terça-feira, 22 de abril de 2014

errar: pôr erres

a barata que fez a avozinha fazer a cara mais feia que lhe tinha visto
a barata resistia ao ataque nuclear e ao esmagamento de garrafa, engarrafamento
a barata vivia ali sem saber se antes se depois do 25 de Abril

eles queriam mostrar-nos como esse dia, como esses meses, tinham sido importantes
mas nós queríamos era mudar as coisas agora
já enjoávamos do  “foi assim”, apesar de não conhecermos quase nada do assim

a importância da memória e da experiência só se ganha com necessidade vinda de dentro e isso só acontece quando fazemos coisas
deixem-nos fazer

a barata perdeu a pata mas continuou a espernear
a barata já tinha só metade do corpo e continuou a espernear
à avozinha bastava-lhe que não estivesse em cima do prato dela

enquanto esperneava estava eu a pensar
em quando dizes que é preciso repetir
que resistir é repetir
que quando se repete se repete de outra forma
com outras palavras, outros pontos de vista, acrescentando pontos aos contos ou contos aos pontos
que não é obrigatório toda a gente saber tudo o que a humanidade já sabe
que isso seria impossível

só vou odiar o teu carrasco quando ele for meu carrasco também
isso não passa por tradição ou honra familiar ou classe ou clubismo
só quando me passarem a perna é que vou dar atenção às histórias antigas de quando te passaram a perna
deixem-nos levar com as pernas agora

e era assim o avançar da história do mundo
porque ninguém sabe tudo o que a humanidade já sabe
isso do aprender tinha muito que se lhe dissesse
porque é sempre preciso experimentar com as próprias mãos
errar errar errar, o caminho não era sempre em frente
cada pessoa tinha de picar o dedo num alfinete para saber o que era a dor

e era assim que eu esmagava a barata como quem esmaga a evolução

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