quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O meu encontro com a tartaruga

O meu encontro nocturno com a tartaruga às escuras das quatro da manhã. O frio eu sabia-o de rachar e o ser do sangue frio estava acordado e tinha mudado de lugar. Lento, mas em busca, quando sentiu o vulto. Parecia ter sabido que ele vinha, ou foi ela que o chamou. Tem bolores suspensos na casca, torce o pescoço, sem um sorriso. Estremeço. Há qualquer coisa de grandioso. Há quantos anos vives tu?, inquire-me. E ao mesmo tempo diz-me que tem mais de cem anos. Muito mais. Vários milhares. Deito-lhe uma pepita verde, como quem fugiu da pergunta, mas com o cuidado que o momento exigia. Mostrou-me que deu por ela só para melhor se entender que a pepita era nada em comparação com o que estava a acontecer. A crosta terrestre rugiu ao de leve e o espaço do mundo esticou muito os braços. Vai dormir, tartaruga! Mas o que queria ela de mim? Um olhar tão sério que levo para a cama, de sintonização fina e pele espessa. Há mais gente em desequilíbrio neste apocalipo de limão. Verde longe do rio corrente.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

joana

uma retrete de louça e forma antiga
um cartaz com a guitarra do Amadeo
e os bonecos do Aleixo

os sabonetes em forma de concha
a terrina pesada e branca
dianisca

a gema do ovo com sal grosso
a noz moscada
um candeeiro de canudos de vidro
também gostavas de salsa

gravações de livros infantis em fole no teu quarto de criada
os brincos de princesa da varanda

o vinte e nove quinto esquerdo precisava de abrir o elevador à pressa
tinha duas portas e várias chaves para cada uma, atadas por longas fitas

cabeça inclinada à menina de Picasso
uns sonhos encantados do Chagall
muita história em histórias
calos nos pés do andar e ver - joanetes
as panelas e as portas pesadas
um travar de roer as unhas
um assobio e um sorriso
as costas direitas

um lençol cosido como saco-cama
uma bolsa para dentro da barriga
viagens e diários  e fotografias
o passe
andar contigo em Lisboa nos autocarros de dois andares
dormirmos no chão da casa da luz onde estava muito escuro e tínhamos de não ter medo
tenho os teus botões na minha porta

domingo, 5 de janeiro de 2014

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

us pubruzunhus

estava a menina a olhar para o gato
a brincar com o rabo -
o rabo do gato, não me entendam mal,
não é o rabo da menina que aliás
não passa de uma sombra de rabo
mesmo assim muito elegante e etc -

eis senão quando
chega o Fernado sétimo, magnífico rei da lenga-lenga
e dá uns ares de muito preocupado com o andamento
da sinfonia do mundo desconcertado
coitadinhos dos pobrezinhos
que o Mário Viegas já tinha descascado em timbre de velhinha
e põe-se a dizer
pabrazanhos
pebrezenhos
pibrizinhis
pobrozonhos e
pubruzunhus

e assim se pôs o rei a competir com o papa
que começa pela mesma letra mas é completamente diferente

claro que a menina não ficou espantada
com a competição
porque isso abunda, não me entendam mal, não é a bunda
é mesmo a grande quantidade, a abundância
mas ficou espantada, isso sim,
não me entendam mal
com a dificuldade que o gato teve de engolir o pêlo

e vai não vai vomita
não me entendam mal, não foi o papa que vomitou, nem o rei,
nem a menina
nem a manana
nem a menene
nem a minini
nem a monono
nem a mununu
quem vomita é o gato assim a fazer raque-raque cof-cof
e não é por ter fumado nem comido comida estragada

é que o gato quando abunda demais a hipocrisia
(não é o que faziam os actores do teatro grego, não me entendam mal)
vomita para lembrar a menina
que falta comida no prato
e que para ter o pêlo sempre asseado
é preciso cuidado
cuidado com os pubrunhuzus
cutudunhos
não me entendam mal
- eu acredito piamente na mentira
desde que ela seja mesmo mentira

o vómito passa
o gato põe a máscara
e o ano passa
cabundá