segunda-feira, 27 de agosto de 2012

silhueta da cidade montra


quando a cidade se começou a vender, deixei de usar qualquer café na minha rua porque o café não era para mim, porque o café custava um balúrdio e as mesas não eram feitas para ficar a ler o jornal

quando a cidade se começou a vender, as ruas já não tinham um desenho para eu chegar onde queria facilmente, as ruas passaram a dar saída só para museus, monumentos e lojas de galos de barcelos

quando a cidade se vendeu, já nem os anúncios eram para mim, porque a cidade não se vendeu para mim, porque eu não a podia comprar

quando a cidade se vendeu, os bilhetes de autocarro e de metro e de eléctrico e a gasolina, o gasóleo e os parquímetros passaram a custar um preço que se ria a bandeiras despregadas dos trocos que eu levo no bolso

quando a cidade se vendeu, os jardins deixaram de ter árvores e arbustos e lagos e bichos e passaram a ter o chão liso, duro e branco, e brancos eram os bancos, e continuavam a chamar àquilo jardim, porque jardim é uma palavra bonita

quando a cidade se vendeu, os parques infantis e as lojas e as garagens e os ginásios e os correios estavam forrados em todas as arestas de protecções contra os assaltos

quando a cidade se vendeu, as pessoas que lá viviam começaram a deixar o centro por ordem das classes sociais a que pertenciam

quando a cidade se vendeu, passou a ser um parque de diversões para turistas, e quem ainda lá morava escondia-se em casa porque as ruas e os cafés não eram feitos para si, e era uma chatice para os senhores importantes e os arquitectos urbanísticos quando as bichas da loja do cidadão saíam pela porta e davam a volta às esquinas

já não sei se a cidade se vendeu ontem ou se foi hoje, ou se é amanhã

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