sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Só te digo Apollinaire
Só te digo apollinaire
Só te digo em voo em dias
de vertigem certa
Hoje por exemplo abri a pestana apollinaire
como quem abre champanhe triste.
Só te digo. Digo-te apollinaire.
Abri a pestana e era
a era triste de dizer isto
é velho tudo e eu farto.
Sempre soube que isto da tristeza se pega
como mitológica doença venérea
depois de muita leitura na cama.
Vou pelos ares do meio do século.
Fugir logo de manhã do quarto alugado
meter pelas ruas à procura de rampas
que são os miradouros mais modernos.
Fugir logo de manhã e saber
que há boticários para quase tudo
há prospectos de venenos a vapor
agora menos ruidosos mais de bolso
Há passeios organizados entre as colunas
de óbitos e há seguramente poesia nisso
e em passar pelo suspiro ronco das sirenes
e ficar à conversa em surdina.
Sirenes sirenes
as minhas as matutinas
e as outras
mas hoje a mim nada me canta.
Nada de ascensores dos que engendram
rosas ruidosas para oferecer aos passantes
e dizer olhem-me para estas belas sirenes.
Já cansa as coisas serem por todo o lado.
Olha uma rampa.
É apanhar o jeito e deixar o solo.
É a cair que faço a minha melhor imitação de alarme.
É fácil
como a desgraça o autoclismo
ou meter as mãos à garganta para soluçar
é barato como andar para trás escorregar
beleza abaixo na minha trotineta
é perigoso como andar
por aí a ganhar tempo
e apanhar um bocado de ar
mesmo no meio da testa
e daí o cabelo assim para trás
que é moderno
em suma é fácil
como não encontrar o caminho para casa
depois de um século às voltas e no fundo
faz-me mal ler-te porra Apollinaire
Não estás vivo
e eu estou farto disto lá isso
e hoje os automóveis não se parecem com nada
ah em suma isso era dantes
e depois dizer adeus
é difícil como fazer pela vida
em voo mesmo quando se apanha
um daqueles miradouros jeitosos
num bairro dos mais finos.
A verdade é que não há miradouros jeitosos
ou eu já não sei ganhar balanço.
É que no fundo a poesia disto é poucochinha.
Eu tentei apollinaire
só te digo apollinaire
era voltares e ias ver.
eu gostaria de não ter de te dizer
mas é
em suma isto
e vá há de vez
em quando
uma rampa aqui e ali de jeito
no fim de um verso
por isso volto ao quarto e digo-te apollinaire
a ver se apanho a tristeza quando ela fôr a subir.
Miguel Cardoso
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