imaginava que eras de repente aquela pele por trás do pelo ressequida e mais perto dos ossos os ossos a agarrarem a pele a puxarem e os pelos a ficarem lassos de pouca carne os postiços a cair
no chão da rua
e a ficar o corpo de dentro de tudo isto a contar e o que contava era
o susto o medo o pavor porque batiam à porta e não estava ninguém do outro lado quando se abria porque as vozes das crianças se queriam recusar afastava-se o corpo do homem por si propositadamente e pela maneira de ser como o dos bichos que vão morrer longe
fugia o homem de ser visto a sofrer mais do que do sofrimento em si e ao pensar em si e nisto sofria mais e mais a pele se encostava aos ossos e os olhos se esbugalhavam mas sem esperar
ou à espera
não se espera assim por isso há-de haver uma reacção à dor dos ossos e da pele e à dor de tudo o que os olhos passam a trazer-nos à cabeça e ainda à dor imaginada dos outros depois e antes e durante e
saber falar?
ainda há tempo para aprender a falar mas ainda haveria tempo para aprender que há coisas mais bonitas que o orgulho do pirata
quinta-feira, 28 de junho de 2012
terça-feira, 26 de junho de 2012
Um cubo de três lados
Quadrado 1 - As ridículas
Eram as hipotéticas as futuras
porque ainda não estavam escritas
mas já se adivinhava
tudo o que de ridículo haveria nelas
e que se haviam de rasgar depois ou queimar ou guardar dobradas
dentro ainda dos envelopes originais
em caixas e gavetas e cantinhos das casas
Seriam amarfanhadas ou vincadas em linhas que iam gastar a tinta das letras
seriam recordadas
guardadas só para serem recordadas
queimadas só para serem recordadas
sempre efémeras
que o amor felizmente nunca é eterno
Uma resma delas
Mais vale não as escrever e deitá-las já no lixo
deitá-las já no caixote
ficar a olhar para elas
não escritas já deitadas fora
Pegava-se fogo depois ou antes?
Quadrado 2 - Corte de cabelo organizado
A corda é corda
emaranhada
confusa
áspera e resistente
bonita quando inútil em modo escultura
sempre harmónica
simples e rude
Com a tesoura fica outra coisa
fica laços que têm de se cortar
enforcados que têm de cair
pedaços que têm de ter medidas para usar para isto e para aquilo
Façam-se as medidas
cortem-se as pontas
dez centímetros para a direita
três centímetros para a esquerda
dez centímetros para a direita
três centímetros para a esquerda
Faz-se um jogo
que assim resumido se torna fordismo
e se fosse cabelo seria daqueles cortes mais compridos à esquerda que à direita
o fordismo depois não leva a lado nenhum
é beco sem saída
só com revoluções é que...
Quadrado 3 - O mapa
A marca
que com a palavra estrada se repete e prolonga e se torna estrada
leva pneu grande para mim de camião
o pneu rola sem ninguém mandar
quer fazer o seu caminho mas a gente dá-lhe regras
pôe limites
desenha uma curva para ele seguir
sai daqui
nem penses em seguir em frente
desvia-te ó pneu
A marca do meu pé
estará ali e estará segura
ali é a marca do meu pé que eu não quero atropelado
ali se calhar é já a entrada da minha casa
entrei em casa
com os sapatos com que ando na rua e descalcei-os
Uma estadia
uma estada
uma estrada
Um estrado
um estado
um estádio
Andamos
a querer pisar esta história
e forçar-lhe um fim
Eram as hipotéticas as futuras
porque ainda não estavam escritas
mas já se adivinhava
tudo o que de ridículo haveria nelas
e que se haviam de rasgar depois ou queimar ou guardar dobradas
dentro ainda dos envelopes originais
em caixas e gavetas e cantinhos das casas
Seriam amarfanhadas ou vincadas em linhas que iam gastar a tinta das letras
seriam recordadas
guardadas só para serem recordadas
queimadas só para serem recordadas
sempre efémeras
que o amor felizmente nunca é eterno
Uma resma delas
Mais vale não as escrever e deitá-las já no lixo
deitá-las já no caixote
ficar a olhar para elas
não escritas já deitadas fora
Pegava-se fogo depois ou antes?
