segunda-feira, 28 de maio de 2012

nem guronsan nem compensan, só benuron

afinal deus tinha de ter sentido estético, para criar o apêndice, afinal deus deus não existia como toda a gente sabia e cristo sabe-se lá, metáforas de colonizadores de cabeças, histórias mágicas para as cabeças das crias colonizadas
eu não as queria colonizadas, eu sonhei um dia que se descolonizavam, sonhei um dia mas mesmo de dia, que dos sonhos que sonho não me lembro, dos sonhos que sonho de noite
não me lembro, não sei se hei-de acreditar, será que isto era sono ou sonho ou estar noutro chão, o chão era outro, o dia era outro ou era este os dias medem-se pelo sol ou por estar acordado os dias são dia-a-dias ou são
catadupas e cascatas na cabeça em descolonização, em descolonização sempre, eu juro eu juro eu juramento sem bandeira descolonizarei, -me, e aos outros, descolonizar-me-ei descolonizar-vos-ei descolonizarmo-nos-emos

e antes de dormir ainda há sempre tanta coisa a fazer

a aurora é o novo ocaso

o dente grita o dente não sabia que a vida eram dois dias mesmo sem dormir as dezasseis horas, o dente raios parta o dente a gritar quero ser vitaminado! mas devia era ser vitalizado desvitalizado queria eu dizer o dente não me deixou dizer

tudo o que ele não deixa dizer

enganar o dente

a viver de noite
a ver o sol despontar
não acreditar
ter medo de não lembrar
puxar as horas
desprezar o sono
matá-lo de conversa
não parar de falar
fazer mais de três acordes
abrir alargar
dividir alongar
e já de dia outra vez
já de noite
não acreditar

quarta-feira, 23 de maio de 2012

cansaço calor confuso

Que a esta hora o cansaço
já tomara conta dos corpos
e a noite parecia apaziguar
as tensões, os tendões, os artelhos
E a cabeça cansada do desejo
há tantas horas iniciado, sonhado
e há tantas horas prometido
No escuro, no não dizer
parecia descansar, mas era trémito ainda
porque dois corpos vibram mais que um
No escuro da luz apagada, afinal
ouve-se o coração a bater
e não se consegue conter a respiração
E essa súbita mão a emigrar
calor e arrepio e delírio
tão primitiva e tão logo
tão libertação de tudo outra vez
como café no sono
agitadora de gás, resplendorosa
A riscar do mapa do futuro próximo
os filtros da posição que deve ser
deixa a confusão confusa para pensar depois
arrasa agora, arranha agora
e o fim é adiado e querido
cada vez mais próximo, galopante
Adormecer é dizer primeiro a palavra
confuso e não mais querer pensar
Não aconchegar é o medo do medo do medo
despreza-se então, dormindo toda a noite
O desprezo é uma centrifugadora na barriga
que não me deixará dormir tranquila
e para que serve?

terça-feira, 22 de maio de 2012

the fun's in the fight


"So keep fightin' for freedom and justice, beloveds,
but don't you forget to have fun doin' it.
Lord, let your laughter ring forth.
Be outrageous, ridicule the fraidy-cats,
rejoice in all the oddities that freedom can produce.
And when you get through kickin' ass
and celebratin' the sheer joy of a good fight,
be sure to tell those who come after
how much fun it was."

Molly Ivins, from "The Fun's in the Fight" in Mother Jones, 1993

quinta-feira, 17 de maio de 2012

friquinismos à parte, esta forma de migração chama-se amor

Daí para aqui
a força vai e vem e engrossa na viagem
os pós da tua luta aí chegam cá
e vou-te mandando sons daqui
A luz chega mais rápido
mas os sons amadurecem enquanto vibram no ar
De cá para aí
daí para aqui
se passeio e sorrio a tanta gente e troco as notícias por outras
faço um mundo mais redondo
pontilhado cada vez mais de formas cada vez mais diversas
arrisco pedir-te uma arte que ainda não provaste
arrisco provocar-te e tu
arriscas provocar-me
Com o que há aí
e eu faço com o que há aqui e mudo tudo mais uma vez
aqui sem acento nem frio
aqui com sol e pedras da calçada
aí com outros cafés e outros sapatos
aí contigo e mais quem te dá força e mãos
Puxamos muito o cotovelo para trás e para cima
e lançamo-nos uns para os outros e
tocamo-nos e misturamo-nos
Não saberei fazer nada aqui sem ouvir esse grito
já em eco
e sei então que também precisas de remessas do meu formigueiro
Que outra forma haveria de viver
e mudar os gestos?

