessa data nessa praia
terça-feira, 8 de julho de 2014
constelações às turras
Dor do estar
na água que se ensalobra
no podium a fazer de taça
com a dura carcaça
furada pelas balas
sem as tuas
lucidez e mãos quentes
de peito dormente
de groselha regada
posta no meio da estrada
gritando pus
devagarinho derretendo
moendo os ossos
descansa-me as palpitações
falar
na água que se ensalobra
no podium a fazer de taça
com a dura carcaça
furada pelas balas
sem as tuas
lucidez e mãos quentes
de peito dormente
de groselha regada
posta no meio da estrada
gritando pus
devagarinho derretendo
moendo os ossos
descansa-me as palpitações
falar
segunda-feira, 7 de julho de 2014
o caderno
Perdi o caderno castanho da marca
vermelha. Tinha lá escritas as notas do secretário, agora
irrecuperáveis. Esforço-me por reconstituí-las de memória. Mas
antes deixem-me contar-vos como perdi o caderno castanho da marca
vermelha.
Num escuro fim de tarde de Fevereiro em
Lisboa cruzei-me com um homem (tinha a aparência de o ser, pelo
menos) ali ao jardim da Gulbenkian, numa rua lateral, a Marquês Sá
da Bandeira, se não estou em erro no nome. Passei por uma pequena porta verde de uma antiga tabacaria abandonada. Levantei a cabeça, vi-o no reflexo do vidro passar por mim. Passei por
ele, olhei-o ainda um instante. O estranho homem, cicatriz na testa, mais alto que eu talvez
poucos centímetros, magro e seco, fugiu rápido com o olhos
vermelhos, fechando o sobretudo preto e puxando a gola numa simulação
de frio. Naquele segundo percebi que me tinha desaparecido o caderno
castanho da marca vermelha. Ao lembrar-me do seu casaco tremi de
pavor, como Edgar Allan Poe me tinha ensinado no livro. Subitamente
entendi - aquele homem era eu mesmo. Mas o caderno já não estava no
meu bolso.
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