Quadrado 2 - Corte de cabelo organizado
A corda é corda
emaranhada
confusa
áspera e resistente
bonita quando inútil em modo escultura
sempre harmónica
simples e rude
Com a tesoura fica outra coisa
fica laços que têm de se cortar
enforcados que têm de cair
pedaços que têm de ter medidas para usar para isto e para aquilo
Façam-se as medidas
cortem-se as pontas
dez centímetros para a direita
três centímetros para a esquerda
dez centímetros para a direita
três centímetros para a esquerda
Faz-se um jogo
que assim resumido se torna fordismo
e se fosse cabelo seria daqueles cortes mais compridos à esquerda que à direita
o fordismo depois não leva a lado nenhum
é beco sem saída
só com revoluções é que...
Quadrado 3 - O mapa
A marca
que com a palavra estrada se repete e prolonga e se torna estrada
leva pneu grande para mim de camião
o pneu rola sem ninguém mandar
quer fazer o seu caminho mas a gente dá-lhe regras
pôe limites
desenha uma curva para ele seguir
sai daqui
nem penses em seguir em frente
desvia-te ó pneu
A marca do meu pé
estará ali e estará segura
ali é a marca do meu pé que eu não quero atropelado
ali se calhar é já a entrada da minha casa
entrei em casa
com os sapatos com que ando na rua e descalcei-os
Uma estadia
uma estada
uma estrada
Um estrado
um estado
um estádio
Andamos
a querer pisar esta história
e forçar-lhe um fim
domingo, 24 de junho de 2012
descrição
Elas, com asas de todas as cores, ora azuis, ora brancas,
ora rosas e verdes e amarelas – que nisso eram camaleoas -, já estavam
habituadas a aconchegar o seu corpo entre os piloros e ficar ali adormecidas.
Em certas épocas, pegavam ao sono durante muito tempo. Eram completamente
resistentes aos sucos gástricos e digestivos, por mais ácidos que fossem. Eram
sensíveis, mas imunes à insensibilidade. Depois, em momentos, em segundos, acontecia
que se punham a voar em círculos, sem chocar umas com as outras, fazendo cócegas
com as leves asas nos piloros. Como beijos de pestanas.
terça-feira, 5 de junho de 2012
literatura
Leia cuidadosamente este folheto
antes de tomar
este medicamento
É importante que o leia
mesmo que já tenha tomado aspirina
pois contém
novas informações
Caso ainda tenha dúvidas
fale com o seu médico ou farmacêutico
conserve este folheto
pode ter necessidade
de o ler novamente antes de
terminar a embalagem
Este medicamento foi receitado para si
não deve dá-lo a outros
o medicamento pode ser-lhes
prejudicial
mesmo que apresentem os mesmos sintomas
antes de tomar
este medicamento
É importante que o leia
mesmo que já tenha tomado aspirina
pois contém
novas informações
Caso ainda tenha dúvidas
fale com o seu médico ou farmacêutico
conserve este folheto
pode ter necessidade
de o ler novamente antes de
terminar a embalagem
Este medicamento foi receitado para si
não deve dá-lo a outros
o medicamento pode ser-lhes
prejudicial
mesmo que apresentem os mesmos sintomas
sábado, 2 de junho de 2012
a ferida
eu sou uma ferida
eu sou talvez ou por exemplo a ferida do nariz da minha avó
em vermelho vivo e em vermelho crosta
a escorrer e seca
a arder e a dor muscular
olha-me e pareço bonita
e olha-me mais e sem cegueira não vês as quebras no tecido macerado
as manchas gretadas
não, pode ser que não vejas
a máscara da ferida fica bela e parada em luz de inverno muito nítida
olha-me e pareço parada
e não vês as plaquetas a trabalhar a sair a entrar a coagular-me as arestas
