O homem da cabeça grande gostava
de fumar perlimpimpins, mas os perlimpimpins eram ilegais. O homem da cabeça
grande andava sempre com perlimpimpins no bolso, e andava com muitos, porque
fumava muito ao longo do dia. Um dia apanharam-no e acharam que ele não era
consumidor mas sim traficante, porque tinha muitos perlimpimpins no bolso.
Pagas uma multa, mas não tens de ir ao psicólogo; se és traficante tens a
cabeça no sítio. O homem vivia sozinho no quinto direito, e a família do quinto
esquerdo não tinha razões de queixa.
A mulher dos pés grandes vivia
com o filho que queria ser astronauta. Era o miúdo dos cabelos grandes. Moravam
os dois no quinto esquerdo. Ela fazia muitas coisas: fazia as camas, fazia as
compras e fazia-lhe a barba. Ele fazia o favor de não saber levar os seus
sonhos extra-lavagantes à prática. O miúdo dos cabelos grandes conseguia
deixar-se ficar à janela à noite muito tempo, de nariz levantado. Lá em cima,
ficava o planeta Amanhanado.
No planeta Amanhanado, a étê das
olheiras grandes vigilava. Tinha de existir acordada e viva sempre que alguém
no planeta de baixo pensasse nela. A étê das olheiras grandes tinha rugas
marcadas de já há tanto existir. Um dia desequilibrou-se e caiu redonda no meio
dos homens e mulheres de baixo. Mas nem homens nem mulheres a viram. Viu-a só o
gnomo das orelhas grandes. Depois, ela recompôs-se, levantou-se e voltou para o
Amanhanado.
O gnomo das orelhas grandes tinha
umas orelhas que pareciam as de um elefante e era sincero e social. Sincero e
social podem não ser opostos. Ou nunca tinham pensado nisso? Aquele gnomo
queria aprender com as histórias, com os relatos de vida dos outros, com os
livros, com os filmes, com as conversas e discussões acesas entre gnomos, sobre
os mais variados assuntos. E ele também falava, de vez em quando. Contou da étê
das orelhas grandes, que vira estatelada à superfície da terra. Mas ninguém
acreditou.
Uma vez o homem da cabeça grande
teve uma visita. Era o homem do nariz grande, um amigo seu sorridente e cheio
de sorte. Sempre fizera tudo com a maior das facilidades. Na escola não tinha
precisado de ler nenhum livro. Deixava as páginas rolarem pelos dedos, como
quem lê pela textura, e não pelo texto. Safava-se sempre que lhe faziam
perguntas e se tivesse de escolher o copo que escondia a pedrinha, acertava
sempre no copo certo. E assim se meteu nos copos.
Estavam muito bem a conversar –
um sobre xadrez, o outro sobre as folhas das árvores (mas mesmo assim a
conversarem um com o outro) – quando o miúdo dos cabelos grandes bateu à porta.
Que precisava de ir à janela deles. Que tinha visto a étê – que era a étê das
olheiras grandes mas o miúdo não sabia – a cair do Amanhanado. Que da janela
dele não se podia ver mais para lá. Que ele precisava de uma janela que desse
para ver mais para lá. Se eles não lhe podiam emprestar uma. Um ria-se, o outro
arregalava os olhos a querer entender e já a arranjar solução.
Foi então que entrou pela porta
do quinto direito a mulher dos pés grandes, à procura do filho. Já o homem do
nariz grande desencaixilhava a janela da sala do homem da cabeça grande para a
emprestar ao miúdo dos cabelos grandes. Mas a mulher dos pés grandes agarrou no
filho por um pulso, chamou-os loucos a todos, incluindo ao filho, e saíram os
dois, voltando ao quinto esquerdo.
A velha do queixo grande, que era
avó do miúdo dos cabelos grandes (mas não era mãe da mulher dos pés grandes),
estava sentada no sofá da sala de estar e iam os três tomar um chá. A velha do
queixo grande era só lamúrias e a sua voz ora se sumia, para melhor representar
e encarnar a grande dor de que padecia, ora se tornava muito aguda e contínua,
fazendo uma impressão terrível no aparelho auditivo de qualquer ser humano, ou
de qualquer gnomo. Imaginem o gnomo das orelhas grandes!
Depois de ter visto a étê das olheiras
grandes redonda sobre a terra e depois de ter contado o que vira e ninguém ter
acreditado, o gnomo recolheu à sua mini-cama, junto às raízes de uma árvore,
tencionando dormir. Mas qual quê! Começou o silvo da velha do queixo grande,
uma tortura infernal para as suas orelhas. Que dia, aquele. Tudo por causa duma
étê.
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