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A monte

Diana das origens
perseguida por faisões
faisões que coaxam e incham
e batem as asas
estalam as asas
Diana a trotar
à procura do arco
à procura do cio da terra

Cacilheiro, Joana, autocarro, laranja, Alcântara-pai, Paço de Arcos, Richard, tamanho, Parede, ginecologista, S. Pedro, casas, avós, prima, tios, S. João, avó Arlete, casa, cheiro, criança, linha, som, criança, S. Pedro de Moel, relâmpagos, acampar, mar, Porto Covo

Mulheres que param e sorriem
fogem
das zonas agitadas
de famílias e adolescentes
olham-no e ao horizonte
e sorriem

Vale sempre a pena vir ver o mar. Nunca desilude. É sublime. Embriaga-nos. Despe-nos as angústias com as ondas-garra. Puxa como um ancinho. Oferece-nos maresia ao mesmo tempo, para garantir que não dói. O mar tem sempre segredos com as pessoas. Com cada uma. E nunca conta nada a ninguém.
Quero dedicar-te metade do meu tempo, mar. Vir aos sítios em que és mais como eu te vejo. E na outra metade serei archeira, também - mas nos pinhais. Abriu a época de estivar ânimos.
E nesses bancos respirarei. Os avós, os amigos, os amores, as casas, as viagens, os cheiros, os sons, as memórias com objectos, as contra-regras, os contrários, a exody, as linhas, a linha do horizonte, a linha que não é uma linha, ou então imaginar de repente que vivemos num prato e um grande gigante nos pode comer a qualquer momento.
Poder beber o sumo todo antes da comida. Deitar fora o leite e aquelas roupas. Ter coragem. Disto e daquilo. Perceber que a Inês anda comigo. Lembrar da coluna. Dar ar ao tórax.
Viva o youtube, que tem vídeos sobre os peixes voadores. E agradeço ao café ter pão do rijo, e só levar uma salsicha. O mundo parece belo, de repente. Vamo-nos esquecer da mentira. Um bocadinho. Outra rapariga sorri ao ver o mar. E tira fotos aos avós iguais às da minha avó. Aqui vive-se diferente, parece.
Chegaram agora as gaivotas de prancha. São negras em contraluz. Não tenho horas. As horas dos outros são muitos cães e crianças. Não me dão inveja. Ainda sou, ou já, a mulher que sorri quando chega ao mar.
E depois havia tudo o resto, ainda mais intratável. Os dois fenómenos mágicos. O anoitecer e o amanhecer. Que carradas de coisas. Não dava para explicar.
E então era só trocar os horários. Combinar outras coisas com o tempo. Mas o mais difícil, era mudar o ritmo da respiração. E aquilo da coluna.
Da feiura não tenho medo. Mas o belo dá força. 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Retrato do irretratável

A ponta de angústia
era uma minhoca da terra
negra e translúcida
flexível e variável
ora fina ora mais gorda
formando ésses e caracóis

De longe às vezes
parecia um cabelo caído
outras vezes uma artéria
uma tromba
um escoamento de barragem

No meio do resto da matéria
dos outros sedimentos
a minhoca desenhava-se assim
em cabelo caído
e podia ser visível com exames de raio x

A ponta de angústia
era um crinóide
lírio do mar
flor na barriga
fel de boca
ulcereta

Os exames de raio x eram caros
e não serviam para nada

erros teus, péssima fortuna, amor confuso

erros teus, péssima fortuna, amor confuso
todos os dias os mortos matutam
e enquanto muda a vida, a vida muda
mas
todos os lugares se conjuraram
lembrando-se dela de repente

enquanto o dia, minha perdição, desata aos gritos
o tempo troça dos recomeços
e o ar abafado prevê verões difíceis

desabafar assim não vale a pena - quase nada:
sonho ardido, astros desesperados...

não não não não não não NÃO
o destino rasga-se de gente
(resistir agora é crime aqui ao lado)
e a raiva ali mesmo ama
ao passo que a saliva salta

se é livre canta (...)

quem me dera o mar mais simples
com belas ondas
e música
a morte derrotada por ippon
outra vez amanhã
outra vez até ao fim

adília

Na nossa relação
eu aumentei de idade
e tu diminuíste.
Tens agora dezasseis.
Estou à espera que faças a tatuagem.



terça-feira, 8 de maio de 2012

Ao do quarto ao lado

Quando eu ia a tua casa
e me sentia em tua casa
e isso do cheiro que disseste
envolvendo tudo uma calma enorme
grande
contente
os sorrisos e os risos que disseste
nada a ver os nossos corpos
nada a ver
a calma é sempre do tamanho das tuas mãos
atiro o medo em flechas
para dentro dos teus olhos
e quando falas e cantas
ressoam-me os ossos
já não sei não saber o som do teu nome
queria viver assim
mas paira aqui um ar de flamingo em bicos de pés numa pata sobre bola de bowling
então vendo os olhos
cinco escudos
e sigo sem me importar se há chão
as pedras da calçada são gelo quando há frio
e fervem ao sol
qualquer coisa não há-de perder-se nunca respiro tudo

folgambafu


O dragão foi morto pelo príncipe.
A menina chora ao lado do seu dragão assassinado.
O príncipe parte em busca
de novas meninas.
O dragão que voava e rugia e lançava chamas
criador dos poemas e da música
das labaredas do amor e do combate
foi morto.
A menina era apaixonada pelo dragão.
O dragão era também a menina.
A menina odiou
quando o príncipe chegou.
O príncipe decidiu chegar de repente
e pôr-se a matar dragões.
E a transformar meninas em princesas.
A menina não queria ser princesa.
Queria ser dragão.
O dragão não tinha querer.
Vivia até que foi morto.
Já não há dragões para nada.
O dragão expeliu a menina pela boca
transfigurou a língua em príncipe
e com roupa de príncipe partiu em busca
de novas meninas.