e a dor muscular
não vês por dentro as nódoas negras a pedir punhos cerrados para não sentir a ressaca
a pedir unhas que façam sangue sangue que corra
para parecer viva
a ferida viva
os ossos pedem para ser vistos
o resto da pele a ser branca mais branca pálida
a ferida viva que já não grita
que grita calada
que grita o toque o raspão o rasgão a sina das unhas dos cortes de
x-acto
a ferida que se constrói
que mói que agarra o tempo e o ciclo de sarar
mais e mais massacrada e só calma e calada
entupida sem sons
a entregar-se a ser assim
beija-me que saibo a ferro e ferro dá-te força
tira a força que eu sou só ferida
lambe-me que saibo a ferro e ferro faz armas
tira a espada para ficar só
a ferida
não vês agora que horrorizo que sou carne que sou pêlos
fundo de esgoto centenas de larvas
não vês como sou feia e sem coragem
só feia exposta visão de horror
vês agora que os teus olhos se arregalaram de medo
que os teus pés dão passos atrás imóveis
que as tuas mãos se abriram voltadas para o chão
e é esse o momento em que a ferida começa a cantar com a voz que pediu emprestada à bela sereia
eu sou talvez ou por exemplo a ferida do nariz da minha avó
em vermelho vivo e em vermelho crosta
a escorrer e seca
a arder e a dor muscular
olha-me e pareço bonita
e olha-me mais e sem cegueira não vês as quebras no tecido macerado
as manchas gretadas
não, pode ser que não vejas
a máscara da ferida fica bela e parada em luz de inverno muito nítida
olha-me e pareço parada
e não vês as plaquetas a trabalhar a sair a entrar a coagular-me as arestas
e a dor muscular
não vês por dentro as nódoas negras a pedir punhos cerrados para não sentir a ressaca
a pedir unhas que façam sangue sangue que corra
para parecer viva
a ferida viva
os ossos pedem para ser vistos
o resto da pele a ser branca mais branca pálida
a ferida viva que já não grita
que grita calada
que grita o toque o raspão o rasgão a sina das unhas dos cortes de
x-acto
a ferida que se constrói
que mói que agarra o tempo e o ciclo de sarar
mais e mais massacrada e só calma e calada
entupida sem sons
a entregar-se a ser assim
beija-me que saibo a ferro e ferro dá-te força
tira a força que eu sou só ferida
lambe-me que saibo a ferro e ferro faz armas
tira a espada para ficar só
a ferida
não vês agora que horrorizo que sou carne que sou pêlos
fundo de esgoto centenas de larvas
não vês como sou feia e sem coragem
só feia exposta visão de horror
vês agora que os teus olhos se arregalaram de medo
que os teus pés dão passos atrás imóveis
que as tuas mãos se abriram voltadas para o chão
e é esse o momento em que a ferida começa a cantar com a voz que pediu emprestada à bela sereia
sexta-feira, 1 de junho de 2012
ruge
a minha avó tinha uma ferida no nariz que não sarava
o meu vestido é vermelho, o meu computador é vermelho, o meu telemóvel é vermelho
se sabes ler como é que não sabes escrever
se eles não sabem escrever como é que sabem piolhar os documentos dos outros
o sangue quando desce à boca sabe a ferro
ontem quis ver o mar hoje hoje quero vê-lo amanhã
o meu vestido é vermelho, o meu computador é vermelho, o meu telemóvel é vermelho
se sabes ler como é que não sabes escrever
se eles não sabem escrever como é que sabem piolhar os documentos dos outros
o sangue quando desce à boca sabe a ferro
ontem quis ver o mar hoje hoje quero vê-lo amanhã
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