sexta-feira, 28 de março de 2014

útil

Tudo me soa a falso excepto a mentira descarada. Essa é a verdade descosida dos fatos de luto, nunca deixada frutificar nas gangrenas dos adultos xonés e na hipopotamização da TV. O que é útil é o supermarché com produtos muito farmacêuticos e sempre à mão de semear hortas nas prateleiras incógnitas que aldrabam os clientes com truques de marketing feito por macacos de imitação, criadores de deuses quando já criados deles.

não perca a oportunidade, menina


Vá ver a exposição não perca a oportunidade, porque depois já não vai poder nadar no cocó azul da artista mais conceituada de todos os tobogans gigantes da europa e mesmo no quénia nunca se viu nada assim, nem o colonialismo mais racista consegue saltos destes de qualidade da catana para a arma química entrecortado com aviões de deixar prendas de natal e árvores para pedir presentes aos tanques.

lacunas


Ó chocolate santíssima, não me digas que acabou o compal de banana da madeira e os crepes com virgem e licor de batú.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Por causa duma étê


O homem da cabeça grande gostava de fumar perlimpimpins, mas os perlimpimpins eram ilegais. O homem da cabeça grande andava sempre com perlimpimpins no bolso, e andava com muitos, porque fumava muito ao longo do dia. Um dia apanharam-no e acharam que ele não era consumidor mas sim traficante, porque tinha muitos perlimpimpins no bolso. Pagas uma multa, mas não tens de ir ao psicólogo; se és traficante tens a cabeça no sítio. O homem vivia sozinho no quinto direito, e a família do quinto esquerdo não tinha razões de queixa.
A mulher dos pés grandes vivia com o filho que queria ser astronauta. Era o miúdo dos cabelos grandes. Moravam os dois no quinto esquerdo. Ela fazia muitas coisas: fazia as camas, fazia as compras e fazia-lhe a barba. Ele fazia o favor de não saber levar os seus sonhos extra-lavagantes à prática. O miúdo dos cabelos grandes conseguia deixar-se ficar à janela à noite muito tempo, de nariz levantado. Lá em cima, ficava o planeta Amanhanado.
No planeta Amanhanado, a étê das olheiras grandes vigilava. Tinha de existir acordada e viva sempre que alguém no planeta de baixo pensasse nela. A étê das olheiras grandes tinha rugas marcadas de já há tanto existir. Um dia desequilibrou-se e caiu redonda no meio dos homens e mulheres de baixo. Mas nem homens nem mulheres a viram. Viu-a só o gnomo das orelhas grandes. Depois, ela recompôs-se, levantou-se e voltou para o Amanhanado.
O gnomo das orelhas grandes tinha umas orelhas que pareciam as de um elefante e era sincero e social. Sincero e social podem não ser opostos. Ou nunca tinham pensado nisso? Aquele gnomo queria aprender com as histórias, com os relatos de vida dos outros, com os livros, com os filmes, com as conversas e discussões acesas entre gnomos, sobre os mais variados assuntos. E ele também falava, de vez em quando. Contou da étê das orelhas grandes, que vira estatelada à superfície da terra. Mas ninguém acreditou.
Uma vez o homem da cabeça grande teve uma visita. Era o homem do nariz grande, um amigo seu sorridente e cheio de sorte. Sempre fizera tudo com a maior das facilidades. Na escola não tinha precisado de ler nenhum livro. Deixava as páginas rolarem pelos dedos, como quem lê pela textura, e não pelo texto. Safava-se sempre que lhe faziam perguntas e se tivesse de escolher o copo que escondia a pedrinha, acertava sempre no copo certo. E assim se meteu nos copos.
Estavam muito bem a conversar – um sobre xadrez, o outro sobre as folhas das árvores (mas mesmo assim a conversarem um com o outro) – quando o miúdo dos cabelos grandes bateu à porta. Que precisava de ir à janela deles. Que tinha visto a étê – que era a étê das olheiras grandes mas o miúdo não sabia – a cair do Amanhanado. Que da janela dele não se podia ver mais para lá. Que ele precisava de uma janela que desse para ver mais para lá. Se eles não lhe podiam emprestar uma. Um ria-se, o outro arregalava os olhos a querer entender e já a arranjar solução.
Foi então que entrou pela porta do quinto direito a mulher dos pés grandes, à procura do filho. Já o homem do nariz grande desencaixilhava a janela da sala do homem da cabeça grande para a emprestar ao miúdo dos cabelos grandes. Mas a mulher dos pés grandes agarrou no filho por um pulso, chamou-os loucos a todos, incluindo ao filho, e saíram os dois, voltando ao quinto esquerdo.
A velha do queixo grande, que era avó do miúdo dos cabelos grandes (mas não era mãe da mulher dos pés grandes), estava sentada no sofá da sala de estar e iam os três tomar um chá. A velha do queixo grande era só lamúrias e a sua voz ora se sumia, para melhor representar e encarnar a grande dor de que padecia, ora se tornava muito aguda e contínua, fazendo uma impressão terrível no aparelho auditivo de qualquer ser humano, ou de qualquer gnomo. Imaginem o gnomo das orelhas grandes!
Depois de ter visto a étê das olheiras grandes redonda sobre a terra e depois de ter contado o que vira e ninguém ter acreditado, o gnomo recolheu à sua mini-cama, junto às raízes de uma árvore, tencionando dormir. Mas qual quê! Começou o silvo da velha do queixo grande, uma tortura infernal para as suas orelhas. Que dia, aquele. Tudo por causa duma étê.